A misoginia está na Bíblia ou nos olhos de quem a lê? A resposta de vinte teólogas

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23 Outubro 2018

"A Bíblia é tudo menos feminista. Mas a misoginia que é atribuída a ela decorre principalmente daqueles que interpretaram as escrituras perpetuando estereótipos patriarcais", relata Pierrette Daviau.

 A reportagem é de Andrés Allemand, publicada por La Repubblica, 20-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Professora aposentada da católica Universidade Saint-Paul de Ottawa, com duas teólogas da Faculdade Protestante, a prof.a Elisabeth Parmentier e a doutoranda Lauriane Savoy, ela apresentou (em Genebra) Uma Bíblia de mulheres (Labor et Fides), a extraordinária obra coletiva que ilustraram ao público em uma conferência de título eloquente: "Nem santas, nem submissas".

Uma "bíblia" de mulheres? Sim, mas não para substituir a Bíblia, mas sim para revelar as figuras femininas desconhecidas, identificar as traduções distorcidas e as interpretações tendenciosas, sem medo de enfrentar os textos mais controversos. Esse é o trabalho crítico de vinte teólogas de língua francesa da Suíça, França, Quebec e Benin que, em certo sentido, faz concorrência à Womans’s Bible publicada nos Estados Unidos - em 1898! - por Elizabeth Cady Stanton e por vinte mulheres que se rebelaram contra séculos de leitura patriarcal dos textos sagrados.

A que se assemelha essa nova rebelião? Aqui estão seis exemplos, revigorantes leitura em um período em que o lobby religioso dá o seu apoio a políticos que usam expressões misóginas, como Donald Trump nos Estados Unidos da América ou Jair Bolsonaro no Brasil.

A feminilidade de Deus

Pai, Filho, Senhor, Criador, Todo-Poderoso ... Por hábito se usam palavras masculinas para falar de Deus.

Quando nos mostrou a feminilidade? Vocês sabem que o Espírito Criador em hebraico é feminino? E que a Sabedoria Divina, muito presente, é sempre encarnada por mulheres? Vocês sabem que Deus é comparado a uma mãe que dá à luz ao mundo (a Criação) ou a uma parteira? Ressaltar esses aspectos não é um projeto moderno: "Algumas mulheres, ao longo do tempo, rezaram a um Deus feminino", escrevem as teólogas.

Eva e a sua metade

Adão, o "barro", o ser que foi feito de argila, é o primeiro ser humano. Deus pensa que o ser humano não deveria estar sozinho. Retira uma costela e cria Eva. É assim que nasceu a dupla homem-mulher. Essa é uma das possíveis interpretações do Gênesis. Por que se preferiu nos dizer que Deus primeiro criou o homem, e depois ele separou uma costela para fazer uma mulher? E por que, imediatamente depois, esta última é acusada de ter tentado o homem com o fruto proibido? As teólogas se perguntaram isso. O texto mostra a serpente que tenta Eva, que cai na armadilha. Quanto ao castigo que resulta disso (dar à luz na dor, estar sujeita ao homem), é um mal ligado à transgressão, mas não era o projeto de Deus - ressaltam -, cuja criação apresenta uma relação equilibrada.

As profetisas

Algumas passagens bíblicas intimam as mulheres a ficarem em silêncio. Mas há também algumas profetisas, mensageiras de Deus. No Antigo Testamento, Débora (que também é juíza) ordena o envio para a frente de batalha de 10 mil soldados. Olda, por outro lado, é consultada antes que o rei Josias proíba os cultos não judaicos e concentre a autoridade religiosa em Jerusalém. Outras profetisas são Maria ou Noadia. Elas são menos comparadas aos profetas, mas não menos consideradas.

Maria de Magdala

Alguns erroneamente a confundiram com a mulher pecadora. Outros viram nela a amante de Jesus, mesmo que nada o ateste. Maria de Magdala (ou Maria Madalena) foi uma das muitas discípulas que seguiam Jesus, quebrando com as convenções sociais. Ela carrega o nome de sua cidade, não de seu pai, irmão ou marido, e consequentemente é uma mulher independente. Muito presente nos Evangelhos, testemunha a crucificação (os homens saem, deixando Jesus em agonia). Nos textos bíblicos, é para ela que primeiro o Cristo ressuscitado aparece, e é ela que é enviada para anunciar as boas novas aos discípulos. Em resumo, ela é uma figura central.

Indômitas

Resta a Carta aos Efésios, que ordena: "Mulheres, sejam submissas aos seus maridos!" É difícil ver nisso um manifesto feminista. Dito isso, as teólogas lembram o contexto: o apóstolo Paulo aconselha os cristãos que enfrentam a hostilidade popular na cidade grega de Éfeso (na atual Turquia) para se adaptar à lei do Império Romano que sujeita as mulheres aos homens.

"'Subordinada' é uma tradução mais precisa do que 'submissa'", dizem elas. Depois, apontam que o versículo anterior convida os casais a dar graças a Deus "subordinando-vos uns aos outros no respeito a Cristo". Trata-se de reciprocidade. Finalmente, mais adiante se afirma que "o marido é o chefe da mulher, como Cristo o é da Igreja". As teólogas não o desmentem, mas lembram que Jesus sempre se colocou a serviço do próximo. Se assim for entendido, o homem deveria se colocar a serviço de sua esposa! Aquele versículo certamente não justifica uma submissão.

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