04 Novembro 2019
Há anos, a nova-iorquina Sharon Lerner pesquisa as razões pelas quais acabamos cercados pelo plástico. Sua experiência em relatórios sobre meio ambiente e produtos químicos, alguns deles vencedores de vários prêmios, como o que realizou sobre o Teflon, demonstraram que é necessário investigar para além do que vemos.
Como boa jornalista, Lerner aplicou a famosa máxima de seu ofício: “siga o rastro do dinheiro” e advertiu que os 4 trilhões de dólares que a indústria do plástico movimenta desempenham um papel fundamental para que, hoje em dia, sejam gerados mais de 300 milhões de toneladas deste material.
Um de seus últimos trabalhos, que acaba de aparecer na publicação do jornalismo investigativo The Intercept, relata as estratégias das companhias de petróleo e de bebidas para evitar regulamentações contra o plástico e revela que a medida favorita dos supermercados e de muitas políticas, a reciclagem, tem, na realidade, um lado muito menos conhecido.
A entrevista é de Laura Rodríguez, publicada por El Diario, 03-11-2019. A tradução é do Cepat.
Quem está por trás dos enormes lucros do plástico?
Os plásticos são compostos, em sua maioria, por combustíveis fósseis, seja carvão, petróleo ou gás. Embora normalmente não as relacionemos, muitas das empresas que associamos a esses combustíveis, como Exxon Mobile, Chevron e Shell, estão por trás da produção de plásticos. De fato, constituem uma de suas maiores fontes de lucros.
Como não percebemos que acabaríamos com um problema de lixo tão imenso?
Na realidade, sim, houve uma reação entre os anos 1950 e 1970, ao menos nos Estados Unidos. Com o aumento da produção, começou-se a ter consciência de que os plásticos tinham que ser descartados em algum lugar, pois era um material que não se desintegrava facilmente e houve oposição. Muitos entenderam que a mesma durabilidade que tornava os plásticos atraentes, criava um problema, já que podiam demorar centenas de anos para desaparecer. E hoje até isso é discutível, porque parece que o que acontece é que o plástico vai se decompondo em pedaços cada vez menores que acabam no ar, na água, na terra, em nossa comida e até em nossos corpos.
Também naquela época surgiu uma campanha publicitária financiada pelas empresas de bebidas que passou a responsabilizar o consumidor pelo lixo que estava sendo gerado. O que aconteceu?
No final dos anos 1960, vários ativistas propuseram um imposto pelo uso e descarte de garrafas, e aconteceu que foram as próprias empresas que se responsabilizaram pela gestão de seu próprio lixo. Como resposta, as empresas de bebidas e embalagens criaram uma campanha de marketing com anúncios de televisão, por meio da organização Keep American Beautiful, que denunciava as pessoas por não se responsabilizarem por seu lixo.
O que pretendiam?
Buscava-se responsabilizar o consumidor pelo lixo e fazer com que se sentisse culpado. Um desses spots, The Crying Indian (O índio que chora), tornou-se um anúncio emblemático nos Estados Unidos e encontrei outro anúncio muito representativo da mesma campanha, que compara diretamente pessoas com porcos. O curioso é que as empresas que estavam financiando estes spots, Coca-Cola, Pepsi-cola e outros fabricantes de bebidas, ao mesmo tempo, lutavam contra os impostos sobre as garrafas de uso e descarte, que realmente teria sido algo que faria a diferença.
A Coca-Cola voltou a ocupar o primeiro lugar no ranking das empresas que mais poluem, de acordo com o novo relatório global produzido anualmente pela organização Break Free From Plastic.
A Coca-Cola é a empresa que mais polui, produzindo até três vezes mais plástico do que as três empresas seguintes juntas. Hoje em dia, produz 117 bilhões de garrafas de plástico por ano. É importante que analisemos a história para saber por que chegamos aqui, já que as coisas poderiam ter sido diferentes.
Ainda que as estratégias se refinaram, por que a indústria de plásticos defende a reciclagem?
É uma maneira de dar uma imagem de preocupação com o meio ambiente e, ao mesmo tempo, não implica nenhuma responsabilidade financeira de sua parte, nem supõe a redução da produção de plástico. As empresas enaltecem a reciclagem como a única solução, mas, embora pareça uma medida fantástica, na realidade, não é possível.
Quais são os problemas da reciclagem de plástico?
Nos Estados Unidos, por exemplo, no ano em que mais plástico foi reciclado, não se chegou nem a 10% do que havia sido consumido. Embora promovamos a reciclagem, não temos realmente um sistema para gerenciá-la. E esses plásticos que usamos, muitas vezes, acabam nos países mais pobres, onde são exportados.
Em sua pesquisa, você conversou com muitos representantes da indústria. Por acaso, eles também não estão preocupados?
Acredito que muitas pessoas na indústria estão conscientes do tamanho do problema. O público está mais preocupado e a proibição da China de continuar aceitando plástico da Europa e dos Estados Unidos contribuiu para que isso se torne mais visível. Além disso, as redes sociais oferecem imagens devastadoras, como as do vídeo da tartaruga com o canudo de plástico embutido no nariz. Muitas das pessoas que trabalham na indústria do plástico vivem em uma espécie de conflito.
No entanto, as soluções não chegam. Há avanços nas medidas que são propostas?
As soluções para o plástico propostas pela indústria sempre envolvem continuar sua produção e até aumentá-la exponencialmente. Uma de suas propostas favoritas, a reciclagem química - que é um processo no qual os plásticos se decompõem em seus elementos para serem usados novamente como combustível – supõe um sistema muito ineficiente que requer o uso de muita energia e para o qual ainda não se tem a tecnologia para torná-lo rentável. Não são propostas medidas genuínas que, como a maioria dos especialistas destacam, só podem vir da produção de menos plástico.
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“As soluções para o plástico propostas pela indústria sempre envolvem continuar sua produção e até aumentá-la”. Entrevista com Sharon Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU