19 Dezembro 2016
"A direita está fragmentada e à procura de um líder, porque Temer perdeu a pouca autoridade que tinha e agora todo mundo joga seu próprio jogo. Os protestos continuarão já que a população está percebendo que essas pessoas vieram para roubar."
A entrevista é de Dario Pignotti, publicada por Página/12, 17-12-2016. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
"O governo de Temer terminou", sustenta Antonio Lisboa, o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores.
Eis a entrevista.
Se chegou o fim para Temer, quem governa?
Após o golpe contra Dilma, Temer assumiu sem ter popularidade, apoiado por seus parceiros de maneira condicionada. Agora, este apoio se desintegrou, porque a direita está fragmentada. A direita está à procura de um líder, porque Temer perdeu a pouca autoridade que tinha e agora todo mundo joga seu próprio jogo. O PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) figura como partido de coalizão, mas está com um pé para fora do governo. O mesmo acontece com outros partidos que apoiaram Temer apenas para tirar o PT do poder. Assim como afirma uma pesquisa do último domingo, quem vai apoiar um presidente sem votos, que tem 63 por cento da opinião pública pedindo que renuncie e convoque novas eleições? Quem vai estar ao lado de um presidente que em sete meses no cargo, mesmo com todo o apoio da mídia, já tem uma imagem pior do que a de Dilma antes de cair e de quando ela era massacrada pela imprensa? E essa impopularidade de Temer agora é certamente mais alta, pois a pesquisa do Datafolha foi feita antes de que se soubesse que ele recebeu 10 milhões de reais (2,9 milhões de dólares) de dinheiro sujo, em 2014.
Se Temer não terminar o mandato, quem vai sucedê-lo?
Começaria dizendo que estamos diante de um quadro de colapso geral, em que este governo se afundou muito antes do que esperávamos nós da CUT, as forças de esquerda e os movimentos sociais. Creio que os protestos vão continuar crescendo porque a população está percebendo que essa gente veio para roubar e para obedecer aos banqueiros. E como estamos vendo, quanto mais protestos, mais repressão, pois estão aplicando a lei de segurança nacional contra os manifestantes. Nós, como parte da CUT, exigimos eleições diretas e a convocação de uma assembleia constituinte que tenha como ponto principal a reforma política. Mas na verdade não acredito que conseguiremos as diretas, pois para isso acontecer, a lei estabelece que Temer teria que renunciar até o dia 31 de dezembro, e isso não vai acontecer. O mais provável é que hajam eleições indiretas ao longo de 2017 e, neste cenário, o candidato favorito é Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um político muito bem visto nas elites locais e por Washington. Ele é o nome mais confiável para o capital transnacional.
Nenhum golpe é nacional.
Com certeza, este golpe teve uma motivação estratégica do ponto de vista global, porque o Brasil é um agente de peso na região e os Estados Unidos estavam envolvidos na queda de Dilma.
Aqui houveram questões que pesaram muito para isso, como por exemplo, as reservas gigantes de petróleo que ficaram nas mãos da Petrobrás durante os governos de Lula e Dilma, contrariando as multinacionais. E, obviamente, havia um apoio decisivo das elites brasileiras que querem preservar os seus interesses e os seus privilégios. Enquanto houve crescimento, as coisas estavam relativamente tranquilas. Em 2010, o último ano do governo Lula, o Brasil cresceu mais de 7%, mas em seguida, diminuiu seu ritmo com taxas de crescimento muito menores, até 2012. Mas na medida em que a crise se agravou, acabou-se a tolerância das elites com a distribuição de renda pública e as políticas sociais. Este ano, a economia vai cair cerca de 3,5% e no ano passado caiu 3,8%. Quando há recessão, o capital não aceita perder sua taxa de lucro e a primeira coisa que faz é tomar do trabalhador, e se agora temos 12 milhões de desempregados, esse número vai continuar crescendo com a cumplicidade do governo que já demonstrou que as suas prioridades são as reformas previdenciária e trabalhista. Este é o golpe da concentração de riquezas que garante que este país siga sendo injusto como sempre foi. A reforma trabalhista vem para retirar os mínimos direitos que possui a classe trabalhadora brasileira.
Ontem pela noite, o grupo de deputados do PT lamentou a "ditadura judicial" incorporada pelos promotores públicos que, horas antes, apresentaram uma nova denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva, na causa sobre o Petrolão.
"Esses promotores e o juiz Sérgio Moro (encarregado do processo) perderam o senso da razão com suas acusações inverossímeis, pois eles utilizam as denúncias e as sentenças, de maneira seletiva, para fazer política contra Lula e o PT", denunciaram os legisladores.
Antonio Lisboa compartilha do questionamento formulado pelo PT ao qual acrescenta "este golpe de Estado teve um componente judicial muito claro, de um grupo de promotores e juízes que participaram de maneira militante contra o governo democrático, e especialmente contra Lula, que é o maior líder popular que este país já teve. Em uma pesquisa que fizemos há alguns meses, Lula foi considerado o melhor presidente da história do Brasil por 50% das pessoas, enquanto Fernando Henrique Cardoso foi escolhido por apenas 9%".
"O golpe não terminou com a queda de Dilma. Temos este grupo de promotores e o juiz Moro que dedicam-se a perseguir Lula a partir de acusações irrisórias, como por exemplo, a tentativa de acusá-lo de ser o proprietário de um apartamento ao qual os mesmos promotores reconhecem que ele nunca tenha estado lá".
"Esta perseguição não é inocente, eles têm uma intenção clara de impedir que Lula seja candidato nas eleições de 2018, e essa insistência contribui para aumentar o colapso político, porque já há setores da própria direita que se distanciaram de Moro, porque alguns pensam que ele quer ser candidato à presidência", sustenta Lisboa.
O líder da maior entidade sindical da América Latina retorna à ideia de "colapso" para referir-se aos embates públicos entre os políticos oficialistas e juízes, acusados de uma febre justiceira que alimenta a desestabilização. São disputas que alimentam as "tentativas de golpe dentro do golpe", expõe.
Até onde realmente podem chegar esses golpes internos, tem algum peso verdadeiro aqueles grupos extremistas que insinuam uma solução militar?
Para o capital transnacional, que é acima de tudo o capital financeiro, não é muito conveniente ter os militares governando. Hoje os militares são vistos como um fator de insegurança para os investidores estrangeiros. O problema é que no Brasil tudo está se tornando muito imprevisível e neste fim de semana o comandante do exército, o General Villas Boas, declarou ao jornal Estado de São Paulo que as chances de uma intervenção militar são zero. Agora é necessário entender por qual motivo um jornal entrevistou o general justamente quando a crise está no seu pior momento. Uma possível resposta é que o Estadão representa os setores das elites que há algum tempo estão sinalizando que a solução militar não está totalmente descartada. Mas em última análise, acredito que estejamos falando de uma possibilidade remota porque os próprios militares reconhecem que eles ficaram muito desprestigiados após o golpe e os 21 anos de ditadura (1964-1985).
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"O governo de Michel Temer terminou" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU