21 Janeiro 2017
À direita: o deserto, com as labaredas dos poços que marcam o sul da Bacia Permiana. À esquerda: na medida em que a estrada se aproxima de El Paso, também há o deserto. E nesse deserto, um muro de concreto.
Este, não foi Trump que fez. Mede 230 quilômetros de comprimento e estende-se ao longo do extremo oeste da fronteira entre Chihuaha e Texas. Depois continua, com interrupções, ao longo da linha que separa o México dos EUA, no Novo México, Arizona e Califórnia. No total, dos 3.200 quilômetros de fronteira entre os dois países, mais de 1000 já estão fortificados, sobretudo com cercas de metal e de arame farpado, que inclusive adentram a várias dezenas de metros no Oceano Pacífico, em uma praia da Califórnia que separa as cidades de Mexicali (nos EUA) e Calexico (no México).
A reportagem é de Pablo Pardo, publicada por El Mundo, 20-01-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Em outros 2.000 quilômetros há uma "cerca virtual", formada por sensores infravermelhos, patrulhas de fronteira em "quads", veículos todo-o-terreno, helicópteros e aviões, e uma enorme quantidade de drones (aviões sem piloto) buscando a olhos eletrônicos qualquer imigrante ilegal latino-americano tentando cruzar a fronteira. O ex-governador do Texas Rick Perry, nomeado por Trump para o cargo de secretário de Energia, propôs que o muro que os EUA querem construir seja todo assim: eletrônico. Mas a sua ideia não foi bem sucedida. Trump continua a dizer que será construído um muro. E que o México irá pagá-lo. O presidente do país, Enrique Peña-Nieto, ainda nesta quarta-feira, recordou que "obviamente isso não irá acontecer".
O muro entre os EUA e o México
Mas, deixando de lado a fatura, como será a parede? O que existe agora é uma amálgama de barreiras. Em alguns segmentos há, inclusive, muros duplos. O presidente eleito disse que quer fazer "um muro grande, enorme e bonito", e que possivelmente levará seu nome. Depois da Muralha de Adriano na Escócia, o Muro de Trump. De fato, justamente na Escócia, Trump já amuralhou o seu campo de golfe para separá-lo das casas de vários vizinhos, e além disso, entregou-lhes a conta. Ele não conseguiu que os muros fossem pagos, "e o México tampouco pagará", declarou ao The New York Times, em novembro, David Milne, uma das pessoas afetadas.
Se Trump quer um muro, primeiramente deve derrubar os 1.000 quilômetros já existentes ou construir um muro junto dos que já existem. Trabalho em dobro. E mais gastos. Para não mencionar a questão burocrática. Fazer o muro gera conflito com pelo menos 7 leis de proteção ambiental e do patrimônio cultural. É este labirinto jurídico que fez com que a lei de setembro de 2006, que previa a construção de uma cerca farpada dupla de 1.100 quilômetros na fronteira, tenha sido capaz de produzir apenas 40 quilômetros de barreiras em torno da cidade de Yuma, no Arizona.
Essa lei e uma outra de 2008 são as que, de acordo com Trump, proporciona-lhe autoridade para construir o muro. Mas uma coisa é a autoridade e outra, o dinheiro. Destinar uma rubrica orçamental é responsabilidade do Congresso. E nem sequer os republicanos, que controlam o poder legislativo, disseram que destinarão fundos para o que seria o maior projeto de infraestrutura dos EUA desde o plano de estradas interestaduais, que levou 30 anos para ser concluído.
O custo é impossível de ser calculado. A administração de Obama estimou em 2009 que construir um muro de metal coberto por arame farpado, que é o tipo de barreira mais comum na fronteira, nos 2.200 quilômetros que não estão cercados, custaria 5,1 bilhões de dólares (4,8 bilhões de euros) . Em fevereiro, Trump disse que seu muro custaria 8 bilhões de dólares (7,5 bilhões de euros). Em setembro, o orçamento subiu para 12 bilhões de dólares. A cifra mais comum prevista nos EUA é de 25 bilhões (23,5 bilhões de euros). Não é uma grande quantia de dinheiro para os Estados Unidos, pois supõe-se que seja o que o Departamento de Defesa gasta em 14 horas, mas, mesmo assim, qualquer congressista pensará bastante antes de dar o "sim". Porque, além disso, tudo está sendo calculado sem considerar a manutenção do muro.
Aliás, todas essas especulações esqueceram um fato importante: Trump nunca disse como seria o muro. No início do debate dos candidatos presidenciais republicanos do dia 25 de fevereiro de 2016, ele disse que o muro teria uma altura média "entre 55 e 65 pés" (16,7 a 19,8 metros). Ao final do debate, o muro já estava em "80 pés" (24,3 metros). Como referência, a Grande Muralha da China mede cerca de 7,6 metros de altura, e o Muro de Berlim tinha 5,5. Segundo o diretor da revista especializada 'Concrete Construction', construir um muro de 24,3 metros de altura com blocos de concreto de 9 metros absorveria 10% da produção norte-americana anual de cimento. Claro que o México tem muito a ganhar: a empresa com o maior número de fábricas de cimento perto da fronteira dos dois países é a Cemex (Cementos Mexicanos), o segundo maior fornecedor de materiais de construção no mundo, logo após a francesa LafargeHolcim.
A Cemex, caso seja necessário, só teria que fornecer os materiais. Então, não teria muitos problemas. Quem não ficaria tão bem seriam os projetistas e construtores do muro, porque o trabalho apresenta um risco jurídico considerável. A muralha de Trump atravessaria um rio, o Colorado, e seguiria em paralelo por mais de 1.000 quilômetros rumo a outro, o Rio Grande, que recebe vários afluentes na região. Isso é um pesadelo ambiental. E outro, legal.
Embora quase não tenha sido falado sobre isso, o aspecto jurídico é de repugnar. Porque se há 2.000 quilômetros de fronteira sem muros, a grande maioria no Texas, não é porque ninguém tenha pensado. É porque nesse estado, ao contrário do Arizona, Novo México e Califórnia, a maioria esmagadora dos terrenos da fronteira que fazem limite com o México são de propriedade privada, não pública. Isso faz com que o Congresso tenha de decidir sobre a sua expropriação parcial, uma vez que as barreiras entre os dois países estão entre um e cem metros dentro do território dos Estados Unidos e, obviamente, o México não deixará passar retroescavadeiras no seu território. Expropriar e construir infraestruturas nos EUA é complicado, como bem sabe as construtoras espanholas envolvidas na construção do primeiro trem-bala AVE do país, um projeto que começou na Flórida em 2009, foi transladado em 2011 para a Califórnia, e que, na melhor das possibilidades, só será capaz de transportar um único passageiro até 2019.
Porque os EUA são um país federalizado, e tem uma enorme descentralização. Os condados terão muito a dizer sobre onde o muro passará e como isso será feito. Os estados, ainda mais. E dois dos quatro estados que seriam atravessados pela obra de Trump são democratas: o Novo México e a Califórnia. Mesmo que o governo de Washington imponha sua vontade, necessitará dar garantias para as empresas de construção e aos estúdios de arquitetura para que não os levem a julgamento.
Por isso, é muito mais fácil gritar nos comícios "Que se construa o muro!" do que fazê-lo. Converter o slogan em realidade não é impossível, mas pode ser muito mais demorado e complicado do que parece. Tudo isso para não entrar no tema mais importante: desde 2008, os Estados Unidos têm um saldo migratório negativo. Em outras palavras, o número de pessoas que vai embora do país é maior do que o número de pessoas que entra.
Há um outro detalhe que é quase sarcástico. Entre 50% e 75% dos imigrantes ilegais norte-americanos entraram como Deus mandou: pela aduana. São pessoas que chegam com visto e depois não se vão. O muro será levantado em áreas como o Deserto de Sonora, onde quase não existem barreiras porque os poucos ilegais que passam pelo local tendem a acabar no necrotério de Tucson, no Arizona, depois de morrer de sede. Além disso, inclusive segundo alguns seguidores de Trump, o muro será apenas um negócio para as máfias de imigrantes. Mas o maior ponto de entrada para a imigração ilegal nos Estados Unidos, que é o Aeroporto Kennedy, em Nova York, vai continuar a operar sem nenhum problema.
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Um muro de interrogações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU