12 Agosto 2016
Pela primeira vez na história, temos uma comissão papal equilibrada em relação ao gênero. Quando é que isso aconteceu antes? Para mim, isso diz que Francisco está levando a sério a necessidade de resolver o problema histórico e quer que isso seja feito rapidamente.
A opinião é da Ir. Christine Schenk, religiosa da congregação das Irmãs de São José e cofundadora da FutureChurch, organização estadunidense que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja.
O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 11-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ok, aqui está a minha opinião sobre a nova comissão do Papa Francisco sobre o diaconato feminino:
Ela é boa.
E aqui estão algumas razões.
Pela primeira vez na história, temos uma comissão papal equilibrada em relação ao gênero. Quando é que isso aconteceu antes?
Embora o porta-voz vaticano, o padre jesuíta Federico Lombardi, disse que a ideia da comissão de Francisco foi uma resposta "espontânea" a uma pergunta em um encontro internacional de irmãs católicas, eu não compro essa afirmação. Em primeiro lugar, nenhuma freira jamais faria uma pergunta-surpresa ao papa, especialmente em um fórum público. Em segundo lugar, as questões papais foram solicitadas às irmãs com meses de antecedência. Francisco já tinha levado em consideração a sua resposta muito cuidadosamente antes de respondê-la publicamente.
Em relação às comissões, a linha do tempo entre o anúncio e a seleção dos membros da comissão foi bastante curto. Os nomes foram rapidamente solicitados às irmãs católicas da União Internacional das Superioras Gerais e ao cardeal Gerhard Müller, da Congregação para a Doutrina da Fé. Depois, Francisco, "após intensa oração e madura reflexão", designou uma "Comissão para o Estudo do Diaconato das Mulheres" para explorar a história do diaconato feminino "nos primeiros tempos da Igreja".
Para mim, isso diz que Francisco está levando a sério a necessidade de resolver o problema histórico e quer que isso seja feito rapidamente.
O intrigante é que o trabalho pesado sobre a história do diaconato feminino foi concluído há décadas, e Francisco provavelmente sabe disso. Note-se que ele não pediu que a própria congregação doutrinal formasse uma nova comissão. Em vez disso, ele disse que iria "pedir que a Congregação para a Doutrina da Fé me refira sobre os estudos sobre esse tema".
É bem sabido que Müller se opõe à ordenação de diaconisas. Müller diz que o diaconato está irrevogavelmente ligado ao sacerdócio. Se o sacramento das sagradas ordens não pode ser dado a sacerdotisas, então ele também não pode ser dado a diaconisas.
O problema com esse posicionamento é que, na história da Igreja primitiva – a que Francisco está tão ansioso para olhar –, as ordenações presbiterais e diaconais não estavam ligadas, porque a ordenação significava algo muito diferente no século IV do que hoje.
Por exemplo, em algumas comunidades dos séculos III e IV, os diáconos eram os administradores das propriedades eclesiais, e a sua autoridade ficava abaixo apenas à do bispo.
A ordenação era dada a membros de uma comunidade cristã para uma função particular naquela própria comunidade. Não era um poder irrevogável que podia ser exercido em qualquer outro lugar. Mas, no século XII, as regras da ordenação mudaram. Agora, apenas os ministérios relativos ao serviço ao altar estavam autorizados, e apenas as ordens do padre, do diácono e do subdiácono foram reconhecidas. Padres e diáconos também podiam ministrar para comunidades fora daquelas nas quais haviam sido ordenados.
Significativamente, sobre as perguntas em questão, o professor Gary Macy nos diz: "Todas as outras ordens anteriores não eram mais consideradas como ordens".
Um canonista ocidental altamente influente do fim do século XII, Hugúcio de Bolonha, escreveu que, mesmo que uma mulher fosse ordenada, esta não "pegaria", porque ela era biologicamente feminina. E mais, por ser biologicamente feminina, uma mulher nunca poderia ser verdadeiramente ordenada, em primeiro lugar. Portanto, todas as antigas ordenações femininas absolutamente não eram ordenações, ao menos de acordo com o novo entendimento da ordenação.
Esse é essencialmente o argumento que Müller e o padre Karl-Heinz Menke, um dos membros da comissão, estão defendendo hoje. Eles estão projetando anacronicamente para trás um entendimento da ordenação sacramental que não existia na Igreja primitiva.
Dado que as ordenações masculinas nos séculos anteriores também implicavam um entendimento diferente do significado das ordens, pode-se argumentar que as ordenações masculinas na Igreja primitiva também não "pegavam", um ponto que parece ter escapado aos nossos estimados clérigos.
Há uma ampla evidência de que as mulheres eram sacramentalmente ordenadas ao diaconato na Igreja primitiva – da forma como a ordenação sacramental era entendida na época.
Por isso, resta saber como essa nova comissão vai agir.
Francisco não pediu publicamente recomendações sobre a restauração do diaconato feminino. Se ele realmente quer conhecer a história, a história já está lá, e as pessoas altamente competentes da comissão irão inseri-lo nela.
Não está claro se isso vai convencer o nosso papa a ordenar diaconisas hoje, mas eu sou totalmente favorável. Há uma grande necessidade de uma pastoral expandida no mundo em desenvolvimento, onde tantas irmãs e leigos dedicados servem milhares de católicos que passam uma fome sacramental causada pela presença de pouquíssimos padres.
No Norte global, as mulheres e os homens católicos desejam ver o equilíbrio de gênero nos nossos altares e ouvir o Evangelho pregado através de uma lente feminina. As diaconisas poderiam ajudar a satisfazer essa necessidade crucial.
Eu não posso concluir esta coluna sem abordar a questão de cujo surgimento Müller e outros clérigos parecem estar com muito medo, se restaurarmos a nossa longa história de ordenações de diaconisas.
"Oh, meu Deus, poderíamos ter mulheres padres!"
A nossa hierarquia eclesial não pode aguentar as duas coisas. Se o diaconato e o presbiterado não estão irrevogavelmente ligados, como é evidente na Igreja primitiva, há um forte precedente de que a ordenação de diaconisas irá servir à Igreja hoje.
Se a hierarquia continuar o precedente eclesial do século XII de recusar a ordenação de qualquer pessoa que tenha um útero – embora ligando irrevogavelmente bispo, padre e diácono – esse ensinamento está fadado ao fracasso.
Recentemente, o padre Hans Küng informou que Francisco "não estabeleceu nenhuma restrição" em sua resposta ao pedido de Küng de discutir "o dogma da infalibilidade papal". Se é bom discutir a infalibilidade, então, certamente, também podemos discutir o ensino não dogmático que bane as mulheres do sacerdócio.
Dito isso, estou de acordo com Phyllis Zagano de que essa é uma situação completamente diferente da ordenação de diaconisas.
Por um lado, a discussão sobre as sacerdotisas envolve diferentes questões eclesiais que estão, de fato, ligadas à infalibilidade. Na minha opinião e na de teólogos que eu respeito, alguns clérigos invocaram inapropriadamente a infalibilidade em uma tentativa equivocada de não só reprimir a discussão da ordenação sacerdotal feminina, mas também de reprimir a discussão de outras questões urgentes na Igreja, tais como o planeamento familiar responsável e o amor homossexual.
O que confere autoridade ao ensino da Igreja e o que constitui exatamente a "infalibilidade do magisterium ordinário e universal" são questões muito grandes, de fato, que exigirão tempo para amadurecer. Graças a Hans Küng e ao Papa Francisco, agora parece que essas conversas podem ser realizadas sem medo de represálias.
Enquanto isso, restabelecer o diaconato feminino é algo simples demais.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A questão das diaconisas e a necessidade do equilíbrio de gênero na Igreja. Artigo de Christine Schenk - Instituto Humanitas Unisinos - IHU