O Green New Deal pode incorporar o princípio católico da subsidiariedade

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13 Mai 2020

"Às vezes, as propostas climáticas tendem a focar de cima para baixo, é a isso que o papa Francisco adverte. Nesse contexto, vale a pena considerar a ênfase do Green New Deal na ação local e na tomada de decisões. Poderia ser a chave para enfrentar as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, fortalecer os laços da comunidade de maneira a promover a dignidade humana e o seu florescimento", escreve Christopher Rice, professor de Filosofia na Lynn University, Boca Raton, Fla, em artigo publicado por America, 11-05-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis o artigo.

 

O Green New Deal, defendido pela deputada estadunidense Alexandria Ocasio-Cortez, é uma proposta de um plano de 10 anos para expansão da energia solar e eólica; aumentando a eficiência energética nas casas, transportes e indústria; educando e apoiando trabalhadores; e estabelecendo novos programas de bem-estar, como aqueles que proveem acesso à saúde, casa e água limpa. O plano requereria muitos trilhões de dólares ou mais no gasto federal e, como o New Deal de Franklin D. Roosevelt, em 1930, transformaria o país.

O Green New Deal também significaria mais tomadas de decisões em Washington, e isso pode ser uma bandeira vermelha para os defensores da subsidiariedade, o princípio católico de ensino social que diz que o governo deve apoiar – e não substituir – a iniciativa nos níveis mais baixos da sociedade. No entanto, o plano incorpora esse princípio em uma extensão considerável.

A mudança climática é uma questão que requer um alto grau de coordenação social, mas afeta intimamente a vida familiar e comunitária. É um desafio singular para a subsidiariedade.

Primeiramente definido pelo papa Pio XI, em 1931, o princípio da subsidiariedade desencoraja os níveis altos da sociedade de assumir tarefas que poderiam ser efetivamente feitas pelos níveis mais baixos, como as famílias, pequenas empresas, sindicatos, movimentos sociais e governos locais. Ao mesmo tempo, o princípio requer que os altos níveis da sociedade necessariamente apoiem o trabalho dos níveis inferiores para alcançar os objetivos essenciais. O ideal da subsidiariedade é uma sociedade onde grupos locais têm a liberdade e apoio para tomar as decisões que os afetam, liderando para o crescimento de um empreendimento, iniciativa e solidariedade. Algumas esferas da vida, como a educação, podem ser coordenadas desde os níveis local e familiar, enquanto outros, como defesa nacional, precisam, por sua natureza, ser decididos nos níveis superiores da sociedade.

mudança climática é uma questão que requer um alto grau de coordenação social, mas afeta intimamente a vida familiar e comunitária. É um desafio singular para a subsidiariedade. Como são as cidades e vilas que fazem a mudança para a energia solar e eólica, criam linhas de ônibus, trens de alta velocidade, melhoram casas, fazendas e indústrias, e fornecem ajuda aos trabalhadores afetados, os níveis inferiores da sociedade precisam de liberdade para fazer escolhas que são sensíveis às condições locais. Ao mesmo tempo, o apoio do governo federal é também necessário – para pesquisa, novas tecnologias, coordenar longas tarefas, garantir que cada comunidade faça parte e financie os projetos, especialmente em áreas que terão altos custos para a transição climática.

O Green New Deal seria uma iniciativa federal, mas ainda assim não seria feito de cima para baixo, com regras rígidas impostas sobre as comunidades locais.

De acordo com o princípio da subsidiariedade, o Green New Deal afirma um equilíbrio entre a ação local e federal. A resolução do Green New Deal, que neste momento tem 100 patrocinadores e copatrocinadores na Câmara dos EUA e 15 no Senado, afirma que “um Green New Deal deve ser desenvolvido por meio de consulta, colaboração e parceria transparentes e inclusivas com a linha de frente e comunidades vulneráveis, sindicatos, cooperativas de trabalhadores, grupos da sociedade civil, academia e empresas”.

Também requer “o uso de processos democráticos e participativos... para planejar, implementar e administrar a mobilização do Green New Deal no nível local”. Isso significa que o Green New Deal seria uma iniciativa federal, mas ainda assim não seria feito de cima para baixo, com regras rígidas impostas sobre as comunidades locais. Pelo contrário, exige a participação ativa de grupos cívicos, empresas, sindicatos e governos locais no desenvolvimento de projetos do Green New Deal.

Por exemplo, imagine uma cidade mudando de combustíveis fósseis para energia eólica e solar. Uma abordagem de cima para baixo que viole a subsidiariedade pode envolver burocratas federais que impõem essa mudança à comunidade de uma maneira que negligencia os valores e condições locais. Por outro lado, o Green New Deal exige tomadas de decisão democráticas inclusivas no nível local – famílias, empresas, sindicatos, grupos cívicos e líderes locais de cada bairro, trabalhando em diálogo para alcançar as metas do acordo. Por exemplo, as comunidades decidiriam onde colocar turbinas eólicas e painéis solares e descobririam detalhes de como serão operadas. Esse método seria projetado para aumentar o apoio público ao Green New Deal e, ao mesmo tempo, respeitaria os valores da dignidade humana e da comunidade, como afirmado no pensamento católico.

O Green New Deal às vezes é associado ao socialismo e, de fato, atrai apoio político de socialistas democráticos e defensores do capitalismo progressista. Mas o paradigma Green New Deal é muito diferente do tipo de socialismo que foi condenado na ética social católica. No ensino da igreja, o socialismo é tipicamente visto como um sistema político que elimina a propriedade privada e subordina a liberdade humana sob o poder de um estado totalitário abrangente – veja a encíclica Centesimus Annus, de 1991, do papa João Paulo II, na qual escreve sobre o socialismo: “o conceito da pessoa como sujeito autônomo da decisão moral desaparece” (nº 12). Por outro lado, o Green New Deal busca preservar a subsidiariedade e capacitar a ação local diante das mudanças climáticas, deixando espaço para indivíduos e famílias buscarem seu próprio bem-estar, proporcionando a coordenação federal necessária em resposta a esse desafio.

Qualquer transição ecológica será uma tarefa assustadora, incluindo as que respeitam iniciativas locais. E aí estão as questões restantes sobre o Green New Deal, por exemplo, como a subsidiariedade seria incorporada em leis específicas como são escritas, o quanto devem custar os programas do Green New Deal e como a estrutura deve apoiar a ação climática em outros países além dos Estados Unidos. Mesmo assim, com o custo da inação crescendo sempre mais, as razões para agir estão dadas.

Como observou o papa Francisco há cinco anos em sua encíclica Laudato Si', “as tentativas de resolver todos os problemas através de regulamentos uniformes ou intervenções técnicas podem levar a ignorar as complexidades dos problemas locais, que exigem a participação ativa de todos os membros da comunidade”. Às vezes, as propostas climáticas tendem a focar de cima para baixo, a isso o papa Francisco adverte. Nesse contexto, vale a pena considerar a ênfase do Green New Deal na ação local e na tomada de decisões. Poderia ser a chave para enfrentar as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, fortalecer os laços da comunidade de maneira a promover a dignidade humana e o seu florescimento.

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