31 Mai 2016
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros recomenda cautela ao governo em exercício de Michel Temer. De fato, avalia, a crise criou um ambiente propício para a sociedade aceitar medidas duras. “Você olha o déficit, o desemprego, a inflação. Está fácil fazer associações. Você joga a culpa no PT e na Dilma”, diz. Mas, ao mesmo tempo, frisa, o governo em exercício tem uma fragilidade: “Temer não foi eleito. Ele está eleito em função de uma crise. Tem um mandato capenga do ponto de vista do eleitorado.” Para levar adiante as mudanças necessárias, o governo não pode errar a mão, aplicar medidas duras demais, correndo o risco de perder apoio do Congresso e da sociedade. Um exemplo: “O teto ao gasto precisa ser finito no tempo. Não faz sentido dizer que isso é para sempre.”
A entrevista é de Alexa Salomão, publicada por O Estado de S. Paulo, 28-08-2016.
Eis a entrevista.
Como o sr. viu a projeção de que o rombo vai R$ 170 bilhões neste ano?
Essa projeção, certamente, é muito maior do que o real. Não há dúvida de que a ideia é ter um número confortável, uma margem, para chegar ao final do ano.
E qual a sua avaliação sobre as primeiras medidas econômicas?
Saiu uma matéria dizendo que o Temer cortou um monte de medidas. E eu tenho a informação de que há gente na equipe econômica assustada com as propostas da ala mais radical do grupo do Meirelles (Henrique Meirelles, ministro da Fazenda).
Assustada com o quê?
Por exemplo: a proposta era que o limite de gasto incorporasse apenas o PIB (Produto Interno Bruto), sem a correção da inflação. Tinha também a proposta de congelar o salário do funcionalismo público. Me animou muito saber que a primeira fornada de medidas foi desbastada. Dizer que a despesa ou que o salário do servidor não vão crescer nada, zero, é maluquice. Na situação em que vivemos, vira irresponsabilidade. O custo de isso provocar uma paralisia é altíssimo. Isso levanta uma questão fundamental, que aprendi com Fernando Henrique. Ele dizia que a coisa mais importante para um presidente da República é entender o mandato popular que ele tem. Fernando Henrique dizia que o seu primeiro mandato foi estabilizar a moeda. Muita gente perguntava porque ele não tinha começado com a reforma política, por exemplo, e ele dizia que bastava olhar as condições que todo mundo sabe que existiam na época. Nas primeiras pesquisas de opinião, não aparecia o nome Fernando Henrique, aparecia o homem do Real. Então, ele falava: meu mandato era para implementar o Plano Real com sucesso. Entender qual o mandato do Temer é uma questão central, principalmente porque o mandato não veio diretamente do eleitor e a intermediação do Congresso, em nome do eleitor, é muito forte.
E qual é, então, na sua opinião, o mandato do Temer?
É um mandato, me parece, na direção oposta à do governo de Dilma, do PT. Um mandato para liberalizar a economia brasileira. Para reduzir a influência do governo. Para centrar a atividade econômica no setor privado, e não no setor público. Mas apenas dizer que o modelo econômico é oposto ou diferente ao de Dilma não resolve outra questão: definir qual vai ser a dimensão das mudanças. Certo? Isso ele só vai saber ao longo do tempo e há algo que precisa ser bem entendido: o governo precisa implementar as mudanças progressivamente. Vou dar um exemplo. Há uma tendência histórica de resolver o problema do gasto elevando a cobrança de impostos. Foi sábio terem invertido as coisas e colocar o gasto como a peça central do pacote. Estão dizendo: olha, vou limitar o gasto ao crescimento nominal, da inflação, de um ano para outro, e deixo o excesso de arrecadação, acima da inflação, como primário. O superávit primário passa a ser uma decorrência do teto de gastos. Mas eu também preciso mexer em coisas constitucionais, lá de 1988, e fazer desvinculações. Assim, o orçamento fica livre, posso distribuir o gasto nas várias rubricas. Acho o modelo adequado para o mandato que o Temer tem. Mas acho que mesmo nesse desenho ainda vai precisar de uma jabuticaba para ficar redondo.
Que tipo de jabuticaba?
A restrição, o teto ao gasto, precisa ser finita no tempo. Temos uma eleição em 2018. Vamos ter um outro presidente em 2019. Não faz sentido, do ponto de vista de estabilidade política, dizer que isso é para sempre.
Por que não faz sentido?
Porque Temer estaria legislando sobre o mandato de outro. Conhecendo o Congresso, não tenha dúvida, vai dar problema. Temer e Meirelles já têm essa solução no bolso. Não pode ser “forever” – para sempre. Criaria problemas. Então, alguém vai vir e propor: isso vale durante o mandato de Temer, mas um ou dois anos.
O sr. defende que, para viabilizar a aprovação no Congresso, precisa estabelecer um prazo para o teto vigorar?
Quando o presidente Temer manda isso para o Congresso, vai ter muita revolta. Vai vir a bancada da saúde, a bancada não sei de quem. Então, surge a proposta de fazer a medida valer no mandato dele e por um ano do mandado do próximo presidente. Lá na eleição, a população define como vai ser. Os candidatos falam se vão continuar com isso ou não. Na campanha vão tratar dessa armadilha fiscal. Porque a armadilha fiscal não é a dívida, não é fazer o superávit primário. A armadilha é o descontrole dos gastos. Também será preciso fazer uma regra para a Previdência que certamente não será definitiva.
O sr. não vê espaço para uma reforma da Previdência?
Não sei. O que não pode acontecer – aí seria um desastre – é o Congresso rejeitar o controle de gastos e a reforma da Previdência. E quando digo Congresso, estou dizendo sindicatos e outros. Estou dizendo a sociedade. Eu não correria esse risco.
O sr. está dizendo que, na forma como as medidas estão colocadas hoje, há riscos e, então, é preciso ajustá-las?
Isso. Precisa ajustar para o que chamamos em economia de “second best”, o segundo melhor. Eu tenho a melhor solução, mas ela oferece um risco tão grande que é preferível escolher outras. O Fernando Henrique chamou isso de sarrafo. Você vai fazer o salto em altura, mas colocam o sarrafo lá em cima: aí, nem adianta tentar. Então, como faz? Coloca o sarrafo mais para baixo. O cara consegue pular. Aí você vai ajustando para cima devagar. Não tem outro jeito. No Brasil sempre foi assim. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal foi assim. Eu participei intensamente do primeiro ajuste de Estados e municípios. Naquela época, o custo da folha e da Previdência estava crescendo, mas nenhuma dessas coisas era um problema. O problema era o endividamento. O primeiro movimento foi bloquear o endividamento, sem exigir mais nada. Dois, três anos depois, foi a feita Lei de Responsabilidade Fiscal. Hoje, é preciso olhar também a folha de pagamento e a Previdência, que cresceram demais. Mas, dado o risco de não conseguir fazer nada, é preciso ser modesto. Você vai lá e toca no assunto folha e Previdência. E é mais fácil falar com a sociedade hoje. Tem funcionário público no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul que não está recebendo. Tem também a conjuntura. Você olha o déficit que a Dilma deixou, o desemprego, a inflação. Está fácil fazer associações. Você joga a culpa no PT e na Dilma. E como você corre o risco de perder essa oportunidade? Colocando o sarrafo numa altura em que a sociedade e o Congresso não têm condições de saltar.
Seria, então, o momento de deixar tudo bem claro? Por exemplo: no caso da fixação do teto e das desvinculações, o governo tem dito que não haverá perdas para a saúde e a educação, mas uma alocação de verbas...
É claro que haverá perdas. A conta é para todo mundo. Isso precisa ser dito. Mas no que eu estou insistindo? Não podem exagerar no custo que vão impor à sociedade. É uma questão de avaliação de risco. Para mim, o risco é perder essa oportunidade por exagerar na dureza das medidas, não conseguir convencer a sociedade e não aprovar no Congresso medidas importantes. Precisa deixar claro que as medidas podem ser finitas no tempo. Porque Temer não foi eleito. Ele está eleito em função de uma crise. Tem mandato para propor algumas mudanças importantes. Dar uma arrumada para quem for eleito lá na frente. Essa é a questão central.
O sr. mencionou que a conta é para todo mundo. Como ela será para Estados e municípios?
Estados e municípios precisam de instrumentos para resolver os seus problemas. Eles não podem demitir e mexer em aposentadorias. O que estão tentando fazer é criar o mito de que o problema deles vem da dívida, o que não é verdade. Mas é mais fácil resolver a dívida do que resolver a questão da folha e da aposentadoria. O governo vai ter de dar alguma colher de chá na dívida, mas, ao dar, vai exigir instrumentos que deem poder para eles poderem demitir e colocar os servidores na mesma regra de aposentadoria que vai ser feita para o setor privado. Não tem como escapar disso. Mas na questão fiscal e da Previdência estamos bem munidos. Nós temos uns 30 técnicos que dominam o assunto. Um deles, o Mansueto Almeida, está na equipe do Meirelles. Não vou me preocupar em fazer conta. É só falar com um Raul Velloso. Todo mundo sabe quem procurar. Qual é o problema que me preocupa e eu gostaria que ficasse claro?
Qual?
O problema é político. É a transição. Como vamos fazer isso. Boa parte desse pessoal, eu conheço, precisa de uma ditadura militar para poder implementar, na marra, alguma medida. Isso não existe. Estamos numa situação até mais delicada. O presidente da República que decidiu comprar essa briga, o Temer, tem um mandato capenga do ponto de vista do eleitorado. Eu acho que ele já tem apoio popular. Mas ele precisa ter a exata noção de até onde vai esse apoio.
Parte da equipe política está na Lava Jato. Isso não é um problema?
O ideal é que não existisse esse risco, mas vão ter de conviver com isso. Para operar o Congresso, precisam de gente envolvida nessa história. Esse é um ponto de interrogação com o qual todos terão de viver. Quem poderia prever que o Sérgio Machado faria o que fez? (O ex-presidente da Transpetro gravou conversas com o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, sendo que esse último acabou deixando o cargo de ministro do Planejamento). A grande vantagem é que a equipe econômica está isolada. Ninguém espera – ao menos eu não espero – que a Lava Jato chame alguém da equipe econômica. Isso diminui o risco. É meio assim: a pessoa tem um câncer. Vai ficar na cama? Não. Vai tocar a vida, mesmo com a insegurança da doença.
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'Não podem exagerar no custo que vão impor à sociedade'. Entrevista com Luiz Carlos Mendonça de Barros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU