31 Outubro 2016
A eleição municipal de 2016 ocorreu num quadro de mudanças e incertezas, provocadas pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff e pelo avanço da Lava Jato contra os maiores financiadores de campanha e os maiores partidos políticos do Brasil. As mudanças nas regras eleitorais, com menos recursos e menor tempo de campanha, também influenciaram os resultados.
A reportagem é de João Paulo Charleaux, publicada por Nexo, 31-10-2016.
No fim, as eleições municipais produziram um mosaico de vencedores incertos - a pulverização partidária, característica do sistema brasileiro, foi ainda mais acentuada em 2016. O discurso do “candidato não-político” prosperou em grandes cidades, como São Paulo e Belo Horizonte, reproduzindo um fenômenos que, em 1989, levou Fernando Collor à Presidência.
Todas essas mudanças foram acentuadas nas cidades com mais de 800 mil habitantes. Porém, nos pequenos e médios municípios prevaleceram as dinâmicas de campanha mais pessoal e a influência direta dos temas locais.
Logo após a conclusão da apuração dos votos do segundo turno, no domingo (30), o Nexo conversou com o cientista político da UFRJ Jairo Nicolau sobre seis pontos que a eleição consagrou e seus significados para a disputa presidencial de 2018.
“Para medir desinteresse, teríamos de fazer pesquisas com entrevistas em nível nacional. O que os votos mostram é que tivemos possivelmente a eleição com a maior taxa de brancos, nulos e abstenções da história. Mesmo assim, não foi algo nacionalizado.
Isso aconteceu sobretudo nas maiores cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, assim como em todos os 19 municípios brasileiros com mais de 800 mil habitantes, quando o assunto é eleição para vereador. A Câmara é um bom termômetro porque todos os 35 partidos lançam candidatos em quase todos os municípios. A eleição para a Câmara é um termômetro potente para captar a opinião pública lá embaixo. São Paulo, por exemplo, teve recorde nacional de brancos e nulos.
Já nas cidades pequenas e médias, a campanha é diferente, a dinâmica é mais local - não há emissoras locais e o contato nas ruas é muito importante”.
“Essa campanha lembrou o que ocorreu nas eleições presidenciais de 1989. À época, essa interpretação [da preferência do eleitor por candidatos novatos] foi muito corrente, pois havia um desgaste muito grande do governo de José Sarney e dos líderes políticos que tinham feito a transição democrática.
No segundo turno, houve duas novidades [o vencedor, Fernando Collor (PRN), e o derrotado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT)], como agora no Rio de Janeiro: um candidato de esquerda como força emergente [o derrotado, Marcelo Freixo (PSOL)] e um outro de um pequeno partido [o eleito, Marcelo Crivella (PRB)]. Quando há crise dos partidos tradicionais, é normal que a população busque candidatos que não sejam tão marcados como alguém da velha política.
Isso ajuda a explicar o que houve em algumas cidades, mas, novamente, olhando para o cenário nacional, não é tão assim. Em Goiânia, por exemplo, quem venceu foi Iris Rezende [do PMDB, que foi vereador, deputado estadual, governador, senador e ministro]. Ele está longe de ser uma renovação. Já Rio, Belo Horizonte e São Paulo elegeram figuras incomuns. Em eleição local tem muito do jogo da cidade, dos líderes locais. Novamente, é difícil dizer que tenha sido um fenômeno nacional”.
“Foi uma campanha muito curtinha e, ainda por cima, pegou uma parte da Olimpíada e da Paraolimpíada, o que foi especialmente importante no caso do Rio. Acho um equívoco reduzir tanto o tempo de campanha quanto o formato. Aquelas placas de candidatos nas ruas eram abomináveis, eram nojentas, sujas, mas agora a cidade parece que vive uma campanha britânica. Não tinha sequer uma bandeirola. Eram só pessoas com adesivo.
Nunca vi uma eleição tão estranha. Um exemplo prosaico: amigos meus, politizados, com curso superior, me escreveram na reta final pedindo informações sobre candidatos. Não havia informação chegando ao eleitor como antes. Então, também pode haver brancos e nulos relacionados à falta de informação. Havia gente que não sabia em quem votar. É preciso revisar isso. Ficou uma campanha muito curta, com candidatos demais, com partidos demais. O eleitor estava acostumado com aquele ciclo de horário fixo de campanha, mais longo. Se não corrigirem isso, as eleições para deputado [em 2018] serão prejudicadas”.
“O custo caiu pela proibição das doações empresariais. A campanha custa o dinheiro o que o candidato arrecada. Houve um ajuste à realidade da arrecadação possível. Sou um entusiasta dessa medida e acho que não deveria voltar ao sistema anterior, no qual as empresas podiam doar. Isso tinha um efeito deletério nas eleições.
É bom lembrar que essa não foi uma decisão do Congresso. O Congresso havia conseguido, em votação em primeiro turno, passar uma emenda constitucional aprovando doação de empresas para partidos políticos. A proibição foi decretada pelo Supremo Tribunal Federal.
Da forma como está agora as fraudes são identificadas rapidamente. É muito mais fácil acompanhar pelo CPF dos doadores de campanha, com cadastro biométrico e cruzamento de informações por computador, pegando o cadastro de eleitor e os dados da Receita Federal. Isso pega milhares de pessoas em irregularidades. Nesse sistema é mais difícil fraudar”.
“O declínio do PT é o que mais espanta. Os dados são acachapantes. A queda foi em todas as regiões e em todo tipo de cidade. Foi muito forte. O futuro do PT será difícil em 2018 porque as eleições municipais mantêm uma relação estatística com as eleições para deputado. Os vereadores são cabos eleitorais locais. Então esse desastre de 2016 nas eleições para as Câmaras é importante. Já as derrotas do PT no Executivo foram muito simbólicas, como em São Paulo, Porto Alegre e Recife.
Se o partido tivesse compensado a perda de prefeituras com boa votação para a vereança, dareia um alento e uma compensação para o futuro, mas isso não houve. Então em 2018 o mais provável é que o partido vá mal para o Congresso. 2018 vai ser pior que o imaginado pelo PT, por causa desses dados das eleições locais.
Já o crescimento do PSDB não foi tão grande nas Câmaras. A legenda colheu vitórias de lideranças emergentes, jovens, com projeção nacional e isso é bom para o partido. As vitórias em São Paulo e em Porto Alegre também surpreenderam, pois são cidades importantes. Mas a minha impressão é que a derrota do PT é mais forte que a vitória do PSDB. O PSDB foi bem, manteve o que tinha e ganhou cidades importantes. Mas não foi uma vitória acachapante, inquestionável. Não foi uma grande lavada. O PSDB não foi um vitorioso, mesmo que o PT tenha sido um derrotado.
O Brasil vai caminhando para não ter partido grande. Vai caminhando para partidos médios e para partidos pequenos, de 20 ou 30 deputados. É difícil ver uma Câmara Municipal onde um único partido tenha muito mais de 10% dos vereadores. Temos 35 legendas hoje. A marca é muito mais a pulverização do que o bipartidarismo. Temos recorde mundial de pulverização partidária. Não sei qual mecanismo sistêmico pode parar isso. Não existe outro país no mundo no qual um partido não tenha mais de 20 deputados. E esse é o caso do Brasil”.
“Ainda é cedo para dizer, mas há sinais. O alto índice de votos brancos e nulos deve reaparecer em 2018. Na eleição para a Câmara dos Deputados isso deve ser ainda mais forte.
Não vejo espaço para a criação de novos partidos políticos. Se petistas dissidentes pensaram em fazer nova legenda tiveram na Rede um exemplo educativo, de uma sigla que quis se organizar um ano para o outro. Já o PSOL respirou um pouco. Teve desempenho de partido pequeno, mas em algumas cidades mostrou força. Pode eleger uma boa bancada para 2018.
Em 2018, os partidos provavelmente serão esses. O que haverá é o rearranjo das forças no fim de um ciclo político. A eleição presidencial é que vai reorganizar a política. Certos nomes é que vão galvanizar as forças políticos em torno deles. Mas esses nomes ainda não existem.
O PSDB sempre foi óbvio, mas não está posto para 2018. O PMDB pode perder grande parte de seus quadros por causa das denúncias. Ele terá também os impactos de estar agora no governo. O PT já sangrou e já sabe o tamanho da perda, mas o PMDB ainda não.
Assim como em 1989, este é um momento de renovação, de novas forças. Porém, ainda não está claro de onde virão essas novas forças”.
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A eleição acabou. O que fica agora, segundo o cientista político Jairo Nicolau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU