06 Janeiro 2018
A meditação bíblica da pastora batista italiana Lidia Maggi foi transmitida no domingo, 31 de dezembro de 2017, durante o “Culto Evangelico”, programa da Radiouno, produzido pela Federação das Igrejas Evangélicas da Itália.
A reflexão foi publicada no sítio da revista Riforma, publicação semanal das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses italianas, 05-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fazer avaliações no fim do ano, investigar os dias recém-transcorridos pode nos ajudar a continuar o caminho, a reencontrar a direção perdida, a nos fazer sair dos caminhos interrompidos. Para seguir em frente, às vezes, é preciso olhar para trás.
Há um Salmo que, nas Igrejas reformadas, é utilizado no início de um novo ano. Em uma oração atribuída a Moisés, o amigo de Deus. De Moisés, nos são contados o nascimento e a morte. No fim da sua longa jornada, depois de ter conduzido o povo ao limiar da terra prometida, Deus mostra a Moisés a terra que as gerações futuras habitarão. Ele não entrará nela; ele é chamado a habitar outra terra: a da eternidade.
Moisés morre na boca de Deus, que retoma o sopro vital com um beijo. E será o próprio Deus que o enterrará em um lugar secreto, que ninguém conhece. Eu gosto de imaginar que, de vez em quando, Deus vai passear perto desse túmulo, à espera do dia em que o seu amigo também será despertado...
Moisés viveu uma longa vida, feita de dias bons e maus. E é precisamente a ele, que conheceu a plenitude da existência, que é atribuído o Salmo da fragilidade da vida.
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“Ensina-nos a contar os nossos dias.” Contar os nossos dias não é uma habilidade contábil, para não correr o risco de “entrar no vermelho” nos próprios propósitos. Na Bíblia, contar é narrar. É voltar àquilo que vivemos para inserir os eventos individuais em um mapa de sentido, em uma trama que não é apenas subjetiva, mas nos coloca no horizonte mais amplo de uma história. Aprender a contar os nossos dias é descobrir que a nossa história humana está dentro de uma história de salvação, faz parte das grandes narrativas de Israel, de um povo encontrado por Deus que fez experiência de libertação e reconheceu no seu caminho a presença constante e fiel do seu Senhor.
Em vez disso, sentimos que temos os dias contados – apenas contados! – quando perdemos o contato com a nossa história, com os eventos que nos levaram aonde estamos, as raízes que nos alimentaram e continuam nos nutrindo e as faltas, as ausências que nos levam a buscar, a pedir, a rezar, girando principalmente pelo vazio.
Um ano que se conclui é a oportunidade para olhar para trás e aprender a contar os nossos dias. Mas sem ser comercialista. Não se trata de compilar a nossa declaração de imposto de renda para descobrir se estamos em crédito ou em dívida com Deus. Fora de toda contabilidade, Deus nos acolhe e nos ama (somente a graça).
Olhar para trás para seguir em frente e contar, narrar os nossos dias é também um modo de recuperar a confiança. A fé bíblica é sobretudo isto: confiança em Deus, na vida, no amanhã. Confiança que é também cuidar dos nossos frágeis dias. De que modo? Contando-os, inserindo-os em uma trama que não os banalize, que lhes dê o destaque certo, aquele pelo qual o próprio Deus nos quis vivos.
Na escola das Escrituras, aprendemos a reconhecer, nos dias transcorridos, a presença de Deus, a entrever os passos de quem nos acompanhou para reencontrar aquele olhar reconhecido que abre ao agradecimento, à celebração da vida.
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É claro, ao repassar o ano transcorrido, encontraremos dias bons e outros menos bons, talvez ferozes. Mas estamos aqui, podemos contá-los, nós os atravessamos, e outros ainda se abrem diante de nós. Não é algo óbvio.
A vida é frágil, os nossos dias não são infinitos: são como a grama que verdeja de manhã; de manhã, ela floresce e verdeja, à noite, é cortada e seca.
Talvez seja justamente isso que a torna preciosa. Não podemos nos permitir desperdiçar os nossos dias, jogá-los fora, antes ainda que floresçam e verdejem.
Quantas vidas secam sem florescer... Já estão secas de manhã por causa do ressentimento, do rancor, da ingratidão. Atrás de nós, apenas deserto.
A esse respeito, o Salmo fala da ira de Deus e do pecado humano: “Tua ira nos consumiu, e teu furor nos transtornou. Colocaste nossas faltas à tua frente, nossos segredos sob a luz da tua face”.
Querem que Deus não se indigne por causa das vidas consumidas em lamentação, no ódio, no desprezo? Na Bíblia, o pecado não tem um significado moralista, como costumamos entendê-lo: uma transgressão da lei. Não, para as Escrituras, pecar é errar o alvo, falhar o sentido da própria existência.
Peca quem vive na defesa, quem se consome no ressentimento e nos sentimentos de culpa. Pecar é fazer a vida secar, não crer que ela possa florescer.
Por isso, Deus fica indignado; é claro que ele fica indignado! A esse Senhor que não suporta ver as nossas vidas bloqueadas, Moisés grita: “Converte-te, Deus, muda de caminho, não nos dês de novo o teu olhar de desaprovação, mas nos sacia com o teu amor gratuito e nos dê um coração sábio para poder contar, narrar os nossos dias. Dias frágeis marcados pela fadiga e pela dor, mas também pelo estupor e pela beleza”.
Paro e penso em uma razão, apenas uma, pela qual valha a pena viver, e canto: “Como posso não te celebrar, vida... ó vida, ó vida?”.
Senhor, tu foste o nosso refúgio de geração em geração.
Antes que os montes nascessem
e a terra e o mundo fossem gerados,
desde sempre e para sempre tu és Deus.
Tu reduzes o homem ao pó,
dizendo: «Voltem, filhos de Adão!»
Mil anos são aos teus olhos
como o dia de ontem, que passou,
uma vigília dentro da noite.
Tu os semeias ano por ano, como erva que se renova:
de manhã ela germina e brota,
de tarde a cortam, e ela seca.
Sim, tua ira nos consumiu,
e teu furor nos transtornou.
Colocaste nossas faltas à tua frente,
nossos segredos sob a luz da tua face.
Nossos dias passaram sob a tua cólera,
e como suspiro nossos anos se acabaram.
Setenta anos é o tempo da nossa vida,
oitenta anos, se ela for vigorosa.
E a maior parte deles é fadiga inútil,
pois passam depressa, e nós voamos.
Quem conhece a força da tua ira,
e quem sentiu o peso do teu furor?
Ensina-nos a contar os nossos anos,
para que tenhamos coração sensato!
Volta-te, Senhor! Até quando?
Tem compaixão dos teus servos!
Sacia-nos com o teu amor pela manhã,
e nossa vida será júbilo e alegria.
Alegra-nos, pelos dias em que nos castigaste,
pelos anos em que sofremos desgraças.
Que os teus servos vejam a tua obra,
e os filhos deles o teu esplendor.
Que a bondade do Senhor venha sobre nós
e confirme a obra de nossas mãos.
(Salmo 90, 1-17; trad. Bíblia Pastoral)
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Ensina-nos a contar os nossos dias. Artigo de Lidia Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU