A Argentina estrebucha nas garras de mais uma crise cambial

Casa de câmbio na Argentina | Foto: Gastón Cuello - Wikimedia Commons

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

20 Agosto 2019

"Nos últimos 40 anos de abertura das contas de capital, os colapsos multiplicaram-se nas economias emergentes".

O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor, publicado por CartaCapital, 20-08-2019.

Eis o artigo.

Na segunda-feira 12 de agosto, os mercados mandaram mais um recado de desagrado aos eleitores argentinos. O peso desabou e a Bolsa despencou em meio à celebração dos “populistas”.

As manchetes e os colunistas dos jornais brasileiros deploraram a derrota do liberal Mauricio Macri nas primárias. Os lamentos, porém, não pouparam o gradualismo da política econômica do presidente argentino. Essas testemunhas de acusação, diga-se, são as mesmas que recomendaram um ajuste duro e implacável para a economia brasileira depois das eleições de 2014. Os porta-vozes dos mercados diziam que era preciso recuperar a confiança.

Resumindo: se o indigente emergente arrumar a casa e seguir os cânones do tripé macroeconômico, os investidores ganham confiança e inundam o menino bem-comportado de investimentos diretos e compram confiantes títulos de dívida públicos e privados. Como bem sabem os brasileiros, a confiança enfunou as velas e a economia vai de vento em popa.

Já a Argentina estrebucha nas garras de mais uma crise cambial. É preciso acentuar a expressão “mais uma”. Mais uma, entre as tantas que acometeram a economia dos hermanos no século XX e na aurora do século XXI.

O leitor atento de CartaCapital certamente guarda na memória os prodígios de Martínez de Hoz nos anos 1970. Empolgado com a abundância de petrodólares, tal como seu colega brasileiro Mário Henrique Simonsen, o “Mago de Hoz”, promoveu a valorização do peso. As duas experiências de valorização cambial e endividamento externo naufragaram no maremoto da crise da dívida dos anos 1980.

Nascida dos escombros da crise da dívida, a conversibilidade de Domingo Cavallo, uma velharia colonial, foi reinventada no início dos anos 1990 para tirar a Argentina da hiperinflação. Um peso valia um dólar. A euforia dos primeiros anos de plata dulce desapareceu com a sucessão de crises financeiras: primeiro o México, logo depois a Ásia, culminando na desvalorização brasileira de 1999, o começo do fim.

Nos últimos 40 anos de abertura das contas de capital, as crises se multiplicaram nas chamadas economias emergentes. Do México à Argentina, passando pela Ásia e pela Rússia – sem se esquecer do Brasil –, as economias balançaram, açoitadas por crises cambiais e financeiras.

A experiência das globalizações financeiras – aquela das três derradeiras décadas do século XIX, assim como a dos nossos tempos, a era do Lobo de Wall Street – demonstra que os humores dos mercados financeiros globalizados, em sua insaciável voracidade, impõem suas razões às políticas monetárias e fiscal dos países de moeda inconversível que abrem suas contas de capital, surfam nos ciclos de crédito externo e tornam-se devedores líquidos em moeda estrangeira.

Foram tão persistentes as lições da “realidade” que nem mesmo os defensores da abertura financeira resistiram à precariedade de suas sabedorias. No início da primeira década do terceiro milênio, os relatórios do FMI e do BIS já cuidavam de alertar os emergentes para os riscos inerentes aos ciclos de crédito e endividamento externo e sua procissão de incidentes cambiais, monetários e fiscais.

Estudos recentes, como o de Gerald Epstein, da Universidade de Massachusetts, demonstram: os países que mantiveram controles sobre os fluxos de capitais e sobre a taxa de câmbio tiveram maior sucesso em suas políticas macroeconômicas e de crescimento. O grupo de países que adotaram medidas prudenciais na posteridade das crises dos anos 1990 – Chile, Colômbia, Índia, Cingapura, Taiwan, Malásia e China – atravessou as turbulências da finança global exibindo maiores taxas de crescimento, menor volatilidade do PIB, melhor desempenho fiscal e reduzida vulnerabilidade nas contas externas.

Nas economias de moeda não conversível, como o real brasileiro e o peso argentino, a mobilidade de capitais tende a produzir valorizações indesejadas, seguidas de desvalorizações abruptas. Os regimes de taxa de câmbio flutuante não conseguem amenizar o baque e as autoridades monetárias do país de “moeda fraca” – com “ponto de compra” imprevisível – são tentadas a vender reservas ou subir as taxas de juro para estabilizar o curso do câmbio. Não funciona. Se as reservas são baixas diante de um passivo financeiro elevado em moeda estrangeira, tais medidas desesperadas acentuam a desconfiança na moeda local e aceleram a fuga de capitais.

Agora o Brasil sofreu danos mitigados com o “Efeito Orloff”, contágio que nos atormentava nas crises cambiais argentinas. Isso, graças ao quase desaparecimento da dívida pública em moeda estrangeira e às reservas cambiais acumuladas nos governos Lula. Heranças malditas da esquerdalha.

Leia mais