10 Janeiro 2020
"O que Iliffe revela com extrema clareza é que a imagem iluminista de Newton, segundo a qual o grande cientista se teria voltado para a teologia quando chegou ao fim de suas famosas obras físico-matemáticas, agora está desprovida de qualquer fundamento", escreve Massimo Bucciantini, pesquisador de história da ciência, atualmente professor da Faculdade de Letras e Filosofia II (Arezzo) e colaborador do Instituto e Museu de História da Ciência de Florença, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 05-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rob Iliffe
Newton. Il sacerdote della natura
Tradução de Stefano Di Bella
Hoepli, Milão, p. XL, 591, 39,90 €
Religião e razão. O livro de Rob Iliffe representa a primeira reconstrução geral das pesquisas realizadas pelo cientista sobre teologia natural. Como podemos tentar restituir o sentido de um estudo que custou ao autor trinta anos de trabalho sobre um dos maiores filósofos da natureza de todos os tempos? Por onde começar a mostrar a importância a quem estiver interessado não apenas nos eventos de um dos protagonistas da ciência moderna, mas também nos grandes temas de liberdade de consciência e tolerância que estão nas raízes da cultura europeia entre os séculos XVII e XVIII?
Qualquer um que se aventurasse nesse livro pensando que estava lidando com uma biografia tradicional de Newton ficaria, desde as primeiras páginas, pasmado. Basta ler a introdução longa e detalhada para entender que o objetivo de Rob Iliffe - de 1998 a 2015 diretor responsável pela publicação dos escritos teológicos no Projeto Newton promovido pela Universidade de Oxford - é outro. Ele diz isso sem ambiguidade, quando afirma que seu trabalho é a primeira reconstrução geral das pesquisas de Newton sobre teologia natural, sobre a profecia, sobre a cronologia bíblica e a história da igreja. "Levando a sério o que ele escreveu sobre isso, proponho mostrar que seus estudos no campo religioso eram tão extensos e tecnologicamente e metodologicamente escrupulosos quanto qualquer uma de suas investigações no campo das ciências naturais". E a ênfase recai sobre aquele levando a sério. Aqui reside a diferença. E a novidade (que tem por trás as obras pioneiras de Frank Manuel, Richard Westfall, Maurizio Mamiani). Não estamos na presença de resíduos e subprodutos arcaicos, de pesquisas realizadas no período avançado e senil de sua vida.
O que Iliffe revela com extrema clareza é que a imagem iluminista de Newton, segundo a qual o grande cientista se teria voltado para a teologia quando chegou ao fim de suas famosas obras físico-matemáticas, agora está desprovida de qualquer fundamento. E, como tal, faz parte da história do mito do cientista. "Suas pesquisas mais intensas e criativas no campo religioso ocorreram nos primeiros períodos de sua carreira, quando ele estava no pleno de suas forças, pronto para realizar estudos vastos e originais em qualquer campo que tivesse atraído seus interesses". 24 de novembro de 1679.
Naquele dia, Robert Hooke, secretário da Royal Society, escreveu uma carta a Newton perguntando qual era sua opinião sobre algumas teorias e descobertas recentes discutidas em Londres. A resposta chegou quatro dias mais tarde e, sob muitos aspectos, foi surpreendente. Newton, que ensinava matemática em Cambridge, disse que não sabia nada sobre isso. Mais: que há vários anos ele não estava mais tratando de questões científicas, tendo voltado sua mente para "outros estudos".
Newton não especificava em quais assuntos estava trabalhando. Mas teria sido suficiente perguntar a seus colegas do Trinity College para saber que ele estava envolvido em pesquisas alquímicas e religiosas. Embora ninguém estivesse ciente do segredo que seus escritos teológicos guardavam zelosamente: ou seja, que um dos pilares da fé cristã, o dogma trinitário, era considerado por ele como um engano diabólico que havia corrompido até a raiz a verdadeira religião.
Newton chegou a essa conclusão depois de conduzir extensas investigações exegéticas, um estudo - como Iliffe aponta - "igualmente intenso, e aos seus olhos igualmente ‘racional’, de seu trabalho no âmbito físico e matemático". Portanto, não estamos diante do hobby de um amador ou das esquisitices de um cientista idoso e famoso que decide cultivar uma paixão juvenil. A obra monumental, que ele manteve zelosamente escondida, foi realizada antes de deixar Cambridge, em meados dos anos noventa do século XVII, e encontra seu gatilho em sua profunda fé. É uma fé baseada em uma ideia simples e tolerante do cristianismo. Poucas são, de fato, as crenças e verdades práticas necessárias à salvação e que garantam a construção de uma sociedade cristã na qual é possível a coexistência de uma ampla diversidade de opiniões.
É uma abordagem, a de Newton, que evita privadamente as concepções metafísicas abstrusas - entre as quais incluía a ideia "abominável" de que Jesus Cristo era um ser não criado e feito da mesma substância que o Deus Pai - totalmente incompreensíveis para as pessoas comuns, e a da adesão à grande parte dos ritos e cerimônias adotados pela Igreja da Inglaterra, aos quais ele era forçado a aderir como funcionário público.
Seu medo de ser descoberto como um autor radical e heterodoxo o levou a destruir alguns escritos sobre tolerância e a Trindade, como o Historical Account que havia enviado a John Locke em novembro de 1690. Se Newton tivesse imprimido tudo o que pensava, teria sido forçado a abandonar o ensino, nunca teria tido a oportunidade de escrever os Principia ou a Óptica, não teria sido nomeado governador da Casa da Moeda Real, nem teria sido enterrado como um dos grandes da Inglaterra na Abadia de Westminster.
Os escritos teológicos, que estão no centro deste livro, foram publicados apenas recentemente. E são indispensáveis para entender os diferentes e contrastantes aspectos da personalidade de seu autor. Como Iliffe escreve: "Newton se via essencialmente como um cristão devoto, cuja vocação era usar sua inteligência para descobrir a verdade em todos os campos em que se aplicasse". Não importa se fossem visões do Apocalipse ou teorias sobre a gravitação universal, não fazia diferença para ele. A paixão com que ele se dedicou ao estudo das profecias do Antigo e do Novo Testamentos foi igual ao empenho com o qual ele enfrentou as pesquisas no âmbito da matemática e da filosofia natural.
A decifração dos livros proféticos da Bíblia o envolveu por toda a vida. Ao fazer isso, Newton se colocou na esteira da interpretação do Apocalipse, que remontava ao anglicano Joseph Mede. Mede ensinou no Christ's College de Cambridge e foi um dos maiores exegetas ingleses e estudiosos do judaísmo de seu tempo. Mestre do filósofo e teólogo Henry More, amigo íntimo de Newton, foi autor de uma Clavis Apocalyptica (1627), o texto fundador da pesquisa teológica newtoniana.
Como interpretar o fim do mundo revelado no Apocalipse? E como as visões proféticas se realizariam historicamente? Tratava-se de tudo isso, e o tempo para tentar responder a essas perguntas estava se esgotando. Newton sentia que estava, por assim dizer, em uma missão em nome de Deus. Sentia ser um intérprete muito especial das escrituras proféticas e, portanto, de ter uma obrigação moral de difundir a palavra de Deus na proximidade do fim do mundo. Ao escrever os Principia, sua grande obra sobre a gravitação universal, ele trabalhou sem um momento de descanso entre o outono de 1684 e os primeiros meses de 1687. Imediatamente depois, começou a escrever seu tratado sobre o Apocalipse. E "Um método para o Apocalipse" é um dos capítulos centrais do livro, no qual Iliffe destaca o desdobramento de Newton: intérprete da natureza e intérprete de profecias, investigador da verdadeira história do universo e rigoroso exegeta da palavra de Deus. Um sacerdote da natureza que consegue inferir os movimentos verdadeiros a partir de suas causas (indo além dos movimentos aparentes de objetos físicos), assim como ele consegue (ou acredita conseguir) compreender o sentido figurativo da linguagem profética presente nos textos bíblicos. Tudo está unido, tudo está ordenado admiravelmente.
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O cristianismo iluminado por Newton - Instituto Humanitas Unisinos - IHU