18 Outubro 2016
O telefone do padre Javier Pato Ávila toca com insistência. “O meu guarda-costas está me ligando. Está preocupado porque não sabe onde estou”, explica com naturalidade. O padre de 74 anos da Paróquia de Creel, Chihuahua, em pleno Triângulo Dourado das drogas do México, vive com câmeras de segurança em sua casa e seu gabinete, além de ter um homem armado atrás dele, para evitar que o matem.
A reportagem é de Javier Brandoli e publicada por El Mundo, 17-10-2016. A tradução é de André Langer.
Tudo começou em 16 de agosto de 2008, quando 12 jovens e um bebê morreram, todos com um tiro na cabeça após um ataque de narcotraficantes em Creel. Pato Ávila não pôde suportar mais e começou a denunciar tanta barbárie: “Se a gente ficasse calado, as pedras gritariam”, explica o religioso.
O padre Marcelo é ameaçado de morte e até já lhe prepararam uma emboscada para matá-lo. “Todos os homens me rodearam, entre as jardineiras, mas me avisaram de que estavam atrás de mim e consegui escapar, porque não me reconheceram”, recorda.
O sacerdote, que vive em Simojovel, plena zona miserável da serra de Chiapas, enfrentou o poder político e a corrupção mobilizando marchas de milhares de pessoas de sua localidade. “Agora há uma tensa calma, e quando há silêncio é mais perigoso”, adverte um homem que sabe o que enfrenta: “Vejo os carros e as pessoas que me seguem; claro que tenho medo, a ameaça é muito clara”.
Ambos os padres, que lutam há anos em um púlpito que eles levaram às ruas, reconhecem temer por suas vidas em dias em que três sacerdotes e quatro catequistas acabam de ser torturados e executados no México. A Igreja, sua base ao menos, converteu-se também em trincheira de uma guerra da qual ninguém escapa.
“A Igreja católica está em todas as partes, inclusive onde o crime e a droga dominam. Eles têm armas e nós temos o Evangelho”, explica ao El Mundo dom Alfonso Miranda, novo secretário-geral da Conferência Episcopal do México e homem próximo ao atual Papa.
“Somos humanos e mentiria se lhe dissesse que não tenho medo e olho para trás para ver se alguém está me seguindo. Mas havia uma realidade de opressão e tortura, também do Exército em suas operações contra os cartéis, em que queimavam casas e havia abusos, o que me obrigou a levantar a voz”, disse o padre de Creel, que há 41 anos está na empobrecida e indígena serra Tarahumara. Quem o ameaça? “Fui ameaçado por grupos do crime organizado e também pelo governo estadual”.
Ao sul, na serra de Chiapas, por onde se passa atravessando barreiras de estradas com pedágio das comunidades zapatistas e se observa em pontos estratégicos os quartéis militares que dominam o território sem adentrar-se, o padre Marcelo enfrenta aqueles que deveriam ser seus protetores: “O prefeito anterior de Simojovel foi preso com armas e drogas no dia 13 de junho de 2015 e foi libertado no dia 19 de janeiro porque sua causa penal foi engaveta pela Promotoria. Até a presidente dos Direitos Humanos da Secretaria de Governação questionou o fato de que não se fizesse nada”, disse o padre de 43 anos que vive em território comanche.
“Há lugares em que o crime domina. O que o sacerdote deve fazer? Deve ir embora ou levantar a voz e ser alvejado?”, pergunta-se Miranda. “O narco, em muitos casos, é outro líder social. Onde o Estado não chega, são eles que levantam escolas, clínicas e instalam a iluminação... De alguma maneira a Igreja e eles são dois grupos que buscam organizar a sociedade”, explica o especialista em segurança, Jonathan Furszyfer, do México Evalúa.
Tampouco a Igreja é uma harmonia de vozes perante este problema de violência que a atinge do mesmo jeito que ao resto do país: “Sim, há sacerdotes que respeito, mas me sobram dedos da mão para contar os bispos comprometidos”, assinala o padre de Creel. “Muitas vezes me parece irônico na eucaristia dizer: ‘a paz esteja com você’. Tenho vontade de dizer à pessoa: o que você vai fazer pela paz? Participar de uma marcha pela paz não me compromete com nada, me compromete fazê-lo sozinho, na praça, diante de todo o mundo”, disse o sacerdote no momento em que há marchas multitudinárias organizadas pela Igreja mexicana contra a possível regulação do matrimônio e a adoção gay.
“A questão dos casamentos igualitários é secundária. Preocupa-me a violência, a fome, a corrupção. Há temas que deviam nos preocupar mais que o casamento de gays e lésbicas. Aqui defendemos igualmente a todos”, disse o Pe. Marcelo.
“Atravessamos momentos de muita dor e tristeza. Tentou-se manchar o nome dos dois sacerdotes mortos em Veracruz dizendo que estavam bebendo e que os assassinos eram amigos, quando foram torturados, desfiguraram o corpo e o rosto. Não parece que foram muito amigos”, assinala dom Miranda.
O que acha da queixa de alguns padres que acreditam que a cúpula da Igreja mexicana não está totalmente comprometida na luta contra a violência e a corrupção?
“É um dever enfrentar as duas por todo o mal que provocam. Eu não vejo isso que você aponta. Após os trágicos acontecimentos destes dias, vimos como os bispos fecharam fileiras em Morelia e Veracruz com os sacerdotes, havia uma comunhão total”, conclui o padre Javier.
“Eu luto por justiça. Vale mais a vida dos outros do que a minha própria vida. Nós não queremos cargos públicos, somos pacifistas. O quinto mandamento diz ‘não matarás’”, conclui o padre Marcelo.
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Religiosos que combatem o crime no México: “Somos ameaçados pelos narcotraficantes e pelo Governo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU