23 Junho 2020
O carro elétrico é a mais recente panaceia do sistema. Do sistema energético, do sistema de mobilidade, do sistema capitalista. A solução para as emissões de carros convencionais. Mas é claro, um grande nicho de mercado para dois setores de grande relevância na economia, como são as indústrias automotiva e de energia, que estão esfregando as mãos diante da possibilidade de substituir todo o parque automobilístico mundial: 1,3 bilhões de veículos.
A reportagem é de Martintxo Mantxo, publicada por Rebelión, 22-06-2020. A tradução é do Cepat.
Ávidos por soluções para tantos problemas ambientais, nós digerimos suas belas propostas, sem nos perguntar quais emissões podem ter a eletricidade com a qual esses carros são carregados. E quais impactos, pois por mais renováveis que sejam sempre possuem. E mais, essas renováveis que incluem grandes empresas, como também este sistema concentrado e centralizado. E como se a fabricação de um carro individual não implicasse custos de energia, recursos e todos os impactos associados a eles. Dizem que na fabricação de um carro as emissões são tantas quanto produzirão em sua vida, e acredito que o carro elétrico não será muito diferente nesse aspecto. E todo o lítio que as baterias precisarão. Uma bateria Tesla Model S contém cerca de 12 kg de lítio.
Mas não apenas os carros, mas também o lítio dos acumuladores para energias renováveis com os quais queremos substituir a energia fóssil, que exigem mais de 12 kg, sem falar de outras menores, mas que também precisam de lítio, como telefones celulares, laptops, tablets, etc.
Estamos falando de baterias para os mais de 100 milhões de veículos planejados para serem fabricados até 2050. Existem dois tipos de lítio (hidróxido e carbonato) na Austrália, China, mas especialmente no “Triângulo do Lítio”, composto por Argentina, Bolívia e Chile, onde são encontrados 85% do lítio do mundo.
Estimam que serão necessárias 785.000 toneladas de carbonato de lítio até 2025, quatro vezes o que atualmente é extraído. Seu preço já dobrou entre 2016 e 2018. O controle dos recursos de lítio, portanto, devido à sua relevância econômica, é essencial para as empresas transnacionais e as potências, e é por isso que se entende (juntamente com o controle de outros recursos, como gás e minerais) o golpe de estado na Bolívia (novembro de 2019), o país que nacionalizou esse recurso. A empresa alemã ACY Systems e a chinesa TBEA-Baocheng tinham contratos na Bolívia. A China é o maior produtor de veículos elétricos, tendo desbancado a estadunidense Tesla.
Em nível ambiental, também possui muitos impactos, menores em salinas como a de Yuni, na Bolívia, mas também, devido ao grande uso associado de água: como em outras minerações, para extrair o lítio do sal, são necessários 2 milhões de litros de água por tonelada de lítio. No Salar de Atacama, no Chile, as atividades de mineração consumiam 65% da água da região, o que afetou os agricultores e o fornecimento à população. O delta do Rio Grande, na Bolívia, também está quase seco devido a essa atividade, que afetou todo o ecossistema.
A China o extrai no país ocupado do Tibete, onde de 2009 a 2016, a mina de lítio Ganzizhou Rongda causou três grandes desastres ambientais ao derramar produtos tóxicos no Rio Liqi. Após o segundo incidente, em 2013, as autoridades fecharam a mina, mas quando foi reaberta, em abril de 2016, os peixes começaram a morrer novamente. Centenas de manifestantes jogaram peixes mortos nas ruas de Tagong. Também flutuavam rio abaixo vacas e iaques mortos.
Também existem impactos pelos produtos químicos utilizados em sua extração, como o ácido clorídrico, quando há vazamentos. Em Nevada, a exploração de lítio afetou os peixes nos rios. O mesmo aconteceu no Salar del Hombre Muerto, na Argentina.
No México, também ocorreu um derramamento em maio, em plena pandemia, de 6 milhões de litros de uma represa de resíduos de mina de lítio, no município de Canelas (Durango). Por esse motivo, as autoridades fecharam a mina e apresentaram uma queixa no Ministério Público da Procuradoria Geral da República. Recentemente, o secretário de Meio Ambiente e Recursos Naturais mexicano, Víctor Manuel Toledo, também anunciou que está tentando que o Governo do México nacionalize o lítio. O México também possui uma abundância desse mineral em Sonora e, novamente, é cobiçado por empresas chinesas e inglesas.
Por tudo isso, o especialista em baterias de lítio da Universidade do Chile, Guillermo González, criticou o auge do extrativismo de lítio, juntamente com a nova panaceia do veículo elétrico: “essa não é uma solução verde - não é uma solução em absoluto."
Além do lítio, as baterias requerem cobalto e níquel. O cobalto tem um custo ambiental potencialmente enorme e é encontrado em grandes quantidades na República Democrática do Congo e na África Central, uma área conhecida por violações aos direitos humanos e ambientais, em torno da mineração. O preço do cobalto quadruplicou nos últimos dois anos.
Na Europa, por outro lado, que poderia se tornar o segundo maior consumidor de derivados de lítio depois da China, existe interesse em desenvolver sua própria indústria e, se possível, a partir de seus próprios recursos, pois é melhor. Já projetaram diferentes fábricas em sua geografia.
Em nível espanhol, também se tenta subir no carro dos grandes negócios, e se comemora o que acreditam ser o segundo maior depósito de lítio na Europa, o de San José de Valdeflórez, na Serra da Mosca, na mesmíssima cidade de Cáceres. Cáceres é uma cidade considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, e a Serra da Mosca que a rodeia e onde se localizaria a mina a céu aberto, um espaço natural de grande valor ecológico.
Estima-se que contenha cerca de 1,6 milhão de toneladas de carbonato de lítio, que por sua vez poderiam abastecer até 10 milhões de carros elétricos.
Nesse depósito já existiu uma mina que interrompeu sua atividade nos anos 1970. Agora, o lítio seria extraído também em uma mina a céu aberto. Já criaram uma empresa, Infinity Lithium, um projeto industrial integrado para processar o hidróxido de lítio, o componente essencial das baterias recarregáveis em carros elétricos. Seus responsáveis garantem que “é um processo industrial muito avançado e sem riscos ao meio ambiente”. Mas mais de 130 associações e coletivos (entre eles ‘A Planeta’) defenderam na Comissão Europeia que este projeto de mineração “é inviável”.
Entre elas, a organização internacional Sim à Vida, Não à Mina/Yes to Life, No to Mining (YLNM), uma rede global de comunidades que se opõem aos projetos de mineração, a plataforma cidadã Salvemos a Montanha de Cáceres e muitas outras. As 130 organizações exigem que “o apoio financeiro, promocional e comunicativo que estão concedendo ao projeto de mineração da empresa australiana Infinity Lithium seja completamente revisto, uma vez que tem um enorme impacto negativo sobre a saúde, o meio ambiente, aspectos sociais e econômico da cidade e arredores”. O Plano Municipal Geral (PGM) de Cáceres não contempla esse tipo de instalações a menos de 2 quilômetros da área urbana. Além disso, o solo na área em questão é classificado como solo rústico não urbanizável.
Também exigem que a União Europeia seja “fiel” aos seus objetivos estabelecidos na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 (publicada em 20 de maio de 2020). Esta estratégia visa promover os corredores ecológicos entre as áreas da Rede Natura 2000, propondo que “para reativar a economia, é crucial evitar cair e se prender a velhos hábitos nocivos, que devemos garantir que a economia sirva às pessoas e a sociedade e devolva à natureza mais do que retira”.
Preocupa que diante do interesse europeu em desenvolver sua própria indústria e partir de seus próprios recursos, este projeto receba sinal verde, ignorando seus impactos naturais, humanos, históricos e outros.
A carta das 134 organizações ao Presidente da Comissão Europeia pode ser encontrada aqui.
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Lítio, uma nova febre no Planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU