13 Novembro 2017
As novas tecnologias nos ajudarão a superar os maiores desafios que enfrentamos como espécie, mas também poderão criar um mundo mais desigual.
A reportagem é de Nuño Domínguez e publicada por El País, 11-11-2017.
“Estamos prestes a ver uma revolução que mudará a condição humana”, diz o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste. O ideólogo do Brain – o maior projeto de pesquisa do cérebro lançado pelos EUA – acredita que, dentro de aproximadamente duas décadas, possa ser decifrado “o código cerebral”, algo semelhante ao genoma humano e que revelará, pela primeira vez, como 85 bilhões os neurônios disparam e se conectam entre si para gerar ideias, memórias, emoções, imaginação e comportamento, a essência do que somos.
Com o tipo de escâneres cerebrais que já existem em qualquer hospital, estamos começando a “adivinhar o que as pessoas estão vendo, quase o que estão imaginando”, explica o cientista. Em 2050 será possível analisar a atividade cerebral de uma pessoa para saber o que ela está pensando e até mesmo manipulá-la para controlar seus atos. Provavelmente essas tecnologias se juntarão ao desenvolvimento da computação e da inteligência artificial.
“O lado bom é que os seres humanos poderão aumentar as habilidades mentais” e “ajudar pacientes com doenças cerebrais, neurológicas ou mentais”, explica Yuste. Essas tecnologias também poderão alterar o cérebro de pessoas saudáveis, violar sua privacidade até limites insuspeitados, dinamitar conceitos como a identidade pessoal e questionar quem é responsável por um ato, o humano ou a máquina à qual ele está conectado. E se também houver um grupo de pessoas privilegiadas com cérebros conectados a computadores e acesso a informações que o resto das pessoas não possui?
“Antes de tudo isso começar, temos a obrigação de pensar cuidadosamente sobre o futuro e conceber regras éticas para que essas tecnologias sejam usadas para o bem da humanidade”, enfatiza o cientista, que trabalha na Universidade de Columbia, em Nova York. “Precisaremos proteger nossos direitos cerebrais como se fossem um direito humano”, ressalta.
A tecnologia de que fala Yuste, juntamente com a edição genética, a computação ou a inteligência artificial, pode ser decisiva para o futuro da nossa espécie. Nesta reportagem, especialistas internacionais nesses campos fazem suas previsões sobre o mundo em 2050.
Em Berkeley, na Califórnia, se trabalha com a ferramenta de edição genética CRISPR. Desenvolvida em 2012, permite editar o genoma de muitos seres vivos, inclusive os humanos, com tanta facilidade que é comparada com um editor de texto.
“É muito provável que em 2050 nasçam bebês geneticamente modificados com CRISPR ou outra técnica”, explica Kevin Doxzen, do Instituto de Genômica Inovadora e ex-colaborador de Jennifer Doudna, uma das inventoras dessa técnica. A edição genética também permitirá conceber crianças com qualidades selecionadas como altura ou capacidade visual, garante.
Em 2050, a população mundial estará próxima dos 10 bilhões de pessoas – o país mais populoso será a Índia – de acordo com as Nações Unidas. Será necessário aumentar 70% a produção agrícola em relação aos níveis atuais. As mudanças climáticas obrigarão a usar culturas mais resistentes à seca e às inundações, que serão mais frequentes, e as novas tecnologias de edição genética serão fundamentais para a produção de plantas modificadas que possam resistir a essas ameaças.
O guru da genômica George Chruch está desenvolvendo uma nova tecnologia que poderia ser a sucessora do CRISPR. Trata-se das recombinases, enzimas que permitem modificar a estrutura do genoma produzindo menos erros e de forma ainda mais simples, explica esse pesquisador da Universidade de Harvard. Com essa técnica, sua equipe criou uma bactéria com 67% do genoma editado, que é resistente a muitos vírus. “Agora queremos criar imunidade a todos os vírus conhecidos em todas as espécies que nos interessam, micróbios industriais como aqueles que produzem produtos lácteos, plantas e animais utilizados na agricultura, e células humanas para transplantes e terapias”, resume. Sobre os riscos que esses avanços podem implicar se forem mal utilizados, o especialista exige conhecimento e participação. “Para ter impacto, precisamos de que mais muito mais cidadãos comecem a dialogar sobre essa revolução genética, assim como em 1992 precisávamos de mais atenção das pessoas antes que a revolução da Internet decolasse”.
A decolagem dessas e de outras tecnologias, como a inteligência artificial e a robotização, coincide com níveis de desigualdade nunca vistos nos países ricos. Alguns especialistas, inclusive os do Banco Mundial, atribuem parte do problema à tecnologia. A Europa registra um fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres, de acordo com um relatório da OCDE publicado neste ano. Países como Espanha ou Grécia, com o problema adicional do desemprego, estão entre os que mais sofrem com isso. “Muitos europeus estão cada vez mais pessimistas sobre as possibilidades de seus filhos terem uma vida melhor do que eles”, alerta o estudo.
“Há mais gente que pensa que o esforço individual não serve para chegar ao topo ou que o trabalho duro não pode bastar para a ascensão de uma família pobre”, um caldo de cultura perfeito para os populismos, acrescenta o trabalho. Os pais querem dar aos filhos as melhores vantagens possíveis em relação ao resto, melhor alimentação, educação e herança material. Se no futuro também existir a possibilidade de lhes dar vantagens por meio da genética ou da neurociência, alguém duvida do que farão?
“A inovação tende a aumentar as diferenças de renda em uma sociedade, então as sociedades mais desiguais terão um aumento maior desse problema e, provavelmente, mais resistência à inovação”, adverte Calestous Juma, especialista em inovação e cooperação internacional da Universidade de Harvard (EUA) que estudou como, nos últimos 600 anos, governos, autoridades religiosas e empresas fizeram todo o possível para impedir a chegada do café, dos transgênicos, das geladeiras ou da música gravada, entre outras inovações A maneira de reduzir a “ansiedade” provocada por todas essas mudanças é facilitar o acesso universal a essas tecnologias e promover a educação. “A chave para que sejam aceitas é ser algo compartilhado”, ressalta Juma.
Um dos lugares onde essa diferença é mais sentida é o Silicon Valley, sede da Google, Apple e outras gigantes da tecnologia. Nessa região da Califórnia, o salário médio anual do 1% mais rico atinge os 4,2 milhões de dólares (cerca de 13,76 milhões de reais), quase 50 vezes o dos 99% mais pobres, de acordo com o Centro de Orçamento e Política da Califórnia. De alguns anos para cá, grupos de manifestantes apedrejam os ônibus de algumas dessas empresas em protesto contra a gentrificação asfixiante.
“A classe de trabalhadores com um nível médio de formação – administrativos, por exemplo – é a mais afetada”, explica Ramón López de Mántaras, diretor do Instituto de Pesquisas em Inteligência Artificial do CSIC. “Enquanto isso”, acrescenta, “os trabalhadores de nível mais elevado ganham cada vez mais dinheiro. As empresas de tecnologia estão pagando até meio milhão de dólares por ano a recém-doutores em inteligência artificial, porque existem muito poucos”, explica. As pessoas com salários mais baixos continuam a ter emprego, embora com salários cada vez menores. “Esse é um problema a resolver, porque uma sociedade capitalista de consumo não pode se sustentar apenas com os mais ricos, é um tiro no pé, embora seja provável que o problema seja resolvido e apareçam novos empregos em que ninguém pensa agora, como ninguém pensava há 10 anos em ganhar a vida como community manager”, diz López de Mántaras.
Nos países em desenvolvimento, a desigualdade está diminuindo, embora as diferenças continuem sendo brutais. Uma criança nascida hoje em Serra Leoa viverá 50 anos, mas, se nascer no Japão, chegará aos 83 anos ou mais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Essas disparidades na expectativa de vida estão diminuindo. O mundo de 2050 terá muito mais idosos e menos natalidade. Naquela data, o número de pessoas com mais de 65 anos nos países em desenvolvimento terá aumentado 250% em relação a 2010 e haverá 10 vezes mais pessoas com 100 ou mais anos em todo o mundo. Se a tendência de envelhecimento continuar como até agora, as principais causas de morte nos países em desenvolvimento serão idênticas às dos países ricos: doenças crônicas como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes, e não as causadas por vírus e parasitas, embora estas continuarão matando e muito.
É possível que em 2050 a maternidade aos 60 anos ou mais não seja algo polêmico. “Hoje, o principal obstáculo para a gravidez nessas idades é o fato de ser uma ameaça para a saúde, mas se, como se espera com o progresso da expectativa de vida, nessa idade você estará como se tivesse 40 anos, os riscos serão muito menores”, explica José Remohí, presidente do Instituto Valenciano de Infertilidade. Outro avanço que poderemos ver em 2050, diz ele, é a criação de gametas – óvulos e espermatozoides – de células somáticas do paciente, extraídas da pele, por exemplo, o que permitirá que homens estéreis ou mulheres que já não tenham óvulos possam ter filhos.
No campo da luta contra o câncer, a tendência é um tratamento personalizado baseado no genoma e na detecção precoce de tumores graças à detecção de marcadores tumorais em exames de sangue, explica Ruth Vera, presidenta da Sociedade Espanhola de Oncologia Médica, que diz ser difícil prever que outros avanços teremos dentro de 30 anos. “Quando estava fazendo residência, em 1996, a única coisa que havia era a quimioterapia. Agora, graças à imunoterapia e outros tratamentos, passamos de atuar apenas contra as células tumorais para usar o sistema imunológico contra ele, atacando seu sistema vascular e até o estroma, que é o espaço entre as células tumorais”, afirma.
Um dos desafios a superar é o preço exorbitante dos tratamentos mais recentes. Uma nova terapia genética aprovada nos EUA custa quase 400.000 euros. “O preço atual de algumas drogas contra o câncer é insustentável”, diz Vera. As patentes dessas drogas expiram após 30 anos, o que pode barateá-las muito até lá.
Um dos campos mais incertos é o das doenças cerebrais. Até 2050 haverá três vezes mais casos de Alzheimer. Yuste lembra que o consórcio Brain está procurando novas maneiras de ajudar pacientes com essa doença, bem como esquizofrenia, Parkinson, depressão ou autismo. Europa, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Canadá e Israel também lançaram projetos semelhantes e, em breve, a China anunciará um programa “gigantesco” nesse campo. O neurobiólogo está otimista sobre o que o futuro pode trazer. “Vamos nos entender por dentro, você conversará com uma pessoa e notará a maquinaria que tem dentro do crânio. Não é uma caixa preta, mas algo incrível. Isso levará a um maior respeito entre as pessoas. A inteligência costuma estar associada a menos conflitos”.
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As invenções que nos aguardam em 2050 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU