20 Fevereiro 2018
Nova surpresa no caso do bispo de Ahiara, Peter Ebere Okpaleke, religioso nigeriano nomeado em 2012 por Bento XVI, que nunca pôde tomar posse plenamente de sua diocese no sudeste do país, devido às duras críticas do clero e dos leigos. Os motivos são étnicos. Hoje, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018, foi divulgada a notícia de que o Papa Francisco aceitou a renúncia que Okpaleke havia apresentado, ele que deixara a diocese após quase seis anos.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 19-02-2018. A tradução é de André Langer.
O próprio Bergoglio interveio na questão em junho de 2017, quando intimou, diretamente e com força, os presbíteros de Ahiara a obedecer ao seu pastor, sob pena de excomunhão. Apesar disso, e após diversas tentativas e intervenções da Santa Sé (principalmente através da Congregação para a Evangelização dos Povos), Okpaleke deu-se conta de que o cabo de guerra tinha se tornado uma situação insustentável.
O Pontífice, de acordo com um comunicado da Congregação para a Evangelização dos Povos, divulgado pela agência Fides, recebeu centenas de cartas de padres de Ahiara que insistiam na “obediência e fidelidade”, mas também manifestavam “dificuldade psicológica” para colaborar com o bispo. Por causa desse “arrependimento”, o Papa “não quis aplicar as sanções canônicas” e aceitou a renúncia de Okpaleke.
“O Santo Padre Francisco – lê-se no boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé – aceitou a renúncia ao governo pastoral da diocese de Ahiara (Nigéria) apresentada por S.E. dom Peter Ebere Okpaleke e, ao mesmo tempo, nomeou administrador apostólico sede vacante et ad nutum Sanctae Sedis da mesma diocese a S.E. dom Lucius Iwejuru Ugorji, bispo de Umuahia”.
Quando Okpaleke foi nomeado por Bento XVI em 2012, vários leigos e sacerdotes da diocese se recusaram a aceitar seu novo bispo, porque (ao contrário de seu antecessor, da etnia Mbaise, a maior da diocese) pertence ao grupo étnico Ibo, com maior presença no sudeste da Nigéria, e no Estado vizinho de Ambra, de onde provém também o cardeal nigeriano Francis Arizne, prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino. O Papa Francisco, diante desta insustentável situação, em julho de 2013 nomeou o cardeal John O. Onaiyekan como administrador apostólico.
Em 8 de junho passado, o Papa recebeu em audiência privada uma delegação da diocese, liderada pelo arcebispo de Abuja, da qual faziam parte o então administrador apostólico de Ahiara, o cardeal John O. Onaiyekan, o arcebispo metropolitano de Owerri dom Anthony Obinna, o arcebispo de Yos, e o presidente da Conferência Episcopal da Nigéria, dom Ignatius Kaigama.
Integraram a delegação também os sacerdotes Clemente O. Ebii, Jude N. Uwalaka e Uhuegbu Innocent Olekamma, além da Irmã Bernadette O. Ezeyi e o leigo Stanley Pius Iwu, líder tradicional. A delegação também se reuniu com o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, com o prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, Fernando Filoni, e com os superiores do mesmo dicastério, “com os quais – indicava uma nota publicada pelo Vaticano – foi examinada atentamente a dolorosa situação da Igreja em Ahiara. Na audiência de hoje, o Santo Padre, depois de uma cuidadosa avaliação, referiu-se à inaceitabilidade da situação em Ahiara e reservou-se a possibilidade de tomar as medidas adequadas”.
Dois dias depois dessa audiência, foi publicado o discurso completo que Francisco pronunciou à delegação nigeriana. “Quem se opôs à posse de dom Okpaleke – disse o Pontífice – quer destruir a Igreja e incorrer em pecado mortal”. “Considero que aqui não se trata de um caso de tribalismo, mas de apropriação da vinha do Senhor”, continuou Francisco, comparando os rebeldes fiéis aos “vinhateiros assassinos” aos quais se refere o Evangelho de Mateus e que “querem apropriar-se da herança”. “Nesta situação, a diocese de Ahiara está como que sem esposo, perdeu sua fecundidade e não pode dar frutos”.
Bergoglio também assegurou que conhecia muito bem “os casos que se perpetuam há anos na diocese” e agradeceu ao bispo, marginalizado e humilhado, “pela atitude de grande paciência” que mostrou. “Eu escutei e refleti muito, inclusive na ideia de suprimir a diocese, mas depois pensei que a Igreja é mãe e não pode deixar tantos filhos como vocês. Sinto pena desses sacerdotes que são manipulados, talvez do exterior e de fora da diocese”.
Posteriormente, o Papa deu instruções muito precisas: em primeiro lugar, “que cada sacerdote ou eclesiástico incardinado na diocese de Ahiara, residente ou trabalhando em outro lugar (mesmo no exterior), escreva uma carta endereçada a mim na qual peça perdão”. Todos, sem exceção, porque “todos devem escrever individual e pessoalmente; todos devemos ter essa comum dor”. Na carta, eles tinham que manifestar “claramente total obediência ao Papa”, e quem escreve “deve estar disposto a aceitar que o bispo que o Papa envia é o bispo nomeado”. A carta devia ser enviada no prazo de 30 dias, de modo que “quem não o fizesse ‘ipso facto’ seria suspenso a divinis e perderia seu ofício”.
Decisões severas: “Isso parece muito duro, mas por que o Papa faz isso?”, perguntou-se. A resposta está no Evangelho: “O Povo de Deus está escandalizado. E Jesus recorda que aqueles quem escandalizam deve saber enfrentar as consequências. Talvez alguém tenha sido manipulado sem uma plena consciência da ferida que provocou na comunhão eclesial”.
Apesar da intervenção da autoridade do Papa, as resistências e as polêmicas não cessaram. E a consciência de não poder prosseguir com o cabo de guerra levou tanto Opkalele como a Santa Sé a concordar, após a longa via-sacra, com a saída do bispo criticado. Canonista estimado e com predisposição ao comando, o bispo de Ahiara continua sem diocese, mas é provável que assim que se apresente seja nomeado para outra. Até o momento não foi nomeado nenhum sucessor. Quanto às motivações de natureza tribal que fizeram explodir inicialmente o caso, é possível que outras se tenham somado, posto que há anos o clero se acostumou a ficar sem bispo.
Nota de IHU On-Line: "Uma decisão que mostra como também o Papa pode voltar atrás de seus passos, quando necessário e não há outras soluções possíveis", comenta Paolo Rodari, vaticanista, em artigo publicado por La Repubblica, 19-02-2018.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Nigéria. Após anos de polêmicas, o bispo renuncia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU