16 Dezembro 2016
Uma das mais controvertidas inclusões no projeto do governo de José Ivo Sartori (PMDB) que prevê a extinção de nove fundações estaduais, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) está ameaçada de fechar as portas, ter a grande maioria de seus 36 doutores e 93 mestres demitidos e ver o seu trabalho ser repassado para dentro do governo. A justificativa oficial é de que a FEE ficou muito cara e precisa ser extinta para que o governo possa investir em áreas essenciais. Para defensores da entidade, porém, o prejuízo com o fechamento da instituição que produz os mais relevantes dados econômicos e populacionais do Estado pode superar em muito a economia projetada. A frase que marca a campanha de defesa da entidade vai nessa linha: “sem conhecimento, não há futuro”.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 16-12-2016.
Anunciada junto com o pacote de ajuste fiscal em 21 de novembro, a perspectiva da extinção da FEE gerou reações contrárias de políticos e economistas de diversos espectros. A ex-presidenta Dilma Rousseff, que presidiu a fundação no início dos anos 1990, classificou o projeto como “verdadeiro atentado ao patrimônio dos gaúchos”.
Dilma ressaltou que a FEE produz estatísticas e indicadores que ajudam no desenvolvimento do Estado. “Se hoje o Rio Grande do Sul dispõe de uma matriz insumo-produto, de indicadores sobre o agronegócio, de estimativas do PIB, de índices de vendas no Comércio e na Indústria, que permitem conhecer a estrutura produtiva do Estado e direcionar as políticas de estímulo à produção, é porque a FEE os produz”, afirmou em nota.
Por outro lado, o ex-secretário da Fazenda do governo Yeda Crusius (PSDB) e também ex-presidente da FEE, Aod Cunha, mesmo se declarando favorável ao pacote em geral, disse que não vê razões para a extinção da fundação. “(…) Sem a FEE, não tenho dúvida que o Estado acabará contratando um número muito maior de consultorias privadas por um custo maior. Aqui me parece que é um caso clássico de se jogar a criança fora junto com a água suja”, escreveu em nota publicada no site do jornalista Felipe Vieira.
Ex-presidente da FEE na época de sua fundação, em 1973, Rudi Braatz afirmou recentemente que um estudo da instituição sobre a economia gaúcha teve o peso definitivo para a instalação do Terceiro Polo Petroquímico, segundo João Paulo dos Reis Veloso, ministro do Planejamento dos governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, na ditadura militar.
A FEE também recebeu uma série de manifestações de apoio de entidades, como o Conselho Federal de Economia (Cofecon), o Conselho Universitário da UFRGS (Consun), a Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), entre outras.
Porta-voz de Sartori na defesa do pacote de extinções de fundações, o secretário-geral de governo, Carlos Búrigo (PMDB), afirma que a extinção da FEE faz parte de um trabalho de modernização no Estado que envolve o conceito de que o governo deve trabalhar apenas com as atividades essenciais, “dando foco principalmente à segurança, saúde, educação, infra-estrutura e projetos sociais”.
Búrigo diz reconhecer a importância do trabalho feito pela fundação, mas pondera que sua extinção não trará “nenhum prejuízo sobre os estudos técnicos, econômicos e de desenvolvimento que o RS precisa ter para orientar suas políticas de desenvolvimento”.
Ele defende que o trabalho essencial, que o governo estima ser 10% da produção total da FEE, poderá ser feito pelos servidores estáveis e com a contratação de consultorias privadas. “Nós sabemos que a FEE desenvolve uma atividade de pesquisa com profissionais importantes. Doutores, mestres, que fazem estudos sobre o desenvolvimento, com relação ao PIB, ao desemprego e outros estudos importantes. O que nós estamos avaliando é que para que o Estado possa ter esses estudos, nós não precisamos ter uma fundação com um custo tão alto, custando R$ 30 milhões ao ano, enquanto tem uma receita de apenas R$ 900 mil”, diz.
Segundo o secretário, atualmente a FEE conta com 163 servidores, sendo 32 estáveis que serão incorporados à secretária de Planejamento, Governança e Gestão. Os demais, contratos em regime de CLT, serão demitidos. Ele afirma que será criado um departamento ou um órgão específico dentro da pasta, ainda sem nome e estrutura definidos. “A nossa proposta é que a FEE seja extinta como fundação, mas o seu trabalho continue sendo exercida através de uma unidade junto à Secretaria de Planejamento“, diz.
Questionado se é possível realizar as pesquisas desejados com esse pessoal, Búrigo afirmou que sim, contando que parte dos estudos será realizado mediante a convênio com outras entidades e contratação de consultorias privadas.
Esta afirmação, porém, é questionada pelos atuais funcionários da FEE. Segundo a cientista política Ana Júlia Possamai, dos funcionários com estabilidade, apenas 18 seriam pesquisadores. “Tu assumir que 18 pessoas consigam levar os trabalhos é no mínimo estranho, mesmo com apoio de servidores da Secretaria do Planejamento. E mesmo porque eles já têm condições de se aposentar e estarão fazendo isso em breve. Então, acabar com a FEE e propor a incorporação de apenas 18 pesquisadores seria realmente terminar com a pesquisa”, afirma.
Os pesquisadores da FEE também questionam a ideia de que o trabalho da fundação pode ser substituídos por trabalhos de consultorias privadas. Alegam, por exemplo, que indicadores oficiais desenvolvidos em parceria com o IBGE, ou até mesmo o acesso ao banco de dados do IBGE, só é possível para instituições de competência e credibilidade reconhecidas. A FEE, hoje, faz parte da Anipes, rede que reúne as principais instituições de Planejamento, Pesquisa e Estatística do país.
“Se constitui uma fundação justamente pelos trabalhos específicos que demandam uma instituição que se queira que seus dados sejam críveis, que não tenha interferência e tenham continuidade”, afirma Ana Júlia. “Tu podes até contratar uma consultoria para calcular determinados índices. Agora, a gente sabe que os contratos de consultoria estão sujeitos às mudanças de governo, então podem ter interrupção. Eles estão sujeitos à legislação. Isso não ocorre com a FEE, que tem uma continuidade sem interferência. O fato de ser uma fundação justamente facilita na hora de cooperar com o IBGE. Como seria feita pela administração direta? Acho que nem tem como fazer”.
Já o diretor-técnico da FEE, o economista Martinho Lazzari, afirma que alguns trabalhos desenvolvidos simplesmente não podem ser substituídos. “Por exemplo, o cálculo do PIB dos municípios. A gente faz em parceria com o IBGE e com uma metodologia única aplicada em todos os estados sob a coordenação do IBGE, que só faz isso com fundações. Ou seja, tem que ter um parceiro que ele reconheça e confia. Não pode fazer com consultoria, porque não vai ter acesso ao banco de dados de IBGE e, se usar outra metodologia, não serve para nada”, diz.
Para os pesquisadores e defensores da FEE, ao propor a extinção da fundação, o governo não estaria levando em conta questões que são fundamentais para qualquer trabalho estatístico, como a necessidade de que os dados produzidos tenham credibilidade, portanto precisam ser isentos, e continuidade, sendo parte de séries históricas ininterruptas.
Lazzari pondera que a independência do governo é necessária porque indicadores produzidos pela entidade, como os cálculos do PIB e da população, são utilizados pelo governo do Estado para calcular a distribuição de recursos, portanto precisam ser isentos de interferência política.
“Hoje, mesmo com a Fundação, algumas prefeituras mandam reclamações para gente. Acham que a população é outra. Mas ninguém nunca foi na Justiça contra a FEE. Contra o IBGE já teve estados e prefeituras que entraram na Justiça, mas nunca ganharam. É uma questão de credibilidade. A Fundação, por ela estar indiretamente vinculada ao governo, o fato de ela não ter CCs – só o presidente que é indicado -, traz credibilidade e permite que a gente se descole um pouco das questões políticas. Tu levar essas questões para dentro de um departamento de uma secretaria, tu acaba sendo meio que tomado, querendo ou não querendo, pelo governo da época. É a questão da mulher de César, tu pode fazer um trabalho correto, mas sempre vai ficar aquela dúvida. E com esse tipo de informação, se tu tiver dúvida, já perde o sentido”, afirma.
Questionado se o trabalho de estatística não perderia credibilidade ao passar para dentro do governo, o secretário Búrigo disse “não acreditar que alguém vá interferir numa pesquisa feita por pesquisadores, sendo que a gente acredita nos profissionais, nos pesquisadores que vão ficar no governo”.
“Certamente, eles não vão trabalhar tendenciosamente com aquilo que esse ou aquele gestor pedir. Eles vão fazer seu trabalho e suas pesquisas de acordo com as suas convicções, de acordo com suas experiências profissionais e de acordo com as metodologias aplicadas. Tenho certeza que o resultado desse trabalho terá a mesma credibilidade que tem hoje numa vinculada ou numa fundação”, afirmou, acrescentando que “tem convicção” de que será possível manter a independência do trabalho realizado pelos pesquisadores.
Representantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – fundação pública federal da área -, porém, defendem que levar a pesquisa econômica e estatística para dentro da administração direta apresentaria um risco maior de enviesamento dos dados de acordo com os interesses do governo. “Não significa que isso aconteceria, mas o risco é maior”, diz Lucas Benevides, presidente da Associação dos Funcionários do IPEA (Afipea), uma das entidades a emitir nota em defesa da manutenção da FEE.
Na mesma linha, Roberto Henrique Sieczkowski Gonzalez, técnico de planejamento e pesquisa do IPEA, pontua que departamentos e órgãos da administração direta sempre mantêm uma relação de hierarquia com os governos, ainda que com limites. “Todo governo é muito sensível a críticas ou notícias que o contrariem. Quando tu tem um grau de autonomia maior, de alguma maneira isso impede que o governo interfira na publicação de resultados”, afirma. “É importante ter um grau de autonomia de quem é o dirigente de plantão. Isso é fundamental”, complementa.
Pelos cálculos do governo, a FEE custa atualmente R$ 30 milhões para os cofres do Estado. Com os cortes no custeio e as demissões, Búrigo calcula que será possível economizar cerca de R$ 25 milhões – os outros R$ 5 milhões seriam de servidores com estabilidade. Ele reconhece que ainda não é possível calcular quanto o Estado terá de gastar com a contratação de consultorias, mas afirma, subjetivamente, que “sem dúvida será muito menos do que R$ 30 milhões por ano”.
Por sua vez, os servidores da FEE, através de um site criado para defender a existência da instituição argumentam que a fundação reduziu seu custo real em 50% entre 2011 e 2016, com a participação nas despesas do Estado caindo de 0,13% para 0,06% no período. Alegam também que, mesmo com as demissões, a folha de remanescentes da fundação continuará custando R$ 13,8 milhões ao Estado.
Apontam também que, apenas recentemente, a FEE desenvolveu nove projetos para o governo do RS que, se fossem contratados pelo valor de mercado, teriam custado R$ 9,1 milhões aos cofres. Todos eles importantes para o planejamento e elaboração de programas econômicos e sociais, tais como: Projeto Recupera+RS, Índice de Necessidade de Creches, RS 2030, Relatório da Dívida Pública, Previsão do Caixa Único, assessoria para elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), estimativa do público-alvo do programa Primeira Infância Melhor, pareceres técnicos junto à Fepam e desenvolvimento do aplicativo CrimeVis, que faz o mapeamento dos crimes no Estado.
Búrigo questiona esses números e alega que a FEE já cobra os trabalhos feitos junto a órgãos da administração indireta e de outras entidades, trabalhos que somados renderiam apenas R$ 900 mil por ano à fundação.
Legalmente, a FEE é obrigada produzir os indicadores de população do RS, o PIB Regional, o PIB dos municípios e o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), indicador que é utilizado pelo governo do Estado na distribuição de recursos públicos. Além dessas obrigatoriedades, produz índices como o PIB trimestral, índices de vendas do comércio e da indústria, índice de exportações, do agronegócio, a pesquisa de emprego e desemprego da Região Metropolitana e uma série de estudos e pesquisas sobre a conjuntura nacional e internacional, economia, saúde, educação, meio ambiente e outras áreas. Segundo os servidores, ao menos 17 órgãos do governo estadual e de prefeituras, nove instituições de pesquisa e universidades e quatro empresas e entidades empresarias do Estado possuem parcerias com a FEE.
Ainda possui um acervo de 993 variáveis, com dados desde 1970, que estão disponíveis de forma aberta e gratuita para governos, empresas, universidades e empreendedores. Sem a FEE, esses municípios e empresas terão de buscar consultorias privadas para realizar o trabalho que hoje está disponível gratuitamente. “Se a FEE for cobrar de cada município o acesso a bancos de dados municipais, e a FEE tem o maior repositório de dados municipais do Estado, esse valor é exorbitante e ultrapassa em muito o valor da fundação”, pondera Ana Júlia.
Para ela, caso o governo deixe de calcular o PIB dos municípios, por exemplo, esse trabalho dificilmente continuaria a ser feito. “Até pode-se contratar, mas já imaginou 490 municípios contratando cada um a sua consultoria? Qual é a credibilidade e a comparabilidade de diferentes metodologias? Eu posso contratar uma consultoria que vai superestimar o meu PIB ou, ao contrário, dizer que ele foi inferior porque tenho interesse em acessar mais recursos”, pondera Ana Júlia.
Os pesquisadores ainda afirmam que as próprias consultorias que atualmente atuam no mercado gaúcho dependem dos dados produzidos pela FEE para realizarem seus trabalhos. “Toda consultoria da área de economia ou da área de ciências sociais que o Estado contrata liga para gente. Ou para buscar um dado de um trabalho que a gente já fez ou para validar. FEE, o que vocês acham? Está certo?”, pontua Martinho.
Ele cita ainda que órgãos do governo e as próprias federações empresariais, que unanimemente pedem a extinção das fundações envolvidas no pacote, solicitam dados e validação da FEE. “O próprio trabalho das consultorias, sem a FEE, seria bastante prejudicado, porque não existiriam mais esses dados e informações”, afirma.
Ana Júlia afirma que a contratação de consultorias também teria o prejuízo de que os dados produzidos por empresas privadas não estariam mais disponíveis abertamente. “Tu pode contratar várias consultorias para fazer o atendimento de demandas específicas. Agora, ela te entrega o resultado. Acabou, acabou. O conhecimento acumulado ficou com ela. A troca com o governo se finda com o fim do contrato. A relação com a FEE e o acúmulo de conhecimento de uma instituição de 43 anos é muito superior”, diz.
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Extinção da FEE pode acabar com credibilidade de indicadores econômicos do RS, alertam pesquisadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU