09 Agosto 2016
O fluxo de migrantes no mar é quase contínuo, principalmente da Líbia, mas também dos portos egípcios, em embarcações cada vez mais arranjadas. "Já passamos por botes que transportam 100-120 pessoas e que têm um único tubular, que se rompem, portanto, facilmente, causando tragédias. Nós os salvamos com todos os meios disponíveis", explica o almirante italiano Vincenzo Melone, comandante-geral da Guarda Costeira.
A reportagem é de Antonio Macaluso, publicada no jornal Corriere della Sera, 08-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O "mar formado", ou seja, proibitivo para enfrentar travessias, deixa respirar por algumas horas os homens da Guarda Costeira e o seu comandante geral, o almirante Vincenzo Melone. Na sala de operações que monitora incansavelmente a imensa vastidão do mar que os 11.000 homens da corporação devem controlar e sulcar, ele não se ilude, porém, que as intervenções poderão abrandar muito mais.
O perverso cruzamento de crueldade e desespero já torna o fluxo de migrantes quase contínuo. "A tendência de chegadas – explica Melone – é o mesmo do ano passado, quando coordenamos operações que levaram ao resgate de 150.000 pessoas. Porém, há, pelo menos, algumas diferenças: a chegada de unidades a partir de portos do Egito e embarcações cada vez mais arranjadas, perigosas. Já passamos por botes que transportam 100-120 pessoas e que tem um único tubular, que rompem, portanto, facilmente, causando tragédias. Daí a importância de intervir sempre com rapidez quando chegam os chamados de socorro. Ultimamente, também estamos monitorando o fenômeno de barcos minúsculos que partem da Líbia com apenas 10-15 pessoas, e é claro que não têm praticamente nenhuma segurança."
Eis a entrevista.
Além disso, nos primeiros sete meses deste ano, o número de migrantes mortos aumentou 26%.
Isso é verdade, mas vale para situações nas quais não conseguimos intervir, porque, em todas as operações ativas, as coisas ocorreram diversamente, até porque mobilizamos, além dos nossos, todos os meios disponíveis em uma área: Marinha militar, Guarda de Finanças, meios navais militares de outros países, navios mercantes, pesqueiros, rebocadores. Essas operações sempre são realizadas com sucesso, e estou falando de centenas e centenas de intervenções.
Antes, você se referiu às partidas da Líbia. Considera que a intervenção aérea que é pensada em Sirte pode mudar as coisas?
Eu espero que o fluxo possa parar. É óbvio que, se a situação geral na Líbia for mais gerenciável, a atividade dos criminosos que gerem esse tráfico poderá ser combatida mais facilmente.
Na sua experiência, essas partidas são geridas apenas por grupos organizadas ou, nos últimos tempos, existe uma estratégia específica do ISIS para incentivar o fluxo e desestabilizar a Itália?
Deixando claro que, por trás das partidas, há sempre uma organização criminosa, eu não excluo que o ISIS utilize esse instrumento para desestabilizar.
Na atividade de resgate de um número tão elevado de migrantes, vocês sempre encontram o apoio de unidades navais civis e militares de outros países ou as distinções no campo político também se refletem no mar?
No mar, há solidariedade: vigora a lei que estabelece que quem está em dificuldade deve ser socorrido. Portanto, há a colaboração de todos. Graças também às operações "Mar Seguro" e da agência Frontex, que trouxeram novos meios, estamos mais estruturados e, portanto, evitamos pedir, o máximo possível, o apoio de navios mercantes, o que evita infligir danos econômicos ao tráfego comercial. Devo dizer, porém, que, cada vez que chamamos, a resposta foi imediata.
Sob o perfil político, também na Itália, há posições diferentes: aqueles que apoiam plenamente a atividade de salvamento também para além das águas italianas e aqueles que gostariam de intervenções mais limitadas. Isso seria possível sob o perfil puramente operacional?
Invertamos o problema: se não formos, essas pessoas morrerão, porque o chamado de socorro ou a descoberta que conseguimos fazer graças ao nosso sistema avançado nos permite intervir e não podemos não fazer isso. É uma obrigação. Agora, considerando-se que, na Líbia, há uma situação tal, pela qual o governo central não pode garantir as intervenções necessárias no mar, as intervenções para além das águas italianas torna-se uma obrigação de lei internacional.
Portanto, até mesmo falar de bloqueios navais não faz sentido...
O problema é muito complexo: eu me ocupo da parte técnica, operacional, e me abstenho de julgamentos de ordem política. Eu me encontro diante de um problema, isto é, de uma pessoa que corre o risco de perder a vida. E, como a minha tarefa é salvar essas vidas, eu me ocupo disso.
Dado o forte crescimento da sua atividade, o governo lhes deu a capacidade de operar da melhor forma possível, em termos de homens e de meios?
Estamos bem estruturados para fazer esse serviço: a corporação tem uma experiência de 150 anos. Essas coisas não são inventadas, entram no DNA, e nós o temos. Mas, para fazer isso, certamente, são necessários os meios e os homens, mas também é necessária a paixão, o coração. A coragem, também: às vezes, quando o mar está tempestuoso, e todos caem, nós saímos ao mar com os nossos meios mais tecnológicos. Temos lanchas de 18 metros com sistema de autoalinhamento, com equipagem de cinco pessoas, capazes de sair ao mar de força 8.
Dito isso, eu quero enfatizar uma coisa, isto é, que é o sistema-país que está enfrentando a emergência de modo justo, porque não esqueçamos que, no mar, nós coordenamos, mas temos a participação de muitas realidades e, depois, porém, nós as levamos para a terra. E aqui eu penso no enorme esforço de tantos prefeitos, forças da ordem, ONGs e pessoas comuns. É o país que está respondendo, apesar das tantas dificuldades, de modo idôneo, e esperamos que isso sirva de exemplo para outros países.
Nessas suas palavras, percebe-se a amargura de quem, depois de salvar tantas vidas, gostaria de um apoio maior por parte de todos os governos...
Digamos que não pode deixar de ser reconhecido o papel central que estamos tendo há anos diante de uma emergência humanitária epocal. Falamos de movimentos bíblicos em muitos países de vários continentes. Mudam as situações e as rotas, mas a emergência cresce.
Sobre as rotas, como é possível que se abram novas a partir do Egito, um país onde existe um governo central, e também muito forte?
Temos milhões de migrantes de muitos países que pressionam e sempre buscam caminhos novos. E há fatores, interesses políticos que mudam em um tabuleiro que não diz respeito mais apenas à África e à Europa, mas ao mundo inteiro.
Mudando de assunto, falemos das suas outras atividades: a vigilância sobre a navegação recreativa, a proteção ambiental, o respeito das regras relativas à pesca...
Digamos que a corporação, que é o guichê-único do mar, é um exemplo de spending review, porque é a síntese em campo de três ministérios: Infraestrutura e Transporte, Ambiente e Políticas Agrícolas. É por isso que as Capitanias dos Portos representam três ministérios e contribuem, além de poupar recursos públicos, para facilitar a atividade de qualquer um que opere no mar ou que lide com o mar de qualquer forma.
Podemos dizer que navegar nos mares italianos é mais seguro do que no passado?
Certamente. A sensibilidade de quem navega melhorou progressivamente, graças também a uma maior comunicação, à prevenção, à colaboração entre todos aqueles que lidam com o mar, na presença de três mil homens nas praias e no mar, para garantir tranquilidade e segurança.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"A minha tarefa é salvar os migrantes." Entrevista com Vincenzo Melone, almirante italiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU