Por: Cesar Sanson | 30 Junho 2016
A Lei Rouanet é um dos alvos prediletos do ultradireitismo no Brasil, que a associa com os artistas esquerdistas que fazem uso do incentivo fiscal estatal. O comentário é de Fabio Malini, coordenador do Laboratório de estudos sobre Internet e Cibercultura (Labic) na Universidade Federal do Espírito Santo em artigo publicado em Medium, 29-06-2016.
O pesquisador, destaca que "a ideia de que a Rouanet é a boquinha do esquerdismo-petista, oculta a dinâmica neoliberal que gera os abusos e fraudes que a lei promove, isto é, oculta o fato de que a isenção fiscal não é uma operação exclusivamente feito pelos artistas e sim, em geral, por grandes empresas e produtoras do campo cultural".
Eis o artigo.
Chega ser irônico o fato de a legislação que isenta de impostos as empresas que investem em cultura, a chamada Lei Rouanet, sempre duramente criticada pelo ministro Juca Ferreira (http://bit.ly/29dSqg), ter se transformada em “símbolo” da gestão petista e o modo de sustentação financeira de artistas de esquerda no país.
Na verdade, desde as eleições de 2014, quando da manifestação pública de artistas e intelectuais de apoio à candidatura de Dilma Roussef, uma penca de trolls no Twitter constrói uma narrativa em que esses artistas são financiados pelo governo (petista), através da #Rouanet, martelando, sem parar, que a lei serve apenas aos artistas “adestrados” pelo petismo. A retórica serve para animar o tempo do antipetismo, mas, obviamente, oculta mais do que revela o verdadeiro problema da aplicação da lei.
A mecânica dessa narrativa funciona assim: há dois anos, os trolls martelam roboticamente a ideia de que a “Rouanet é a boca livre dos artistas de esquerda”, que é interpretada (na forma de artigos e posts) e espalhada (na forma de memes) pelos movimentos sociais da ultradireita (MBL, VemPraRua_BR, Revoltados Online) e, respectivamente, sua capa protetora político-midiática (O Antagonista, Constantinos, Marco Villa, Reinaldo Azevedo, Reaçonaria, Mainardi, Lobão, Gaudêncio Torquato etc).
Isso faz ampliar a reverberação da ideia, que, de tanto ser repetida, adentra o senso comum das redações e até dos opositores governistas. Aos poucos, uma multidão de atores começam a discutir o tema, a ponto de este virar um “assunto do momento”, propício a se tornar um tema quente para que a Polícia Federal o eleja como vitrine um dia de suas operações, que ocorrerão em função de alguma denúncia de abuso da lei por um operador qualquer do campo cultural (geralmente essa denúncia é feita pelos próprios órgãos do Estado). Um dia a operação ocorre e recebe um nome criativo, inspirado na trolagem em rede (“Boca Livre”).
A imprensa, por sua vez, esquenta o factual (a Operação da PF) e aumenta a carga de viralidade em torno da ideia de que a Rouanet é a boquinha do esquerdismo-petista, ocultando a dinâmica neoliberal que gera os abusos e fraudes que a lei promove (isto é, oculta o fato de que a isenção fiscal não é uma operação exclusivamente feito pelos artistas e sim, em geral, por grandes empresas e produtoras do campo cultural. Ou como bem tuitou o Paulo Coelho: “é só rico ajudando rico”). E assim, de desinformação em desinformação, a circulação memética tautológica, meio maluca, meio oportunista, não para de se processar sem contestar a raiz do problema contido na Rouanet (criada no governo Collor de Melo).
Um PS: a palavra Lula aparece como um dos termos mais vinculados ao vocábulo ‘Rouanet’. Segundo a turma, a #OpBocaLivre é mais uma “prova” para ajudar acolocar o ex-presidente na prisão. :) Ou, a palavra aparece muito no dataset em função disso daqui : http://bit.ly/293i47c
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#Rouanet: a viralidade da trolagem que oculta o mais relevante - Instituto Humanitas Unisinos - IHU