08 Junho 2016
Uma longa e clara túnica, o tradicional gorro senegalês de lã branca e negra na cabeça: enquanto caminhava rapidamente pelas ruas de Dakar, apesar da idade (oficialmente nascido em 1934), Jacques Seck pode ser facilmente confundido com um fiel de uma das várias irmandades islâmicas locais. E somente quando os rapazes sentados em frente à Catedral da cidade saúdam este homem magro com a palavra "pai" podemos perceber que, na realidade, é um padre católico.
A reportagem é de Davide Maggiore, publicada por Vatican Insider, 04-06-2016. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
"Sacerdote muçulmano e ímã cristão", corrige brincando poucos minutos depois, sentado entre os bancos da grande Igreja missionária de Nossa Senhora. Esta expressão tornou-se seu estandarte de trabalho durante décadas: a promoção do conhecimento e da compreensão mútua entre a minoria cristã senegalesa e os muçulmanos (que representam mais de 90% da população local). Uma vocação que amadureceu durante os anos de estudos na Universidade Gregoriana, em Roma, onde estudou um pouco de italiano, e com os Padres Brancos (missionários), com quem aprendeu perfeitamente árabe e história islâmica. Não hesita em recitar de memória e em língua original passagens do Alcorão: "Se Deus quisesse, teria criado apenas uma comunidade entre vocês - e traduz. Mas ele quis os colocar à prova com o que lhes deu. Compitam em boas ações: todos voltarão a Deus e Ele irá informá-los sobre as coisas que eles não estão em acordo".
Frequentemente, durante os anos que se ocupou da catedral, ele surpreendeu os fiéis em suas homilias, citando o livro sagrado islâmico. "Eu decidi estudar o Corão para viver melhor a minha fé, e eu tenho incentivado muitas pessoas a estudá-lo - explica. Como cristãos, devem amar a todos, e não se pode amar quem não é conhecido". A mesma convicção levou-o a enviar um de seus sobrinhos, muçulmano, para estudar em Marrocos. "Levei-o para Dakar e disse: 'Lá poderás aprender a língua e a cultura". Estudou e retornou ao Senegal depois de alguns anos. E se converteu em professor do Instituto Católico de Hann Maristes, na periferia da capital, onde lecionou até há dois anos atrás" : "Se eu tivesse ido a uma escola tradicional - continuou -, não teria aprendido a linguagem da verdade, só teria repetido fórmulas, enquanto que este é um exemplo do que queremos como país".
A coexistência no Senegal, na verdade, é uma realidade consolidada há anos, a tal ponto que em muitos ambientes sociais se fala em um "diálogo inter-religioso da vida", no qual muçulmanos e cristãos participam nas principais celebrações da outra comunidade, como a Páscoa ou a Festa do Sacrifício. Também não é incomum que pessoas de diferentes religiões façam parte do mesmo núcleo familiar. "Eu mesmo não era cristão até meus quatorze anos, mas animista - especificou a religiosidade, usando o termo antigo no qual as religiões tradicionais africanas são conhecidas. E meu pai permaneceu sendo animista até quase os oitenta anos, quando se converteu ao Islã. Além disso, um parente próximo do cardeal Hyacinthe Thiandoum, o primeiro arcebispo africano de Dakar, era um ímã em sua aldeia, em Popenguine, e quando o cardeal foi ordenado, eu estava na primeira fila, com toda a sua família"!
Outros exemplos semelhantes são muito mais eloquentes e preciosos na luta contra possíveis ataques terroristas ao Senegal, após os atentados dos últimos meses em Mali, Burkina Faso e Costa do Marfim. "Eu não sei o que vai acontecer amanhã, mas o que vivemos hoje no Senegal é belíssimo!", indicou Seck. O medo e a desconfiança, na verdade, não se apoderaram de Dakar e as portas da catedral, como as do complexo e a Grande Mesquita, a poucos quilômetros de distância, seguem abertas a todos. E assim sucede com muitas casas: inclusive o ancião religioso que, apesar da idade, segue respondendo aos convites das famílias muçulmanas, que muitas vezes lhe pedem que passe o dia todo com eles. E também impulsiona o compromisso de diálogo com os seus capelães nas prisões. "Como homens e como cristãos, devemos encorajar a coabitação pacífica, sem receios - ele diz. Nós não temos medo: eu sou senegalês cem por cento, um sacerdote católico senegalês, e eu não tenho medo de dizer que eu sou um cristão e que minha irmã, pelo contrário, é muçulmana".
Seguir constantemente esta convicção não significa que o ex-curato da Catedral opte por ignorar os acontecimentos violentos que têm ocorrido na região e os medos que provocaram também no Senegal. "Acontecem muitas coisas que não poderíamos imaginar", suspira para depois voltar a pronunciar as palavras com vigor. "Os muçulmanos que lançam bombas não são verdadeiros muçulmanos, como os cristãos fanáticos não são cristãos verdadeiros, 'nenhuma constrição nas coisas de religião", também disse o Corão", lembra ele. A melhor resposta à intolerância, segundo sua opinião, é o compromisso em primeira pessoa: portanto, com um grupo de fiéis muçulmanos, visitou nos últimos tempos diferentes regiões do país, dando um exemplo concreto de convivência. "Que ninguém tente nos separar! Devemos nos respeitar como senegaleses, porque ser uma única família vem antes do cristianismo e do islamismo; não queremos que a diferença religiosa nos impeça de cultivar os mesmos campos", ele insiste.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Senegal: um sacerdote "apaixonado" do Alcorão e do diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU