06 Outubro 2018
"A financeirização tem permeado os mais diversos setores da economia, provocando distorções entre a economia real e a economia financeira."
O artigo é de Amyra El Khalili, professora de economia socioambiental. Foi economista com mais de duas décadas de experiência nos mercados futuros e de capitais. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”, em artigo publicado por Diálogos do Sul e reproduzido por EcoDebate, 05-10-2018.
A financeirização tem permeado os mais diversos setores da economia, provocando distorções entre a economia real (produção) e a economia financeira. A economia real baseia-se em produtividade na indústria, na agropecuária, no comércio e em serviços. Já a economia financeira é a que faz circular o dinheiro nos sistemas informatizados e tecnológicos, alimentando as taxas de juros e a especulação sobre a base produtiva.
Há uma diferença substancial entre financiar e financeirizar:
– Financiar é proporcionar um empréstimo para que a costureira compre uma máquina de costura e consiga pagá-la nas condições de sua produção. – Já financeirizar significa emprestar o dinheiro para a costureira comprar a máquina, causando o endividamento e, consequentemente, fazendo com que ela não consiga cumprir com seu compromisso, tornando-a escrava da dívida.
É o que tem acontecido na América Latino-Caribenha, quando os países do Norte conseguem desenvolver sua produção industrial e agropecuária com o financiamento, e os países vulneráveis, e em desenvolvimento, tornam-se reféns de empréstimos sem poder se libertar do eterno endividamento, especialmente quando tal empréstimo destina-se a pequenos e médios empreendedores e agricultores.
Entre os mais endividados, estão os agricultores, pois a contração das dívidas exige garantias reais, como terras, imóveis, maquinários e equipamentos, entre outros bens que dão acesso ao recurso financeiro. Se os(as) agricultores(as) comprometem a terra para obter financiamento e as alienam ao sistema financeiro, passam a depender da decisão desses credores, submetendo-se a produzir o que os credores determinam, por exemplo, produtos transgênicos em escala. Devem, igualmente, vincular sua produção a equipamentos e a maquinário, a produtos químicos (agrotóxicos); enfim, passam a depender de uma estrutura com forças assimétricas em cuja engrenagem não têm poder de decisão.
Sob a pressão do sistema financeiro entre corporações e governos que impõe como contrapartida (ou garantia) a escala de produção, a terra, monetariamente falando, é o bem mais barato, pois caro é o que você põe em cima dela.
Daí o avanço desenfreado sobre as áreas de florestas que ainda hoje detêm, graças aos povos indígenas e aos povos tradicionais, rica biodiversidade, água, minérios e alternativas energéticas. Dessa forma é que a financeirização avançou sobre as riquezas naturais consideradas sem valor (financeiro) na contabilidade de produção de bens e serviços. A esse avanço do capitalismo neoliberal chamamos de “financeirização da natureza”.
Veja o paradoxo tão discutido nos cânones das várias religiões: as finanças podem ser usadas a favor da vida como a favor da morte. Nem todo dinheiro é ruim, assim como nem toda forma de o gastar é saudável. É nesse ponto que compreendo a análise do economista francês Yann Moulier Boutang, quando se refere à necessidade de construir uma finança diferente, que seja a favor da vida, financiando projetos socioambientais, e não a globalizada e enraizada no modelo neoliberal, que financia o mercado de armas, drogas, e favorece a biopirataria (ilícito).
Quando tratamos de uma cifra de R$1.000,00 (mil reais), o senso comum sabe do que estamos falando. Quando, porém, tratamos de cifras que ultrapassam a casa dos três zeros, como 100.000 (cem mil), 1 milhão, 1 bilhão, 1 trilhão, a população não sabe o que tantos zeros representam.
É nessa casa de cifras que circulam os valores monetários no sistema financeiro, migrando de um continente a outro na velocidade de milésimos de segundos. Quando o sistema alavanca tais cifras, arrebenta com a atividade produtiva, causando estragos enormes nas contas públicas e privadas. Esse processo onera o custo de taxas de juros e tributos, em detrimento do custo de vida da população pobre, que é a maior pagadora de impostos.
A sociedade é mobilizada por campanhas de esclarecimento, auditorias de contas públicas e pressão com propostas proativas em favor de uma reforma tributária e fiscal que contemple e estimule o financiamento e os investimentos diretos em projetos socioambientais, com produção consciente e de menor impacto ambiental. Esse é o caminho que a ferramenta finanças deve seguir em favor da vida, e não como tem sido usada até agora, para projetos de morte, provocando guerras, conflitos regionais, etnocídios e genocídios. É por essas consequências que muitos demonizam o capitalismo e o sistema financeiro. A moeda não faz parte do paradigma organicista dos demais seres vivos. No paradigma mecanicista os humanos vivem condicionados ao sucesso do ter e não do ser.
A crise sistêmica é fruto do entrelaçamento e imbricamento entre a moeda e as garantias que lastreiam a emissão de dinheiro, e do fato de cada saca de soja ser negociada na bolsa de Chicago, situação em que se pode multiplicar até 100 vezes em contratos futuros. Se em algum momento houver necessidade de se executar judicialmente qualquer contrato que circula no mercado de derivativos (derivado de ativos), nem toda a soja do mundo será suficiente, porque ela simplesmente não existe. Para não correrem o risco de uma intervenção judicial, as bolsas suprimiram a cláusula que prevê entrega física. É nesse ponto que reside a financeirização da produção de commodities agropecuárias e de minérios.
Os mercados futuros deveriam ter por função “fixar preço” para prevenir riscos de uma quebra de safra, crises políticas e econômicas, crises climáticas e desastres naturais, entre outros fatores imprevisíveis, capazes de provocar aumentos estratosféricos ou baixas expressivas nos preços, prejudicando custos, com isso provocando desemprego, falência de indústrias, de produtores e prestadores de serviços (hedge/proteção).
Com a desregulamentação do sistema financeiro para reduzir ao mínimo a intervenção do Estado no mercado, os instrumentos contratuais desenvolvidos para os mercados futuros – os derivados de ativos (derivativos) – estão sendo utilizados para outras finalidades. Embora devessem servir para proteger seus agentes contra as bruscas oscilações de preços, passaram a ser determinantes na formação de preços na produção, jogando a economia real no risco e na especulação da economia de mercado.
Dessa maneira, o preço futuro da soja na Bolsa de Chicago determina o valor à vista da soja colhida no campo, quando o processo deveria ser o contrário. Na prática, o preço da soja colhida hoje no campo, calculado seu custo de produção – que compreende armazenagem, tributos e transporte até o porto para exportação –, é determinado pelo valor futuro das bolsas.
O chamado risco sistêmico, portanto, significa a quebra de toda a cadeia imbricada de garantias reais, seja pelo dinheiro que migra de um lado para outro virtualmente, seja pela quantidade e qualidade de produção. Se um banco empresta dinheiro a alguém, ele deve ter, em contrapartida, uma garantia que permita o empréstimo. É comum os bancos trocarem garantias entre si, pois um mesmo banco não pode ser garantidor de si mesmo. É nessa confusão de garantias e de produção que se formam as bolhas financeiras, que colocam em risco sistêmico as economias mundiais globalizadas pela tecnologia da informação.
Façamos agora um exercício: o que acontecerá se essa prática ocorrer com nossas riquezas naturais, como as florestas, a biodiversidade e a água?
A biodiversidade tem sua própria lógica, não sendo compatível com a produção em escala, sem com isso gerar altos impactos ambientais pela intervenção humana por meio da biotecnologia, da geoengenharia e da mecanização. É possível, porém, analisar o que ocorre com as commodities minerais, uma vez que o preço da energia está atrelado ao preço do barril de petróleo, por sua vez cotado nas bolsas de commodities.
Estamos gritando contra o fracking (fraturamento hidráulico) para extração de gás de xisto, pois, além dos impactos ambientais, promoverá a militarização das áreas exploradas, uma vez que, pelo controle do combustível fóssil, o Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora com conflitos e guerras sangrentas.
São projetos de morte que prevalecem na contabilidade do sistema financeiro. As finanças são engenhadas por seres humanos que as sustentam com dados estatísticos, com números e programas matemáticos. São dados friamente calculados, sem a percepção de que cifras em trilhões podem causar prejuízos consideráveis para milhares e milhares de pessoas, como apertar o gatilho de uma metralhadora giratória. Esse é o paradigma mecanicista, em cuja lógica se fundamentam o mercado de carbono e seus derivativos (REDD, REDD+, Pagamentos por Serviços Ambientais, Créditos de Efluentes, Créditos de Compensação, etc.).
Quando Boutang propõe uma economia da polinização, está, na verdade, defendendo o mesmo princípio da economia socioambiental, explicada por Ignacy Sachs como economia dos biomas. Sachs concluiu que são os povos das florestas e os povos tradicionais os que têm realmente condições de manter a floresta em pé, protegendo-a e fiscalizando a partir de sua produção equilibrada e em harmonia com o ecossistema. Foi nesse estudo que Sachs conceituou o “ecodesenvolvimento”, posteriormente passando para “desenvolvimento sustentável”, e, finalmente, traduzido por “sustentabilidade”, agora ajustada ao modelo neoliberal, que chamam de economia verde. Trata-se de um conceito confuso, que apenas repete a teoria do capitalismo verde com algumas adequações, inicialmente cunhado pelo acadêmico inglês John Elkington, com o clássico The green capitalists (Os capitalistas verdes, Editora Gonllaccz, 1989), assentado no tripé: pessoas, planeta e lucro (triple botton line).
No entanto, em oposição à economia verde, a economia socioambiental agrega as propostas da economia solidária com a economia dos biomas a partir de núcleos formados em torno das bacias hidrográficas, já que, historicamente, a humanidade agrupa-se em torno das águas, construindo cidades e urbanizando-se. Uma cidade, grupo humano e demais seres vivos não sobrevivem sem água e não se desenvolvem economicamente sem energia.
A água não é substituível como a energia, que pode ser produzida por diversas fontes renováveis, além das não renováveis. A água é um enigma da natureza a ser decifrado, pois pode ser renovável se cuidada, e não renovável se degradada. A água está para a história da humanidade e do planeta como o ouro está para a história econômica globalizada, com seus fascínios, ganâncias e conquistas de povos sobre povos. Na mística, a água e o ouro encontram-se. Os movimentos da América Latina estão se mobilizando contra a mineração com o chamamento “Água sim, Ouro não”. Podemos beber água, mas não podemos comer ouro!
Na prática, a tese de Boutang pode ser implementada com a pulverização das finanças e com a cobrança sobre a “responsabilidade socioambiental do sistema financeiro”, fazendo com que os empréstimos exijam financiamento de projetos que não gerem impactos ambientais nem promovam exclusão social e violação de direitos humanos.
Quando o sistema financeiro torna-se cúmplice de governos corruptos, viabiliza a lavagem de dinheiro, facilita a sonegação fiscal, transfere recursos públicos à iniciativa privada para que cumpra o que é função do Estado cuja função não é “lucrar”. Quando protege o mercado ilícito de armas, drogas, prostituição, entre outros, a sociedade deve ter o poder de impedir que essa economia subterrânea continue a se propagar. A proposta das redes e movimentos que questionam os investimentos e tantas outras pautas podem fazer a transmutação das finanças e alcançar o que há duas décadas estamos propondo como ação proativa.
É entendendo esse sistema e esclarecendo a sociedade, de forma didática, como ele funciona que promoveremos uma estratégia efetiva para combater as mazelas do mercado financeiro. A outra questão passa pela prestação de contas e auditorias dos recursos a fundo perdido, despejados em ONGs e OSCIPs.
As OSCIPs (Organizações Sociais de Interesse Público) passaram a ser um híbrido entre Estado e sociedade civil organizada, engessadas pela dependência de dinheiro público e sem condições de combater o sistema financeiro. Em favor da Amazônia, existem milhares de ONGs e OSCIPs que sequer puseram os pés na região. Afirmam pretender defender esse bioma, pois é onde há maior interesse financeiro, diferentemente de regiões como o Cerrado e a Caatinga, onde poucos querem investir e onde os projetos socioambientais se auto sustentam justamente pela carência de recursos. Eles devem ser criativos e fazer a economia prosperar, já que esses biomas – tipo a Mata Atlântica, o Pantanal, o Pampa e a Amazônia – são ricos em biodiversidade.
Dessa forma, haverá recursos financeiros suficientes para investimentos em educação, saúde, proteção e preservação ambiental, segurança pública e, principalmente, para a transição da economia em que vivemos para a economia que queremos. De fato, a economia é um todo e não está nem funciona fragmentada. Todos os sistemas e setores estão direta e indiretamente interligados pela globalização e pela tecnologia da informação. O que afeta a um afetará a todos em qualquer parte do mundo.
O que está faltando é a reestruturação do sistema financeiro e, com a sua regulamentação, uma política fiscal e tributária específica para esse setor, que propicie a migração de fortunas virtuais. Os impostos são mais pesados para os pobres e mais baratos para os ricos, que sempre conseguem linhas de financiamento. A população está sendo financeirizada com cartões de crédito, limites no cheque especial, no crédito consignado, enquanto os capitalizados são financiados com empréstimos de longo prazo e baixas taxas de juros.
Há, portanto, várias ações proativas: a necessidade de uma política de fomento e de incentivo à produção; o financiamento da transição de uma produção degradadora para uma produção ambientalmente sustentável e inclusiva; a fiscalização e a auditoria das contas públicas e privadas, principalmente de empresas cujas ações são negociadas nas bolsas de valores; a reforma tributária e fiscal, além do código do consumidor, a se fazer valer. Por fim, no que for ilícito, ilegal e imoral, deve haver aplicação da ação do Judiciário, pois não é possível ser tolerante com a corrupção, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro. Temos de agir em conjunto com as instituições jurídicas, assessorando e estimulando. Não faltam razões. Pode-se até relembrar que em mercados desregulamentados muitos contratos entre partes acabam parando na mesa do juiz e os magistrados não entendem de finanças nem de seus jargões – como as palavras ou expressões em inglês grafadas nos contratos financeiros e mercantis, por exemplo, commodities, spread, gap, swap, etc.
Para viabilizar a transição energética, é necessário repensar o modelo econômico. A maioria da população vive em cidades. Quando o Brasil passou a ocupar a posição de sexta economia do mundo, ironicamente o IBGE divulgou dados assustadores sobre as favelas brasileiras. Segundo esses dados, certamente conservadores, o Brasil tem 6.329 áreas irregulares e precárias nas quais vivem 11.425.644 pessoas. Juntas, elas equivalem à população da Grécia (FERNANDES, E.; ALFONSIN, B. FDUA, n. 61).
As cidades consomem energia de países, forçando uma política energética do Brasil necessariamente voltada à construção de mais hidrelétricas, além de projetos que pretendem ressuscitar a energia nuclear e financiar o carvão. A energia produzida por uma hidrelétrica na Amazônia gera impactos ambientais e sociais naquela região para abastecer o Sul e o Sudeste, que recolhem seus tributos na ponta distribuidora de energia e não no local impactado na Amazônia.
Os diferentes setores de energia renovável concorrem em tributos, taxas e formação de preços com a produção de energia não renovável. Quando se incentiva a produção de energia renovável, como a eólica, a solar, o biodiesel e o etanol, não há planejamento para limitar essa produção, que acaba também gerando mais impactos com sua produção em escala, a qual deveria, por coerência, ser equilibrada e harmônica de região para região, analisada caso a caso, em um pacote energético diversificado.
É necessário, portanto, que o planejamento energético considere as demandas da região e da população que pode vir a ser afetada com a construção de hidrelétricas, usinas nucleares, com a exploração de petróleo, gás natural, carvão, gás de xisto, minério radioativo ou até com a construção de parques eólicos, solares, fotovoltaicos e monoculturas para a produção de etanol e biodiesel.
Precisamos desenvolver um modelo de transição energética com planejamento financeiro simultaneamente com a transição do modelo econômico, pois, do contrário, não haverá energia renovável ou não renovável que suporte a demanda de produção e resolva os problemas socioambientais, que, consequentemente, provocam bruscas mudanças climáticas. É de fundamental importância manter a população campesina, indígena, tradicional e ribeirinha nos campos e nas florestas, bem como o povo do sertão no Nordeste, invertendo a migração dos centros urbanos para o campo, para as regiões ribeirinhas, etc., de modo a reverter o quadro desolador do crescimento das favelas, do desemprego e da violência urbana. Esse tem sido o desafio de séculos e até hoje não saímos desse quadro crítico.
Os prazos para a implantação de uma política energética socialmente justa não fecham com os prazos da política partidária. O político que propuser uma estratégia que pretenda contribuir com a comunidade na gestão das águas, com a transição energética, ficará marcado como gestor público para o resto da vida, pois o mandato acaba, mas a gestão pública fica e sua militância será reconhecida pelo povo.
Quando o gestor público elabora uma proposta com a participação da comunidade para uma agenda de transição econômica a partir do binômio água e energia, estará investindo em projeto consistente de longo prazo, com efeitos visíveis no curto prazo, que são os da adesão e do apoio da comunidade. Há dinheiro para isso circulando no setor financeiro, e o setor de energia é o que mais acumulou nas últimas décadas.
Em tese, deveria haver uma renda decente, ou renda universal, para todos. É o que garante a Constituição brasileira quando trata da “dignidade da pessoa humana” sem desigualdades. Se fizermos valer a Constituição, seja pelo direito à dignidade da pessoa humana, seja pelo direito ao uso dos bens comuns (bens difusos: água, energia, biodiversidade, minério), certamente estaríamos garantindo uma renda decente, e até mesmo universal.
Se entendermos que esses dois pilares compõem um conjunto indissociável da conquista dessas condições, estaremos trabalhando para a transição da economia em que vivemos (globalizada, em fase neoliberal do capitalismo), para a economia que queremos (socialmente justa, politicamente participativa e integrada e ambientalmente sustentável).
A favelização é resultado da degradação ambiental e da exclusão social. Tal fenômeno se multiplica justamente porque as pessoas saem do seu meio vindo a inchar as cidades em busca de alternativas para sustentar suas famílias. Se buscarmos alternativas de geração de emprego e renda, fixando o ser humano no campo e impedindo a expulsão dos povos indígenas e povos tradicionais de seus territórios, teremos como fazer existir essa renda decente. É por isso que nos mobilizamos em favor da cultura de resistência, com a finalidade de evitar as guerras, os conflitos e a migração que formam massas de refugiados econômicos, do clima, das guerras, e da política genocida e etnocida praticada por governantes e corporações de seus países.
Se, de um lado, a tecnologia da informação faz migrar fortunas de um continente a outro, essa mesma tecnologia está fazendo com que possamos criar conexões de redes em que as florestas do mundo inteiro, os campos e os grupos de resistência se comuniquem e se mobilizem em prol da emancipação dos povos, tornando possível a utopia da renda decente universal que desejamos.
O conceito de governança ambiental tem sido confundido com governança corporativa, como assistimos na COP19, quando o setor de energia não renovável se uniu com cimenteiras e o setor siderúrgico para propor a falsa solução do mercado de carbono, postergando soluções reais por mais um instrumento de financeirização da natureza.
A governança ambiental que propunha o diálogo entre a iniciativa privada, o governo e a sociedade civil organizada tem sido dragada pela governança corporativa, a que fundiu a Bayer com a Monsanto. Faz-se necessário identificar e confrontar essa tendência para se saber quem é quem e com quem se está lidando. Eles têm a habilidade de absorver nossos argumentos para empurrar contratos financeiros e mercantis duvidosos e perigosos.
Se resgatarmos o conceito de governança ambiental pela perspectiva crítica de Yann Moulier Boutang, Ignacy Sachs, Edgar Morin, Vandana Shiva e tantos outros pensadores, além dos que o debatem em nossas redes e demais fóruns, em boa hora se espalhando por toda a América Latino-Caribenha, será possível construir uma política de governança ambiental para a realização de uma transição energética para uma finança possível e emergencialmente necessária.
Se utilizarmos os mesmos sistemas que fortaleceram esse modelo degradador e desumano, evidentemente será possível reprogramá-lo para uma nova consciência. Isso não depende de dinheiro; depende da sensibilização de corações e mentes. Depende, especialmente, de um código de ética e moral universal, ou válido para todo mundo. É nesse sentido que a encíclica ecológica Laudato Si, do Papa Francisco, vinda em boa hora, contribui como um princípio norteador!
Se fomos nós, os humanos, que criamos o problema, caberá a nós, os humanos, buscar por soluções, não, porém, pelo mesmo sistema e no mesmo grau de consciência que o criou, como dizia Albert Einstein. Uma economia só pode ser justa se for humanitariamente digna e ambientalmente sustentável, e somente será possível se for lastreada no tripé legitimidade, credibilidade e ética.
Referências:
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