24 Mai 2017
O Governo de Michel Temer tinha uma missão nesta terça-feira: mostrar que, apesar da enorme crise que começou na última quarta-feira e da saída de partidos como o PSB de sua base, o Congresso estava em pleno funcionamento e continuava mantendo seu apoio a ele. Mas a oposição também tinha sua meta: a de atrapalhar todas as votações que pudessem e, assim, mostrar que o Governo está enfraquecido. No final do dia, nenhum dos dois lados conseguiu completar seu objetivo plenamente. E o que se viu no Congresso foi uma série de episódios de confusão, muito bate-boca, algum protesto e xingamentos entre vários parlamentares.
A reportagem é de Talita Bedinelli e publicada por El País, 23-05-2017.
O primeiro teste da base de Temer ocorreria no Senado, no início da tarde. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) deveria ler o relatório da reforma trabalhista, um dos projetos mais importantes para o Governo Temer. A oposição tentou protelar a leitura e conseguiu colocar em votação um requerimento, que pedia que a ela fosse adiada. Para isso, contou com a defesa de Renan Calheiros, líder na Casa do partido do presidente, que chegou a sugerir, inclusive, que Temer saia do cargo. "Ler esse relatório hoje, de afogadilho, colocando goela abaixo de algumas pessoas para que o Legislativo demonstre que o Executivo não está paralisado, está com um rumo pré-definido, não pode acontecer", afirmou ele. O melhor era que nos conversássemos com o presidente para que ele entenda o seu papel histórico a cumprir, façamos uma transição negociada e rápida. Elejamos um presidente e um vice, garantindo eleições gerais em 2018", afirmou o peemedebista. Ele chegou a dizer à bancada do partido que votasse pelo adiamento da leitura, contrariando a orientação dada, momentos antes, por seu companheiro de sigla, Romero Jucá, aliado de Temer, que pediu para a bancada rejeitar o pedido.
O Governo acabou ganhando a primeira batalha, mas de forma apertada. Foram 13 votos contra 11, pela manutenção da leitura do relatório, o que incendiou a oposição. Iniciou-se, então, uma discussão entre os parlamentares, que acabou em empurra-empurra e xingamentos. "Eu falei para o senador Ataídes [Oliveira, PSDB]: 'vocês estão sustentando um Governo corrupto!' E ele respondeu: 'ô, moleque, vagabundo! Saí para lá'", disse o senador Randolfe Rodrigues (REDE), que acabou subindo na mesa, com dedos em riste na direção do colega, em protesto. Outros parlamentares entraram na briga e se iniciou uma confusão generalizada, que se completou com a gritaria de militantes que acompanhavam a sessão. Ao final, o presidente da comissão, Tasso Jereissati (PSDB), tentou retomar a leitura do relatório, mas acabou impedido por senadores da oposição, que agarraram seu microfone. Decretou, então, que o relatório estava lido e deixou a comissão. "Foi uma cena que nunca imaginei ver no Senado federal", disse depois Jereissati, que acusou a oposição de desrespeitar a vontade da maioria, impedindo de "maneira violenta" a leitura do relatório.
Ao mesmo tempo em que se dava a confusão no Senado, a Câmara também vivia sua dose de polêmica do dia. Na Comissão de Constituição e Justiça, o Governo teve de agir como minoria, que obstrui votações, para evitar que a proposta de emenda constitucional das eleições diretas (a PEC 227 de 2016) fosse votada. Um requerimento apresentado por aliados de Temer foi derrotado na votação simbólica – que é aquela em que o parlamentar não precisa se identificar para votar, apenas sinaliza com a mão se concorda ou não com o que está sendo questionado. Foi pedida, então, a verificação nominal. Antes que ela ocorresse, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abriu a sessão plenária e iniciou a votação de projetos de lei. Com isso, todas as comissões precisam encerrar os seus trabalhos.
“Quando um Governo tem de obstruir os trabalhos, como se minoria fosse, demonstra que não é mais Governo, que não tem mais força nenhuma”, disse o líder da REDE, Alessandro Molon, que acusou Maia de iniciar a sessão apenas para evitar nova derrota do Governo na comissão. O discurso dele seguiu na mesma sintonia de toda a oposição. “Estava muito claro que no início de julho essa PEC chegaria ao plenário. O Governo quer procrastinar. Agora, eles não entendem que uma votação indireta abre espaço para a compra descarada de votos. Vejam o que o Joesley Batista disse na delação dele, que recebeu o pedido para comprar o impeachment de Dilma”, afirmou Chico Alencar (PSOL-RJ).
Até aliados de Temer reclamaram da conduta dos governistas. “O Governo deu palco para oposição e a oposição está enganando o Brasil. A PEC é importante, mas ela não valerá para já porque qualquer regra eleitoral só vale com um ano de antecedência. Estamos nos precavendo para o futuro”, afirmou Marcos Rogério (DEM-RO).
Nas votações do plenário, a oposição também entrou em obstrução. A ideia era protelar ao máximo as votações, mesmo sabendo que o Governo tinha a maioria necessária para aprovar as medidas. Levantou cartazes que pediam "Fora, Temer" e "Diretas, Já". Mesmo em minoria, a oposição já deixou claro que não pretende dar paz a Temer. Decidiu ainda nesta terça-feira iniciar a coleta de assinaturas para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o presidente Michel Temer. São necessárias apenas 171 assinaturas para que ela seja criada.
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Escalada da crise: primeiro teste de Temer no Congresso acaba em confusão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU