02 Mai 2017
“Por favor, vocês não podem ser mais restritivos do que a própria Igreja, nem mais papistas do que o papa: abram as portas, não façam exames de perfeição cristã, porque, ao fazerem isso, vocês promoverão um farisaísmo hipócrita.”
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada no sítio Vatican Insider, 27-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre os aplausos, o Papa Francisco se dirigiu dessa forma à Federação Internacional Ação Católica (FIAC), à qual ele recebeu na véspera da viagem ao Egito, recomendando aos seus dirigentes a “não clericalizar os leigos”, a ser “mais popular” (o “populismo”, esclareceu, é outra coisa) e mais “encarnada” (uma fé não encarnada e não concreta, disse, exortando a Ação Católica a ser ativa na paróquia e na diocese, é o “anti-Cristo”), conscientes, advertiu, de que isso “causará problemas para vocês, porque quererão fazer parte da instituição pessoas que, aparentemente, não estão em condições de fazê-lo: famílias em que os pais não são casados na Igreja, homens e mulheres com um passado ou um presente difícil, mas que lutam, jovens desorientados e feridos”. No início, Francisco beijou um Evangelho encontrado no fundo de um bote de imigrantes que chegou em Lampedusa.
O projeto da Ação Católica, disse o papa no discurso aos 300 expoentes da associação, que ele recebeu na Aula Velha do Sínodo, em um longo discurso de mais de uma hora, proferido em espanhol e, às vezes, de improviso, “não é um projeto de proselitismo. Seria contra o Evangelho, eu me aproprio das palavras de Bento XVI: a Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração. Realmente me incomoda quando vejo agentes de pastoral, leigos, consagrados, sacerdotes, bispos que fazem proselitismo. Não, por atração: essa frase genial de Bento XVI deve marcar o nosso caminho”.
Nesse sentido, a Ação Católica deve ser “em saída”, e se ela, tradicionalmente, “tinha quatro pilares ou pernas: a oração, a formação, o sacrifício e o apostolado”, hoje, a primeira, disse o papa citando tanto o documento dos bispos latino-americanos de Aparecida, quanto a sua exortação apostólica Evangelii gaudium – uma “tradução” atualizada, disse, da Evangelii nuntiandi de Paulo VI –, é o apostolado, “depois vêm as outras”.
Portanto, “formem, rezem, sacrifiquem-se”, disse o papa, mas sempre “olhando a missão”: “Convidaram-me para visitar uma creche, um lar de idosos, em vez de um jogo de futebol que eu não gostaria de perder? Sejamos concretos na proposta do sacrifício, não deve ser artificial nem narcisista. Deve ser como Jesus fez: formar-se, rezar, sacrificar-se, para renovar o compromisso evangelizador. Esse é um ponto claro para mim”.
“É vital”, disse o papa, “renovar e atualizar o compromisso da Ação Católica com a evangelização, chegando a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, em todas as periferias existenciais, verdadeiramente, não como uma simples formulação de princípios”. Francisco citou “os pobres, os agnósticos, os doentes” como exemplos de periferias para ser “missionários”.
O importante, continuou, criticando a tentação de “permanecer fixos”, é “repensar os planos de formação, as formas de apostolado e até mesmo a própria oração, para que sejam essencialmente, e não ocasionalmente, missionários. Abandonar o velho critério: porque sempre se fez assim. Há coisas que foram realmente muito boas e meritórias, que hoje estariam fora de contexto, se as quiséssemos repetir”.
Para esse objetivo, a Ação Católica não deve ser um “satélite”, mas deve “encarnar-se em uma paróquia e viver o espírito de ‘diocesanidade’”, ou seja, a conexão constante com o bispo local: “A Ação Católica adquire vida autêntica respondendo e assumindo como própria a pastoral de cada Igreja diocesana na sua inserção concreta a partir das paróquias”.
É preciso “encarnar-se concretamente”, insistiu o papa. “Isto é o católico. A primeira heresia da Igreja, que foi combatida pelo apóstolo João, é não acreditar que Deus se encarna: quem nega que Deus se fez carne é anti-Cristo e, se um movimento não se encarna na realidade da diocese, através da paróquia, não está nessa linha de ser cristão. Quando nos deparamos com aqueles grupinhos que talvez, com muito estudo, porém, vivem para si, talvez sejam santos, mas não católicos. E uma Ação Católica que não se encarna não é católica, é ação, muito boa talvez, mas não católica”.
De modo mais geral, “o protocolo sobre o qual seremos julgados é muito concreto. Lemo-lo em Mateus 25, e quando recitamos o Credo afirmamos coisas concretas. Não há um único artigo do Credo que não seja concreto. A nossa fé é concreta. E, quando falta à fé a concretude, a fé não é católica. O católico é sempre concreto”.
O papa também recomendou que todos os membros da Ação Católica sejam “dinamicamente missionários”, sem exceção, e nesse sentido é preciso evitar “cair na tentação perfeccionista da eterna preparação para a missão e das eternas análises, que, quando se concluem, já passaram de moda ou estão superadas: quantas energias da Cúria diocesana ou religiosa são dedicadas a planos pastorais que, quando estão terminados, já estão passados!”.
Para o papa, que reiterou a importância de não “descartar” os jovens e os idosos na nossa sociedade, “aprende-se a evangelizar evangelizando, assim como se aprende a rezar rezando, se o nosso coração está bem disposto. Todos podem ir em missão, embora nem todos possam sair pelas ruas ou pelos campos”.
Todos os homens “e todas as periferias” são “destinatários” da evangelização, disse o papa ainda: “É necessário que a Ação Católica esteja presente no mundo político, empresarial, profissional, mas não porque acreditamos que somos cristãos perfeitos e formados, mas para servir melhor”. Se não se apresenta “nas prisões, até mesmo com os condenados à prisão perpétua, nos hospitais, nas ruas, nas favelas, nas fábricas”, a Ação Católica “será uma instituição de exclusivistas que não dizem nada a ninguém, nem mesmo à própria Igreja”.
Francisco insistiu: “Quero uma Ação Católica entre as pessoas, na paróquia, na diocese, na cidade, no bairro, na família, no estudo e no trabalho no campo, nos âmbitos próprios da vida”.
Bergoglio, depois, dirigiu uma oração aos dirigentes: “Por favor, não sejam alfândegas. Vocês não podem ser mais restritivos do que a própria Igreja, nem mais papistas do que o papa. Por favor – disse, entre os aplausos –, abram as portas, não façam exames de perfeição cristã, porque, ao fazerem isso, promoverão um farisaísmo hipócrita. É preciso misericórdia ativa”.
Todos, disse, “têm direito a serem evangelizadores”. E a Ação Católica pode oferecer “o espaço de acolhida e de experiência cristã àqueles que, por motivos pessoais, sentem-se ‘cristãos de segunda ordem’”.
Quanto ao modo de evangelizar, é preciso estar, para o Papa Francisco, “no meio do povo”: “Quando eu digo povo, não quero dizer populismo – especificou –, as pessoas, o povo de Deus. Pode-se falar de povo como categoria lógica, pode-se falar de populismo, falar dele ideologicamente, mas povo é uma categoria mítica: o povo, as pessoas seguiam a Jesus porque ele curava os enfermos e falava com autoridade”.
E “como disse o Concílio e como rezamos muitas vezes na missa: atentos e compartilhando as lutas e as esperanças dos homens para lhes mostrar o caminho da salvação. A Ação Católica não pode ficar em um laboratório, longe do povo, mas ela vem do povo e deve estar no meio do povo. Vocês devem popularizar mais a Ação Católica. Trazer pessoas que não estão na elite da sociedade? Não, não digo isso de modo ideológico, essa é a ideologia do povo. Eu digo isso como categoria mítica do povo, o santo povo fiel de Deus. Não é uma questão de imagem, mas de vericidade e de carisma. Também não é demagogia, mas seguir os passos do Mestre que não sentiu nojo de nada”.
Por isso, é bom “descobrir quais são os seus interesses e as suas buscas, quais são os seus anseios e as suas feridas mais profundas, e de que ele precisa de nós. Isso é essencial para não cair na esterilidade de dar respostas a perguntas que ninguém se faz. Os modos de evangelizar podem ser pensados a partir de uma escrivaninha, mas só depois de estar no meio do povo, e não ao contrário”.
É claro, especificou o papa, “uma Ação Católica mais popular, mais encarnada, causará problemas a vocês, porque quererão fazer parte da instituição pessoas que, aparentemente, não estão em condições de fazê-lo: famílias em que os pais não são casados na Igreja, hoje um fenômeno generalizado, homens e mulheres com um passado ou um presente difícil, mas que lutam, jovens desorientados e feridos. É um desafio à maternidade eclesial da Ação Católica: receber a todos e acompanhá-los no caminho da vida com as cruzes que carregam sobre as costas”.
O papa recomendou ainda: “Não clericalizem o laicato. Falo isso a sério, porque me preocupa. Que a aspiração dos seus membros não seja de fazer parte do sinédrio das paróquias que circunda o pároco, mas a paixão pelo Reino”.
O papa concluiu o seu longo discurso, recordando que, “na publicação ‘La Acción Católica a luz de la teología tomista’, de 1937, lê-se: ‘Talvez a Ação Católica não deveria se traduzir em Paixão Católica?’. Era 1937, eu tinha um ano... A paixão católica, a paixão da Igreja é viver a doce e reconfortante alegria de evangelizar. É disso que precisamos da Ação Católica. Obrigado, e peço perdão pelo comprimento [do discurso]!”.
O encontro, introduzido pelo cardeal Kevin Farrell, foi precedido por uma série de testemunhos de membros da Federação Internacional da associação. Entre outros, alguns representantes da Ação Católica de Lampedusa, Salvatore Scibetta e o assistente, Pe. Carmelo La Magra, na linha de frente na acolhida dos migrantes.
“O que foi doado ao Santo Padre de Lampedusa – explicou Emilio Inzaurraga, coordenador do Fórum Internacional da Ação Católica – é uma cópia do Novo Testamento e Salmos em inglês, encontrada no fundo de um bote. Não temos conhecimento do destino da pessoa que guardava esse texto, só sabemos que uma das páginas, atingida pela viagem, está dobrada cuidadosamente no Salmo 55, que começa assim: ‘Dá ouvido à minha prece, ó Deus, não te furtes à minha súplica! Presta atenção e responde-me, porque as ansiedades me agitam! Estremeço ante a voz do inimigo, diante dos gritos do injusto. Eles fazem recair sobre mim calamidades, e me acusam com raiva’. Essas palavras descrevem perfeitamente os sentimentos e as orações dos migrantes que chegam até nós e que cotidianamente encontramos”, disse Inzaurraga.
E o Papa Francisco tomou o Evangelho e o beijou.
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"Não sejam mais papistas do que o papa, mais restritivos do que a Igreja", pede Francisco aos leigos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU