28 Setembro 2016
Luca Mercalli, climatologista, presidente da Sociedade Meteorológica Italiana, professor da Universidade de Turim e da Trentino School of Mangement, de Trento, escreve: "A horta é uma interface, uma sutil camada de contato entre o céu, ou seja, a atmosfera, e a terra, ou seja, a litosfera, o solo".
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada no blog Just Out, 26-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A horta foi o grande protagonista do Salone del Gusto de Turim, dedicado à Mãe Terra, que se encerrou nessa segunda-feira, e que, durante cinco dias, foi um evento mundial, aberto pelo presidente da República italiana, Sergio Mattarella.
Justamente a Mattarella, o fundador do Slow Food, Carlo Petrini, lançou uma proposta: "Eu gostaria que houvesse uma horta no Quirinal [palácio do governo italiano], mas uma horta de verdade, que possa servir aos convidados que vão ao encontro do presidente e às escolas que visitam o palácio, que, para citar o seu antecessor Carlo Azeglio Ciampi, deve ser a casa dos italianos".
Um retorno à agricultura e o orgulho e a dignidade por aqueles que cultivam a terra: "A horta, na nossa cultura, não era separada do jardim e deveria voltar para lá, partindo do Quirinal", acrescentou Petrini. "Sofremos injustiça enormes. Em todo o mundo, os agricultores são explorados."
Justamente para celebrar a horta, Luca Mercalli publicou, pela editora Aboca, um livreto "com notas de meteorologia e ecologia agrária para salvar o clima e os repolhos". Trata-se de uma sequência ideal ao livro de Fritjof Capra Agricoltura e cambiamento climatico [Agricultura e mudanças climáticas], publicado na mesma coleção.
Parte-se de uma consideração que cada um de nós pode fazer: isto é, da deterioração das qualidades nutracêuticas, ou seja, as qualidades que realmente nos alimentam, e organoléticas (sabores, odores, cores) dos produtos agrícolas disponíveis na grande distribuição e da perda das bases cognitivas tradicionais, da conscientização da limitação dos recursos naturais e da necessidade de reduzir cada vez mais a dependência do nosso modelo econômico-social em relação à contribuição dos combustíveis fósseis, em grande parte responsáveis pelas mudanças climáticas e que não são eternos
"Em última análise – escreve Mercalli – a horta defende um pedaço, tão pequeno quanto vocês quiserem, mas absolutamente real do planeta Terra." E pode ser um bom caminho para assumir também as indicações da encíclica ecológica do Papa Francisco, Laudato si’.
A horta, de fato, é uma verdadeira escola de vida, que nos ensina a contemplar a natureza, as estações do ano, a conhecer as mudanças meteorológicas. Não é por acaso que Alice Waters, vice-presidente do Slow Food International, que ajudou a criar hortas de produção e didáticas em centenas de escolas dos Estados Unidos (e que convenceu Michele Obama a criar a horta da Casa Branca) visitou a horta escolar de Fossano (Cuneo) nos dias do Salone del Gusto, onde foi realizada uma conferência de Miguel Altieri, chileno e expoente da agroecologia, amplamente citado no livro de Mercalli, cujas sugestões também estão disponíveis para aqueles que não tem uma horta, já que, há alguns anos, na Itália, está crescendo a recuperação de terrenos cidadãos a serem dedicados a hortas urbanas sociais, confiadas em lotes de algumas dezenas de metros quadrados para os cidadãos que as solicitem.
Mas as capacidades terapêuticas e misericordiosas da horta não se restringem apenas às nossas latitudes civilizadas. "Eu, criança-soldado na África, recomecei a viver com as hortas do Slow Food", declarou Ibrahim Mansaray, agora com 28 anos, de Serra Leoa, durante os encontro da Terra Madre: "Eu não sei quantas pessoas eu matei, entre os 9 e os 14 anos. Eles me deram armas para conquistar as áreas mais ricas das minas de diamantes". Hoje, ele é agricultor e também ensina nas escolas: "Se eu posso ser perdoado, isso também significa que eu posso perdoar aqueles que roubaram a minha infância."
"Com a horta, aprendemos muitas coisas – afirma Mercalli no livro que acabou de escrever no "radiante dia de segunda-feira, 1º de agosto de 2016, no momento de cavar as batatas da horta" –, a manter um contato com o planeta real, em um tempo cada vez mais dominado pela vida tecnológica, a observar a extraordinária complexidade da biosfera e a interação dos seus componentes vivos, dos quais nós também fazemos parte."
Mas também aprendemos "paciência, tolerância, aceitação de erros e fracassos, mas nunca a rendição incondicional: sempre há outra chance. Aprendemos generosidade e partilha, porque os excedentes devem ser dados, porque, senão, apodrecem... Aprendemos a mansidão, porque, na horta, vencem a delicadeza e a ponderação, em vez da força e da prepotência... Sai-se do tempo linear para entrar novamente no tempo cíclico... Aprendemos a previdência e a responsabilidade, porque, nos suprimentos para o inverno, é preciso pensar ainda no verão".
"A horta – conclui Mercalli – não nos ensina apenas a ecologia planetária, mas também a da mente de Gregory Bateson e a inteligência ecológica de Daniel Goleman."
Talvez não seja por acaso que, em um grave momento de crise da civilização na Idade Média, foram os monges beneditinos que "salvaram" a cristandade, o Ocidente e... a agricultura.
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Uma horta entre o céu e a terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU