12 Dezembro 2019
"Depois de tudo que passou em vida, Jesus não iria se ofender com a gozação, ele que foi um grande irreverente", escreve Luis Fernando Verissimo, escritor, na crônica publicada por O Estado de S. Paulo, 12-12-2019.
Grupos religiosos querem proibir que vá ao ar o programa especial de Natal do “Porta dos Fundos”, que inclui uma sátira de Jesus Cristo e da Sagrada Família. Sátira, frequentemente de símbolos e figuras veneráveis, é o que a turma do “Porta dos Fundos” faz como ninguém na TV brasileira. Quem sabe que vai se sentir ofendido pelo programa mesmo antes de vê-lo pode recorrer à forma mais direta de censura, que é mudar de canal e deixar que quem admira o grupo e sua irreverência se divirta, sem precisar pedir licença para ninguém. Mas quem não quer ver a sátira não quer que ninguém a veja.
Não precisavam se preocupar. Depois de tudo que passou em vida, Jesus não iria se ofender com a gozação, ele que foi um grande irreverente. A ideia do Cristo como um agitador contra os poderosos do seu tempo, e não apenas os vendilhões expulsos do templo, tem pouco trânsito – para dizer o mínimo – entre os religiosos de hoje. Jesus foi perseguido até a morte, até a crucificação, a irreverência extrema, pelos que ele ameaçava com sua pregação revolucionária.
Os grupos que agora protestam contra o que ainda não viram são exemplos da intolerância que envenena o atual debate político e cultural do País, amostras da inegável imbecilização, se é que existe a palavra, que nos ameaça. Não se sabe se o veneno é uma destilação natural do clima que domina o País desde a bolsonarização (se é que existe a palavra), ou é aplicado conscientemente para nos emburrecer.
A coleção de frases infelizes ditas por nomeados para gerir a área cultural só pode significar que o objetivo é esse mesmo, nos tornarem mais irracionais, e perdermos uma guerra para a qual estamos mal-armados.
Enfim, como diria o grande irreverente, “Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem”. Ou pior, sabem, mas dizem assim mesmo.
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