29 Setembro 2018
"Continuamos apoiando a nomeação de juízes de acordo com alguns princípios, mas o juiz Kavanaugh não é o único candidato disponível com essas características. Para o bem do país e a futura credibilidade da Suprema Corte em um mundo que está finalmente aprendendo a levar a sério as denúncias de assédio, agressão e abuso, está hora de encontrar um candidato cuja confirmação não se oponha a essa lição", diz o editorial da revista America, 27-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O testemunho da Dra. Christine Blasey Ford perante o Comitê Judiciário do Senado, demonstrou claramente tanto a seriedade de sua alegação de agressão pelo juiz Brett M. Kavanaugh quanto as consequências desta questão para todo o país. O juiz Kavanaugh negou a acusação e enfatizou em seu depoimento que a oposição dos senadores democratas à sua nomeação, e sua consequente disposição de atacá-lo, foi estabelecida muito antes da alegação da Dra. Blasey ser conhecida.
Avaliar a credibilidade dessas versões conflitantes é uma questão sobre quais as pessoas de boa vontade podem discordar, e de fato discordam. Os editores desta análise não têm um insight especial sobre quem está dizendo a verdade. Se a alegação da Dra. Blasey for verdadeira, o ataque e a negação do juiz Kavanaugh significam que ele não deveria estar sentado na Suprema Corte dos EUA. Mas, mesmo que a credibilidade da alegação não tenha sido estabelecida além de qualquer dúvida razoável e mesmo que novas investigações sejam necessárias para determinar sua validade ou para limpar o nome do juiz Kavanaugh, reconhecemos que essa nomeação não é mais do melhor interesse do país. Embora tenhamos anteriormente endossado a nomeação do juiz Kavanaugh com base em suas credenciais legais e em sua reputação como um comprometido textualista, agora está claro que a nomeação deve ser retirada.
Se fosse uma questão de estabelecer a responsabilidade legal ou moral do juiz Kavanaugh pelo ataque descrito pela Dra. Blasey, então seriam aplicados padrões de prova muito mais rigorosos. Sua presunção de inocência pode resolver o assunto a seu favor, caso não haja investigações adicionais e novas evidências. Mas a questão não é apenas sobre a responsabilidade do juiz Kavanaugh, nem é mais essencialmente sobre as suas qualificações. Em vez disso, a questão é sobre a prudência de sua nomeação e potencial confirmação. Além de ser uma briga por questões políticas, o que já era, sua nomeação também se tornou um referendo sobre como lidar com alegações de agressão sexual.
Em algum momento do passado distante, pelo menos antes que a palavra “Borked” (em referência a Robert Bork) fosse cunhada para descrever uma nomeação da Suprema Corte derrotada por oposição ideológica, as audiências de confirmação do Senado deveriam ser concentradas em avaliar o caráter judicial ou as qualificações de um candidato como um pensador das leis. Mas esse tempo ficou no passado. Muitos casos decididos pela própria Suprema Corte e, desse modo, também as nomeações presidenciais para esse órgão (e as audiências do Senado que se seguem) estão agora completamente ocupados decidindo “políticas por outros meios”. Nem o país nem o tribunal estão bem servidos com este arranjo, mas recusar-se a reconhecer não ajuda em nada para reverter isso.
Quando os líderes republicanos no Senado se recusaram até a realizar as audiências sobre a nomeação do juiz Merrick Garland, eles não estavam objetando às suas qualificações ou caráter, mas ao provável resultado de seu voto no tribunal, caso ele fosse confirmado. Quando os democratas do Senado estavam em sua maioria unidos em oposição ao juiz Kavanaugh bem antes de qualquer audiência (e antes que qualquer rumor sobre a acusação da Dra. Blasey fosse conhecido), eles estavam usando o mesmo cálculo. Embora lamentável em ambos os casos, tais resultados são, como dissemos antes, o resultado previsível do fato de que “questões fundamentais de política social são cada vez mais encaminhadas ao tribunal para julgamento como questões constitucionais”.
O que é diferente desta vez é que esta batalha de nomeações não é mais puramente sobre a previsão do provável resultado do voto do juiz Kavanaugh na corte. Agora envolve o significado simbólico de sua nomeação e confirmação na era do #MeToo. As audiências e as deliberações do comitê são agora também um exemplo da maneira como o país trata as mulheres quando seus relatos de assédio, agressão e abuso ameaçam arruinar as carreiras de homens poderosos.
Embora as audiências de nomeação estejam longe de ser o melhor local para lidar com tais assuntos, a questão é suficientemente importante para que seja prudente reconhecê-la como determinante neste momento. As acusações da Dra. Blasey não foram totalmente investigadas, nem postas a prova nos padrões legais, mas também não foram conclusivamente descartadas ou demonstradas como sendo menos do que credíveis. O juiz Kavanaugh continua a gozar de uma presunção legal de inocência, mas o padrão para um nomeado para a Suprema Corte é muito maior; não há presunção de confirmação. A melhor das resoluções ruins disponíveis neste dilema é que a indicação do juiz Kavanaugh seja retirada.
Se os republicanos do Senado prosseguirem com sua nomeação, eles estarão priorizando os objetivos políticos em detrimento do relato de uma mulher sobre uma agressão. Se ele for confirmado sem que essa alegação seja firmemente refutada, isso pesaria sobre suas decisões futuras na Suprema Corte por décadas e ainda dividiria o país. Mesmo se alguém acha que as alegações da Dra. Blasey não são credíveis, demonstrar que não são exigiria mais investigações e testemunhos. Isso incluiria chamar testemunhas adicionais e avaliar outras alegações contra o juiz Kavanaugh de outras mulheres, com as quais os republicanos no comitê não estavam dispostos a se comprometer e que seriam divisivas em qualquer caso.
Há muitas boas razões para apoiar a nomeação de um juiz qualificado que está comprometido com uma interpretação textualista da Constituição perante a Suprema Corte. Com o tempo, essa abordagem pode devolver a questão do aborto aos estados, onde ela deveria estar, dado o silêncio da Constituição sobre o assunto, e onde pode ser alcançado um resultado mais justo e moral do que é atualmente possível sob Roe vs. Wade. Restaurar uma questão tão moralmente complexa à deliberação de legisladores, em vez de juízes, também pode trazer o país para mais perto de uma época em que as audiências de confirmação podem realmente enfocar o caráter e as qualificações do candidato, em vez de servir como batalhas de procurações sobre todas as questões contenciosas na política dos EUA.
Continuamos apoiando a nomeação de juízes de acordo com tais princípios, mas o juiz Kavanaugh não é o único candidato disponível com essas características. Para o bem do país e a futura credibilidade da Suprema Corte em um mundo que está finalmente aprendendo a levar a sério as denúncias de assédio, agressão e abuso, está na hora de encontrar um candidato cuja confirmação não se oponha a essa lição.
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Está na hora da nomeação de Kavanaugh ser retirada. Editorial da revista America - Instituto Humanitas Unisinos - IHU