15 Julho 2019
"Se a humanidade tem a possibilidade de um futuro, será somente se a colaboração vier a prevalecer sobre essas divisões devastadoras. Só isso pode nos permitir um futuro. A nossa civilização sobreviverá se colaborar e compartilhar. Sucumbirá se não o fizer".
O alerta é do físico italiano Carlo Rovelli, professor da Universidade de Aix-Marseille, na França, e diretor do grupo de pesquisa em gravidade quântica do Centro de Física Teórica de Luminy, em Marselha, em artigo publicado por Corriere della Sera, 14-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Aqui os homens do planeta Terra colocaram pela primeira vez os pés na lua. Nós viemos em paz, em nome de toda a humanidade". É a frase gravada na placa de aço deixada na superfície da lua por Neil Armstrong e Buzz Aldrin em 20 de julho de 1969, cinquenta anos atrás. Os passos dos dois primeiros astronautas no nosso pálido satélite deixaram na época a humanidade espantada, admirada, confusa, comovida. Meio bilhão de pessoas assistiram ao pouso da lua ao vivo, em todas as nações da Terra. Quantos seres humanos, nos dias e nos meses seguintes, levantaram os olhos uma noite para o mágico disco prateado no céu, ficando pensativos, tentando absorver a ideia de que dois seres humanos tinham realmente caminhado lá em cima, dois de nós ...
Talvez nunca quanto naquela época, a humanidade tenha se sentido tão íntima e profundamente parte de uma única família, de um possível futuro compartilhado. Um futuro de paz: "Viemos em paz, em nome de toda a humanidade". Não eram anos fáceis. O cenário político mundial era dominado pelo duro confronto ideológico e militar da guerra fria. Duas ideias para onde conduzir a civilização. O pesadelo da catástrofe nuclear havia sido evitado por um triz poucos anos antes, durante a crise em Cuba, talvez graças apenas à capacidade de manter a cabeça fria de Khrushchov e dos dois irmãos Kennedy; mas o espectro da hecatombe nuclear continuou a pairar. Os vietnamitas eram massacrados todos os dias, os Estados Unidos se destruíam politicamente, separando-se em duas culturas, ainda hoje mais do que nunca divididas.
Cinquenta anos depois, o quanto seja comum o destino da humanidade se tornou evidência. Somos, nós seres humanos, uma espécie jovem, entre as mais jovens do planeta. Somos uma experiência da natureza, uma das muitas que a natureza tenta, em seu processo de tentativas e erros. O experimento de um cérebro muito crescido, capaz de trabalhar junto com outros para tecer essa densa rede de conhecimento e conexões que é a civilização. Aquela que nos permitiu crescer acima de sete bilhões, viver muito mais do que no passado, vidas que teriam sido luxuosas em outros séculos, escrever o Réquiem de Mozart e a Divina Comédia, ver os buracos negros, sair do planeta para dar um passeio na lua. Todos passos possibilitados pela nossa capacidade única de aprender um com o outro e colaborar. Mas este experimento que nós somos, é frágil.
A Terra frequentemente arrasa com as suas espécies, quando os equilíbrios mudam rápido demais; a nossa espécie não está entre as mais resilientes e mudou demais a face do planeta. Armas atômicas ainda estão todas ali, nas mãos de pessoas com a cabeça talvez menos fria do que Khrushchov e Kennedy. Os desequilíbrios ecológicos e sociais crescem de forma devastadora, a estabilidade do complexo sistema da civilização moderna é precária. A conflitualidade entre grupos está crescendo. Há um aspecto paradoxal no conflito. Há evidências arqueológicas de que, alguns milênios após a revolução neolítica e a difusão da agricultura, tenham começado a se formar grupos em frequente conflitualidade violenta. O espírito de colaboração característica de nossa espécie foi nutrido, paradoxalmente, justamente pela eficácia da colaboração interna nesses grupos. Assim se fortaleceu, mas como oposição a um inimigo.
Antes de ser pela razão, a colaboração é nutrida pelo coração. Os seres humanos estão assim tão embebidos que muitos não hesitaram em morrer por uma ideia, um grande ideal, uma pátria a defender, uma religião a testemunhar, uma revolta para libertar os oprimidos, para conquistar a liberdade ou simplesmente pelos companheiros de armas; às vezes até por um time de futebol.
Mas as grandes forças ideais e religiosas que nos reagruparam no passado estruturaram-se umas em oposição às outras: em vez de permitir nos reconhecermos como parte de um destino comum, como somos, nos fizeram sentir gangues contra gangues, nações contra nações, etnias contra etnias, religiões contra religiões. A agregação em entidades cada vez maiores levou à formação de estruturas políticas cada vez mais amplas, alicerçadas por esse espírito de colaboração. Estas tiveram o mérito de quase eliminar a violência interna, mas à custa de uma instabilidade dramática, como os 70 milhões de mortos da última guerra mundial.
Se a humanidade tem a possibilidade de um futuro, será somente se a colaboração vier a prevalecer sobre essas divisões devastadoras. Só isso pode nos permitir um futuro. A nossa civilização sobreviverá se colaborar e compartilhar. Sucumbirá se não o fizer. Sucumbirá às alterações climáticas, à extinção biológica em massa em curso, às armas nucleares, aos conflitos sociais provocados pelo nosso número e pelas desigualdades. Sobreviverá se conseguir colocar o interesse comum diante do interesse de classe, de nação, de religião, de etnia. Para renovar e ampliar o espírito de colaboração que é sua grande força. Para reconhecer-se como humanidade.
Nós não estamos indo naquela direção, infelizmente. A resistência ao compartilhamento pelas classes dominantes e ricas de um planeta cada vez mais integrado desgastou o sentido de destino comum, alimentando a recente rebelião política, que encontrou espaço em todo o mundo. Em vez do bem comum, no entanto, em vez do sonho de uma humanidade de colaboração, paz e igualdade, em muitos países, incluindo a Itália, essa rebelião está principalmente levando ao pior conflito entre grupos, nações, etnias e religiões. É o caminho que nos leva diretamente à catástrofe.
Da Lua à Terra, pequeno teatro de todos os nossos dramas, é uma bola azul brilhante no céu negro. Visto de lá, nosso ninho é tão pequeno. Lá em cima, na solidão e no silêncio da poeira lunar permaneceu a velha placa, para nos lembrar com simplicidade a direção em que devemos ir: "Viemos em paz, em nome de toda a humanidade". Deixada lá cinquenta anos atrás por Neil e Buzz. Dois de nós.
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Neil e Buzz, dois de nós da Terra à Lua "Viemos em paz, em nome de toda a humanidade". Artigo de Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU