Brasil. A cada hora nasce uma nova organização religiosa

Fonte: Wikimedia Commons

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17 Abril 2017

Crescei e multiplicai-vos. A exortação católica foi tomada ao pé da letra pelo mundo evangélico e além. Desde 2010 no país sul-americano a cada hora nasce uma nova organização religiosa. São os dados impressionantes citados na pesquisa realizada pelo jornal O Globo. O fisco brasileiro registrou 67.951 entidades sob a rubrica de “organizações religiosas ou filosóficas”, uma média de 25 por dia. Segundo o relatório, os principais motivos que podem explicar o fenômeno são a facilidade para a abertura de novas igrejas, o fortalecimento do movimento neopentecostal e os efeitos da situação econômica.

A reportagem é de Rafael Marcoccia, publicada por Tierras de América, 11-04-2017.

O processo para abrir uma organização religiosa ou filosófica no Brasil é simples e rápido. Basta registrar a ata de fundação no cartório, solicitar à Receita Federal o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e pedir à prefeitura e ao governo do Estado o alvará de funcionamento e a imunidade tributária. A Constituição Brasileira proíbe a cobrança de imposto de “templos de qualquer culto”, que são isentos do pagamento de impostos sobre propriedade e de renda sobre as doações recebidas. O texto constitucional estabelece ainda a liberdade de culto e, assim, não há a necessidade de apresentar requisitos teológicos ou doutrinários para abrir uma igreja. A facilidade faz com que muitas organizações sequer tenham um lugar, próprio ou alugado, para receber os fiéis, informando o endereço de imóveis residenciais ou de outras empresas como sendo seus.

A reportagem de O Globo ouviu a teóloga Maria Clara Bingemer, que aponta a migração de fieis como um dos motivos que possibilita o surgimento de novas entidades religiosas. A experiência mais comum, segundo a teóloga, é o de integrantes de igrejas que, ao adquirir o domínio da doutrina e das pregações, resolvem abrir sua própria igreja. “Os fiéis dessas igrejas neopentecostais, muitas vezes, são ex-católicos, ex-protestantes, estavam em outras religiões e migraram. Mas não permanecem: elas são lugar de trânsito”.

Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) citados pelo O Globo mostram que há 21.333 CNPJs ativos de organizações religiosas. O estado campeão, no período de janeiro de 2010 a março desse ano, foi São Paulo, com 17.052.

Suspeitas. O enorme crescimento das organizações religiosas no país despertou muitas suspeitas. A principal é de que muitas dessas associações são de fachada, criadas apenas para adquirir imunidade fiscal, sem ter um caráter religioso de fato. Para contornar o problema, está em tramitação no Congresso brasileiro um projeto de lei para retirar as isenções, sobre a qual não existe concordância de opiniões.

Outra questão que tem suscitado debates é a presença maciça de programas produzidos por igrejas evangélicas nas grades das emissoras de televisão. Sobre o tema, interveio o Ministério Público Federal (MPF), que apura possíveis irregularidades na prática. De acordo com a reportagem, duas hipóteses sustentam as investigações, que acontecem no Rio e em São Paulo: a subconcessão, que é proibida por lei; e o desrespeito ao limite estipulado para a propaganda, hoje em 25%.

O caso mais notável é o canal de televisão CNT, que em sua programação tem cerca de 90% da programação vendida para Igreja Universal do Reino de Deus. O Globo ouviu dois procuradores da República: Pedro Machado, à frente do processo em São Paulo, e Sérgio Suiama, responsável pela investigação no Rio. Machado afirma que a prática configura uma “transferência indireta” da concessão para a Igreja Universal do Reino de Deus. Portanto, “o desvirtuamento de um serviço público concedido pela União”. Suiama acrescenta outro elemento à discussão: a desigualdade no uso do espaço de uma concessão pública. Sustenta que “todos podem pregar na praça, mas na TV, que também é um espaço público, só quem paga pode fazer a pregação”. Só as igrejas mais poderosas e com mais dinheiro podem financiar isso. “Ou autoriza todo mundo a ocupar o espaço”, conclui Suiama, “ou proíbe todo mundo”. De acordo com O Globo, no entanto, o Ministério das Comunicações não vê irregularidade no caso da CNT. Conforme consta nos autos do processo, para o Ministério, as regras para radiodifusão não estabelecem limites para a produção de programas por terceiros, o que, de acordo com esta interpretação, seria o caso, e não uma relação publicitária. Também as emissoras acusadas negam irregularidades, sustentando que são responsáveis pelos conteúdos veiculados e garantem que respeitam os limites máximos determinados por lei para a exibição de publicidade.

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