26 Outubro 2017
Há três anos que os indígenas da etnia Munduruku denunciam graves violações aos seus locais sagrados por conta da construção das usinas hidrelétricas São Manoel e Teles Pires, na divisa dos estados de Mato Grosso e Pará.
A reportagem é de Márcio Camilo, publicada em Amazônia Real, 17-10-2017.
Ignorados, os protestos se intensificaram principalmente neste ano, quando no dia 20 de julho passado, os índios Munduruku ocuparam o canteiro de obras da São Manoel, no nordeste de Mato Grosso, exigindo, entre outras reivindicações, que a empresa devolva as 12 urnas funerárias que foram retiradas dos lugares sagrados em Sete Quedas, área da terra indígena que foi inundada pela construção da barragem no rio Teles Pires.
Na ocasião, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, se reuniu com representantes das usinas, lideranças e do Ministério Público. Segundo os indígenas, ele prometeu que as peças dos ancestrais seriam devolvidas ao povo Munduruku. Foi acordado também que os índios teriam acesso as urnas funerárias que estão no Museu de História Natural em Alta Floresta (MT).
No entanto, três meses após a promessa do presidente da Funai, os Munduruku não receberam as urnas funerárias de volta. As peças continuam no museu. Era para lá que os caciques, juntos com os pajés, iniciavam a preparação de um ritual no sábado (14), com cerca de 80 indígenas, quando foram surpreendidos por militares fortemente armados.
Antes, na sexta-feira (13), os Munduruku também foram impedidos de entrar no canteiro de obras de São Manoel por uma das margens do rio Teles Pires. Na ação, os militares dispararam bombas de efeito moral contra os indígenas, entre eles, mulheres e crianças. “Os guerreiros foram impedidos de fazer o ritual pela Força Nacional”, disse o cacique Adaisio Kirixi Munduruku, presidente da Associação Indígena Passaru.
Os militares da Força Nacional de Segurança Pública ocuparam a usina São Manoel, que fica entre os municípios de Paranaíta (MT) e Jacareacanga (PA), e mais a cidade de Alta Floresta, segundo nota oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), da qual a Funai é subordinada, para garantir a segurança dos operários e das instalações da usina.
O envio da Força Nacional atendeu uma liminar do juiz Marcel Queiróz Linhares, da 2ª Vara Federal de Sinop (MT), concedida em favor da Empresa Energia São Manoel (EESM), responsável pela construção e administração da usina São Manoel. A empresa, que é formada pelo consórcio de acionistas EDP Brasil S.A., Furnas Centrais Elétricas e China Three Gorges Corporation (CTG), ajuizou uma ação de interdito proibitório para impedir que os indígenas Munduruku façam qualquer tipo de manifestação no canteiro de obras da usina.
Na decisão, a Justiça determinou que os militares permaneçam nas instalações na usina São Manoel até 31 de dezembro deste ano. O número de militares que participam da operação não foi informado.
Em entrevista à agência Amazônia Real, o cacique Adaisio Munduruku negou que havia mobilização dos índios para fazer protesto dentro do canteiro de obra.
“Espalharam um boato dizendo que os índios Munduruku iriam invadir o canteiro de obras da São Manoel, que a gente ia quebrar todo maquinário e tacar fogo na usina: isso é mentira. A Força Nacional veio para cá sem saber direito qual era a real intenção dos indígenas”, afirmou.
Adaisio disse ainda que, além do ritual que seria realizado no entorno da obra, os Mundurukus tinham a intenção de se reunir com o presidente Funai, Franklimberg de Freitas, e os responsáveis pela usina. Eles esperam um pedido formal de desculpas das empresas São Manoel e Teles Pires pela destruição dos locais sagrados.
“Nós não conseguimos falar com o presidente da Funai. Mas conseguimos agendar uma audiência para novembro. O presidente da Funai disse que quer fazer uma grande reunião com todos os indígenas”, destacou Adaisio. (Leia resposta da Funai no final do texto)
Em comunicado à imprensa, o Ministério Público Federal em Mato Grosso informou que investiga irregularidades na execução da ordem de mobilização de tropas militares contra os indígenas Munduruku por meio de um inquérito civil, e “se a atuação da Força Nacional se deu nos estritos limites da Portaria do Ministério da Justiça”.
Segundo o MPF, lideranças Munduruku denunciaram que militares monitoraram o deslocamento dos indígenas ao canteiro de obras da São Manoel até o Museu de História Natural, na cidade de Alta Floresta (MT), onde estão guardadas as 12 urnas com os restos mortais dos ancestrais da etnia.
Conforme o MPF, a Força Nacional estava preparada para retirar os indígenas do museu e assim impedir qualquer tipo de manifestação no local. O cacique Adaisio lembrou que esse ritual é feito mensalmente pelos indígenas.
Na nota, o MPF diz que os indígenas estão revoltados com os empreendedores das Usinas Hidrelétricas São Manoel e Teles Pires, que até agora não definiram o local para a devolução das urnas funerárias. Essa situação foi relatada em carta-denúncia subscrita pela Associação Dace, que exige uma reunião com os representantes da Funai e empreendedores.
O MPF informou ainda que “atualmente os manifestantes Munduruku saíram de Alta Floresta em direção ao Porto do Meio. Eles não conseguiram concluir os rituais perante os ancestrais”.
Além de reivindicarem a devolução das urnas funerárias, os Munduruku junto com os povos Kayabi e Apiaká, pedem a suspensão da Licença de Operação (LO) da usina São Manoel. A licença foi concedida no dia 5 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com o licenciamento, a EESM poderá encher o reservatório.
Quanto à Licença de Operação, o MPF disse que “acompanha a solução do impasse em relação às reivindicações dos Munduruku e os interesses do governo federal e empreendedores”.
Ao ser procurado pela reportagem para falar sobre a ação da Força Nacional contra os Munduruku, um dos líderes da etnia Valdenir Munduruku ressaltou que tanto o Governo Federal quanto a EESM desrespeitaram os diretos, a cultura e as tradições do seu povo.
Valdenir detalha que, segundo a crença dos Munduruku, o ritual é muito importante para acalmar os espíritos que estão vagando, sem lugar adequado, depois da violação dos locais sagrados durante a construção das usinas no rio Teles Pires.
“É através desses rituais que os pajés conseguem falar com os espíritos que foram retirados lá do canteiro para definir um novo local onde eles possam ser colocados novamente”, explicou acrescentando que o ritual também serve para acalmar os espíritos, no sentido de que nenhuma mal espiritual ou doença recaia sobre o povo Munduruku.
“Da mesma forma que o pastor [evangélico] se comunica com Deus e com os anjos, os pajés também se comunicam com os espíritos através desse rituais, que envolvem danças, cânticos e oferenda de bebidas”, comparou Valdenir.
“Estou indignado com a atitude do Governo Federal em enviar a Força Nacional. Estou indignado com a empresa de ter feito esse pedido de interdito proibitório, sendo que ela se comprometeu em devolver as urnas e esse acordo não foi cumprindo. Isso demonstra que nem o Governo, nem a empresa quer dialogar com a gente”, criticou o indígena Munduruku.
Desde que as usinas hidrelétricas São Manoel e Teles Pires começaram a ser construídas, em 2014, no leito do rio Teles Pires, houve uma série de violações ambientais e patrimonial praticadas contra os povos indígenas das etnias Munduruku, Apiakás e Kaiabi. Só a etnia Munduruku conta com 13 mil índios na região.
Além das violações de 12 urnas funerárias, os índios relatam que os empreendimentos provocaram a diminuição do leito do rio e isso tem resultado numa grande mortandade de peixes e tartarugas, além de outras espécies, como botos.
“Nós, indígenas, temos uma relação muito próxima com o Teles Pires, de onde tiramos o nosso alimento. Mas hoje, por causa das instalações das usinas, a gente não consegue mais beber a água do rio e nem tomar banho nele, pois dá muita coceira”, reclamou o Adaisio.
Procurada, a Empresa de Energia São Manoel (EESM), responsável pela construção e administração da usina São Manoel, disse em nota que “os membros da Força Nacional chegaram à usina para fazer a proteção do local, de seus funcionários e do patrimônio público ali presente”.
O presidente da Funai, Franklimberg Freitas não fez declarações sobre a ação da Força Nacional de Segurança contra os índios Munduruku. Por meio da assessoria de imprensa, a Funai informou que o presidente, em conversa com os caciques, se comprometeu em participar de uma reunião com os índios da etnia Munduruku, na última semana do mês de novembro, para ajustar as tratativas que ainda não foram cumpridas pela empresa São Manoel.
Dentre as questões, o objetivo será definir qual será destinação da urnas funerárias, conforme a vontade dos indígenas. A reunião também contará com representantes das usinas São Manoel e Teles Pires, bem como membros da Diretoria de Promoção e Desenvolvimento Sustentável (DPDS) da Funai.
A reportagem também questionou se a Funai tinha um posicionamento em relação a demora da São Manoel em devolver as urnas. No entanto, a entidade – responsável por proteger e garantir os direitos dos povos indígenas – disse não tinha um posicionamento oficial sobre a questão.
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Índios Munduruku são impedidos de fazer rituais pela Força Nacional no Mato Grosso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU