24 Agosto 2016
A Olimpíada incentiva a prática esportiva, mas o estímulo dura pouco e não traz benefícios de longo prazo para os níveis de atividade física da população da cidade-sede. O legado dos Jogos para saúde seria, assim, "inexistente".
A reportagem é de Luis Barrucho, publicada por BBC Brasil, 23-08-2016.
A avaliação é de Pedro Curi Hallal, pesquisador brasileiro e professor de Escola Superior de Educação Física da UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), no Rio Grande do Sul.
"Apesar de as pessoas se sentirem motivadas a fazer um esporte por causa da Olimpíada, não há evidência científica de que o evento aumente os níveis de atividade física da população da cidade-sede a longo prazo, diz ele à BBC Brasil.
"Mas os Jogos são um momento ideal para se falar sobre a prática esportiva", ressalva.
Hallal foi um dos autores de uma série de artigos analisando o progresso na atividade física da população mundial no último ciclo olímpico - período de quatro anos entre os Jogos. O estudo, que contou com especialistas de todo o mundo, foi publicado em uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, a Lancet.
Uma das principais conclusões é de que o sedentarismo custou à economia mundial entre US$ 67,5 bilhões a US$ 145,2 bilhões (R$ 215,8 bilhões a R$ 464,1 bilhões) só em 2013. No Brasil, o custo foi de US$ 2 bilhões (R$ 6,4 bilhões).
Na pesquisa, Hallal e outros especialistas citam um levantamento realizado pelo australiano Adrian Bauman, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Sydney.
Bauman analisou os Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno a partir da Olimpíada de Sydney, em 2000, e descobriu que não houve "efeitos significativos" nos níveis de atividade física das populações das cidades-sede.
Na Inglaterra, palco da Olimpíada anterior, o legado de Londres 2012 para a prática de esportes ainda é tema de debate local: o mais recente levantamento da organização Sport England, de junho, mostra aumento no número de pessoas com 16 anos ou mais que praticam esporte ao menos uma vez por semana.
Mas esse número teve altas e baixas desde 2012, a ponto de, no ano passado, o governo prometer rever sua política de estímulos ao esporte, segundo o jornal The Guardian. Uma das maiores preocupações era com uma tendência de queda da prática esportiva entre as classes econômicas mais desfavorecidas.
Como a Olimpíada do Rio acabou recentemente, ainda não houve tempo para verificar se o impacto será semelhante aos observados nas demais Olimpíadas. Mas Hallal acredita que a tendência deve se manter ? e explica as razões.
"Durante a Olimpíada, as pessoas com certeza se sentem motivadas e estimuladas a experimentar um esporte. O meu filho de sete anos, por exemplo, ficou impressionado com o desempenho do Usain Bolt (velocista jamaicano) e me pediu para levá-lo a uma pista de atletismo e cronometrar seu tempo", diz ele.
"O problema é que o nível de atividade física das pessoas no seu cotidiano é determinado por uma série de fatores que são muito mais complexos do que a simples vontade de praticar um esporte", acrescenta.
"Transformar as instalações olímpicas em espaços públicos não garante o uso. É preciso um investimento contínuo em promoção da saúde e do esporte", defende.
Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, a adaptação completa do Parque Olímpico como legado deve durar "dois anos".
De acordo com a Prefeitura do Rio, o Complexo Esportivo de Deodoro, onde foram realizadas algumas competições ? como canoagem, hipismo e hóquei ? terá uma utilização mista. O Parque Radical, por exemplo, vai se tornar uma área pública de lazer.
Além disso, o Estádio Aquático se transformará em dois ginásios, que serão instalados em áreas onde não há opção para práticas de esporte atualmente.
Entre as medidas sugeridas por Hallal para estimular a prática esportiva estão, por exemplo, fechamento de ruas nos fins de semana, espaçamento de pontos de ônibus, construção de academias populares e qualificação das aulas de educação física nas escolas.
"O Canadá, por exemplo, é um caso de sucesso no combate ao sedentarismo infantil ao diversificar as aulas de educação física. Já Bogotá, na Colômbia, ganhou destaque com o fechamento de ruas durante os fins de semana. Por fim, a 'Academia da cidade' (academias gratuitas com supervisão de profissionais), em Recife (PE), é outro exemplo que merece elogios", enumera.
Para Hallal, não basta "conscientizar a população" sobre os benefícios da prática esportiva.
"Não podemos nos limitar a motivar as pessoas a fazer exercícios físicos, mas sim criar oportunidades", defende.
"Todo mundo sabe que fazer exercício físico é bom para a saúde. É preciso mais do que isso. É necessário que todos os entes se conscientizem, desde o empresário, instalando chuveiros para funcionários que queiram ir trabalhar de bicicleta, por exemplo, aos gestores públicos, que sabem que se não investirem na área, a população vai ficar mais doente e sobrecarregar o sistema de saúde".
Sobre o Brasil, Hallal diz que o país sofreu um "revés" nos últimos anos, apesar de continuar sendo referência mundial na captação de dados e de pesquisa sobre saúde populacional, além da elaboração de políticas, como a Política Nacional de Promoção da Saúde e o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT).
"No mundo real, o Brasil não tem conseguido lidar bem com a promoção da saúde no âmbito populacional", destaca.
"Legado não se faz só com edificação da estrutura esportiva, mas com investimento contínuo em promoção de saúde e esporte. E nisso a gente está muito mal", opina.
Segundo dados oficiais, praticamente a metade dos brasileiros (46%) não pratica nenhuma atividade física. A OMS (Organização Mundial da Sáude) recomenda um mínimo de 150 minutos de atividade de intensidade moderada por semana.
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