24 Agosto 2016
Realizada em Montreal 12ª edição artigo do Roberto Z. do grande encontro altermundista. Evento alcança grande mobilização no Canadá, mas exclui participantes do Sul e tem repercussão global mínima. Seu futuro está em debate.
O comentário é de Sérgio Ferrari, publicado por Outras Palavras, 23-08-2016.
Assim que foi concluído, em 14 de agosto, o 12º Fórum Social Mundial — o primeiro realizado em um país do “norte desenvolvido” –, já se abriu o processo de reflexão e o debate sobre o futuro. Estão em pauta os questionamentos, aportes e hipóteses sobre este que, nos últimos quinze anos, converteu-se no principal espaço auto-convocado da sociedade civil internacional. E mais, as perguntas sobre o estado de saúde do movimento altermundista internacional, o que implica também interrogar-se sobre a força atual real dos movimentos sociais que o sustentam.
“Respirou-se uma atmosfera diferente de outros fóruns anteriores. Seguramente não se viu a grande diversidade cultural de Mumbai, em 2004 (com mais de 80 mil participantes), nem sequer a urgência da participação de Túnis, em 2013 (60 mil participantes), quando foi organizado em um país em plena Primavera Árabe”, analisa Andrea Tognina, da equipe de comunicação da UNIA, a principal central sindical suíça.
Porém, continua ele, não se pode negar que um FSM convocado em um país industrializado permite desnudar e fazer visível que os problemas resultantes deste sistema econômico não golpeiam apenas o Sul, mas são globais. Sem menosprezar, confirma Tognina — que integrou a delegação de doze pessoas de seu sindicato — a riqueza da presença de canadenses e norte-americanos, muitos deles jovens. E a intensa atividade de centenas de voluntários que fizeram possível a realização de um FSM com uma organização quase perfeita.
“Sem dúvida, é a primeira edição que não conheceu problemas de organização. O programa de atividades estava circulando uma semana antes do início. Uma conquista logística-organizacional enorme”, enfatiza Markus Brun, responsável pelo Programa Sul de Ação Quaresmal de Católicos Suíços, que está presente, através de sua plataforma internacional, no Conselho Internacional, a instância facilitadora do FSM.
Brun resgata não apenas “o bom funcionamento do evento”, mas também sua própria metodologia. Com oficinas, assembleias de convergência, a Ágora de Iniciativas por um Mundo Melhor — um espaço inovador em relação aos encontros anteriores –, no sábado, 13 de agosto, que permitiu sintetizar propostas e calendários de mobilizações futuras. E com a volta das conferências centrais temáticas, uma fórmula de êxito nas primeiras edições, que depois foi abandonada. “Por exemplo, a conferência sobre os paraísos fiscais estava abarrotada de gente”, enfatiza.
Organização excelente é incompatível com participação massiva?, perguntamos. “É uma pergunta chave. O Canadá manteve uma política de outorga de vistos muito restritiva, especialmente aos representantes de países africanos e latino-americanos. O que, obviamente, conspirou contra uma participação maior”, destaca o militante associativo helvético, presente em quase todos os fóruns desde suas primeiras edições.
Segundo diversas fontes, não mais de mil pessoas vieram de países do “sul”. Uma proporção mínima, ante o total de 35 mil participantes. Realidade que se converteu em uma dor de cabeça para o Coletivo de Organização local, que fez o máximo possível para destravar a política migratória restritiva de seu país, sem sucesso. E de indignação para muitas delegações, particularmente latino-americanas e africanas. Não faltaram algumas vozes, incluindo a de delegados africanos, que se autocriticaram por não haver convocado um boicote aberto contra a viagem ao Canadá, em solidariedade aos ausentes por travas migratórias.
“Foi um Fórum Social Mundial muito positivo e importante”, sintetiza, em conversa por telefone, Carminda Mac Lorin, do Coletivo de Organização e um dos rostos mais midiáticos da edição canadense. “Inclusive, o grande problema que tivemos com os vistos, mesmo sendo uma realidade triste e penosa, permitiu fazer visível este tema, e muitos o compreenderam melhor.”
“Conseguimos pôr em debate público, nacional e internacional, as dramáticas restrições para a circulação das pessoas, as crises para mudar-se, o que atenta contra uma liberdade fundamental do ser humano”, explica Mac Lorin.
Ela reivindica como exitosa a presença de mais de 35 mil participantes proveniente de 125 países. “É preciso recordar que o Canadá conta com apenas 36 milhões de habitantes. Proporcionalmente, o que conseguimos mobilizar é muito importante. Não se pode comparar com os fóruns multitudinários do Brasil, um país-continente com 200 milhões de habitantes”, explica.
Quanto aos aspectos mais positivos do FSM 2016, “penso que conseguimos reafirmar a importância da solidariedade internacional Norte-Sul. Foi evidente que para as pessoas daqui, essa solidariedade é um valor chave e muito reconhecido.”
Não menos destacada — quanto aos feitos fatuais — a transcendência da mobilização de abertura do dia 9 de agosto, terça feira, enfatiza. “Viu-se não apenas uma excelente participação, mas também o aporte essencial de artistas.” Sem subestimar outras riquezas político-sociológicas que marcaram a edição canadense: a participação de diferentes culturas políticas; a mistura das diversas gerações; a convocatória a variados atores do movimento cidadão.
Foi memorável também a qualidade dos conteúdos debatidos e a abertura para tratá-los, destaca. “Temas de grande atualidade e transcendência para nossas práticas”, como migrações e militarização; ecologia; tratados de livre-comércio; desconstrução dos mercados financeiros; comércio justo; direito à moradia; cooperação e solidariedade; participação cidadã; direito de comunicação e meios de comunicação livres, para citar apenas alguns.
Quanto ao futuro, “ficam pendentes numerosos desafios para o movimento altermundista. Mesmo assim, tenho a impressão de que protagonizamos algo muito novo e fresco. Espero que a contribuição de Montreal possa inspirar, renovar e reforçar esta dinâmica internacional, que é fundamental”, sublinha Carminda Mac Lorin.
É um desafio mundial essencial, enfatiza, “contar com plataformas e espaços onde as pessoas, os movimentos, as redes, as campanhas possam encontrar-se, dialogar. Fica a certeza de que com unidade, perseverança e paciência é possível conseguir um FSM que de início era improvável e que contava com recursos muito escassos. Era algo gigantesco, e tivemos sucesso. Acreditamos na mudança, no envolvimento ativo de todos. Precisamos todos seguir apropriando-nos de um poder social que pertence, sem dúvida nenhuma, à socieade civil mundial e a seus movimentos.”
Sobre uma próxima edição, perguntamos para terminar à jovem militante altermundialista canadense de raízes também latino-americanas. “Não se falou nada a respeito. Nesse momento, o Conselho Internacional do FSM está reunido, mas para avaliar sua própria reestruturação. No momento, não houve nenhuma proposta ou candidatura de um país que queira organizar a próxima edição”, conclui.
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O Fórum Social Mundial chega ao Norte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU