18 Dezembro 2019
"Weil reúne naquela de Cristo todas as encarnações de Deus que a precederam ou seguiram em todos os tempos e regiões, não apenas no judaísmo do Antigo Testamento, mas também no Osíris egípcio, no Krishna indiano, no Buda, na greicidade clássica e assim por diante", escreve Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 15-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Protagonistas do espírito. Simone Weil reuniu em Jesus todas as encarnações de Deus anteriores e futuras, do judaísmo a Osíris, do Krishna indiano a Buda, aos deuses da greicidade clássica. "Irmãzinha inviolada / última pomba dos dilúvios destruída / beleza do Cântico dos cânticos camuflada / naqueles teus óculos esquisitos de colegial míope”. Esse retrato evocativo e realista foi esboçado, no poema Felici poche, de Elsa Morante, fascinada por Simone Weil, extraordinária figura do pensamento e da espiritualidade judaico-cristã, que viveu apenas 34 anos, capaz de questionar teólogos e inquietar agnósticos. Só para dar um exemplo, em um dos poucos encontros que tive com ele em Milão, Franco Fortini confessou-me toda a sua atração por essa mulher, filha de um médico alsaciano judeu e de uma russo, nascida em Paris em 1909, de saúde precária, mas de inteligência fulgurante (o fascínio por sua reflexão levou Fortini a se tornar o tradutor de algumas das obras de Simone).
Simone Weil, In nome dell’amore
(Em nome do amor, em tradução livre)
Edizioni Terra Santa
Milão, p. 123, € 15
A essa genialidade se juntou uma forte carga humana, tanto que ela se dedicou aos estudantes-trabalhadores, ao compromisso com o sindicato e até à militância política com a tentativa de participar da guerra na Espanha em 1936, uma escolha frustrada por sua fragilidade física. Em 1937, uma viagem à Itália rompeu nela o véu de espiritualidade através das paradas em Florença, Assis e Roma, bem como com a liturgia da Semana Santa na abadia beneditina de Solesmes, que gerou nela uma "iluminação" na qual Cristo a conquistou. Bastaria esse testemunho: "Cristo prefere a verdade, porque antes de ser o Cristo, ele é a Verdade. Se nos afastarmos dele para ir em direção à Verdade, não iremos muito longe sem nos encontrar entre seus braços”.
Mesmo que não chegue a realizar esse ato, Weil gostaria de ser batizada e, embora nunca cortando as raízes de sua matriz judaica, sempre se voltará para Cristo, estabelecendo um diálogo estreito, especialmente com o dominicano Joseph-Marie Perrin, a quem confiará seu testamento espiritual. Mesmo que sua história anterior de agnosticismo sempre deixará impressa nela uma atitude crítica e polimórfica, será incessante sua confrontação com os teólogos, entre os quais se destaca Gustave Thibon. Para quem não conhece ou não pode praticar algumas de suas joias literárias espirituais, como L’ombra e la grazia, traduzido pela primeira vez em italiano por Fortini para Comunità em 1951, ou Attesa di Dio, publicado várias vezes por Rusconi, ou seus Quaderni traduzidos em quatro etapas diferentes pela Adelphi, será preciosa a antologia emoldurada e anotada por François Dupuigrenet Desroussilles e agora proposta em italiano por Gianna Re.
O subtítulo é emblemático: "Investigações espirituais sobre Jesus de Nazaré", na convicção de que Cristo não é um uma ideia gloriosa, nem uma figura sagrada, mas uma fonte vital que pode fecundar toda a existência humana. De fato, "todo bem puro procede de Cristo. Todo bem é gerado por Deus" e sua "cruz é a nossa única esperança, porque em nenhuma floresta há uma árvore similar, com tal flor, tal folha e tal fruto". É de lá, daquele homem torturado e crucificado, que desce a compaixão autêntica para todos os desventurados: "Quem dá um pedaço de pão sem dizer nada, no modo justo, dá naquele mesmo instante a vida eterna. Tal gesto pode ter um valor redentor muito maior do que muitos sermões ... Doar um pedaço de pão é mais que um belo discurso, como a cruz de Cristo é mais que suas parábolas". Por isso, mesmo continuando seus percursos intelectuais vertiginosos nos picos do mistério, Simone nunca deixará de empoeirar seus pés no vale, trabalhando nos campos para se identificar com a condição dos trabalhadores ou, com a eclosão da guerra, consagrando-se à formação de um corpo de enfermeiras prontas para trabalhar na linha de frente e dedicando-se totalmente àquele amor de doação que tem na cruz de Cristo a bandeira suprema. Lá em cima encontra-se até o amor rejeitado, o esvaziamento de si (o que São Paulo chama de kénosis) e, acima de tudo, o silêncio de Deus. Certamente, como dissemos, a mobilidade de sua inteligência, navegadora incansável no infinito oceano da Verdade, também a conduz a fronteiras ousadas e arriscadas. É o caso de seu "Cristo universal", que tem seu ápice na Carta a um religioso, agora reproposta com o ensaio de um estudioso - que morreu em 2012 - da competência poliédrica e do olhar cortante, Pier Cesare Bori, teólogo, filósofo, jurista, biblicista (como antigo colega de estudos universitários teológicos, eu já então era admirador de sua profundidade intuitiva). Weil reúne naquela de Cristo todas as encarnações de Deus que a precederam ou seguiram em todos os tempos e regiões, não apenas no judaísmo do Antigo Testamento, mas também no Osíris egípcio, no Krishna indiano, no Buda, na greicidade clássica e assim por diante. O texto pode ser desconcertante, a leitura de algumas páginas parece nos arrastar para a deriva sincretista. Na realidade, o esforço de Simão visa reconduzir todos esses "redentores" para o cerne do único Redentor, Cristo, que é como uma flor com muitas pétalas.
Simone Weil, Lettera a un religioso
(Carta a um religioso, em tradução livre)
Castelvecchi, Roma, p. 90, 12,50 €
No entanto, sua concepção de encarnação, revelação e redenção é, em última análise, muito fluida, tanto que ela vai além do perímetro da Bíblia hebraica e cristã, embrenhando-se em uma pluralidade de Escrituras nas quais Cristo se revela sem se identificar em uma delas. Nesse imenso palimpsesto religioso também está incluída a criação porque "a beleza do mundo é o doce sorriso de Deus". Em última análise, mantendo firme sua ancoragem a Cristo como eixo central, as várias páginas sagradas e "inspiradas" das religiões são sinais e epifanias da presença divina múltipla e única ao mesmo tempo. Como escrevia em um de seus Quaderni de 1942, "a história de Cristo é um símbolo, uma metáfora, mas antigamente as metáforas se tornavam realidades no mundo. E Deus é o profeta supremo".
A parte dessa concepção e da linguagem muitas vezes iridescente de Weil, que pode solicitar objeções a uma análise sistemática, permanece o seu alto testemunho de fé e amor, de espiritualidade e solidariedade humana que palpam acima de tudo na citada antologia de seus escritos cristológicos. Incessante em sua busca, Simone acabara por desembarcar na Inglaterra, onde enfraquecerá progressivamente e morrerá no sanatório de Ashford, em Kent. Talvez naquele instante tenha florescido nela o desejo de se alimentar da Eucaristia católica, "um pequeno pedaço de matéria", escandaloso em sua carnalidade, mas "surpreendente em sua virtude", porque é um sinal de doação total e real: "Para que um homem seja realmente habitado por Cristo, como a hóstia depois da consagração, é necessário que sua carne e seu sangue se tornem matéria comestível para seus similares. Só então, por meio de uma consagração secreta, essa matéria pode se tornar o corpo e o sangue de Cristo”.
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O desejo de Simone Weil: “Cristo universal” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU