25 Abril 2016
Este ano, houve 445 queixas de stalking (assédio persistente), mais 104 do que no ano passado. A maioria das vítimas são mulheres.
A reportagem é de Carolina Reis , publicada por Geledes.org, 21-04-2016.
Ponto final. Sou capaz de jurar que foram as últimas palavras que lhe disse. Pensei que a história terminava ali. Não fazia ideia que aquele fim era o começo de outra relação, um calvário que se iria prolongar por quase dois anos. Os primeiros dias esteve em silêncio total do mundo. Depois voltou. Foi falar com os meus amigos mais próximos para perceber o que se passava, toda a gente ficou com pena dele. Confesso que aí pensei em quebrar a barreira que tinha erguido entre mim e ele. Foi por acaso que não o fiz.
Um dia saí do cabeleireiro e tinha 40 mensagens dele. Por essa altura, já andava a ligar à minha mãe e à minha avó. A aparecer nos sítios onde sabia que eu ia. Enviava-me flores para o trabalho, chegava a ligar 40 vezes por dia, a enviar mensagens à mãe e à avó. A aparecer nos locais onde ela costumava ir. Enviava-lhe flores que ela não queria receber. A princípio ninguém me levou muito a sério. Os amigos e a família diziam-me que era normal que “custasse ao rapaz aceitar”, que ele gostava muito de mim. Chegaram-me a dizer que estava cego de amor. Só que eu acho que o amor não magoa. E foi por isso que nunca cedi.
O contacto forçado entre Joana* e o ex-namorado só terminou quando ele recebeu uma ordem do tribunal. Este ano, chegaram à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) 445 queixas de stalking (ou assédio persistente, na versão portuguesa), como os de Joana. Mais 104 do que no ano passado. A grande maioria (90,2%) foram feita por mulheres.
“Há alguns mitos, como o de que não existem homens vítimas de stalking. Não é verdade, porém ainda é um crime de género, em que a maioria das vítimas são as mulheres”, diz ao Expresso Helena Grangeia, psicóloga que investiga o tema desde 2007.
Uma sociedade ainda assente no paternalismo e no machismo é uma das causas para que o perfil da vítima seja maioritariamente feminino. Porém, as campanhas de sensibilização e esclarecimento sobre este tipo de crime tornaram-se um incentivo para a apresentação de queixa. “Tal como na violência doméstica, não quer dizer que não existam homens vítimas, mas há uma maior vontade das mulheres em denunciar e apresentar queixa”, explica Emanuela Braga, psicóloga da APAV.
A lei que criminaliza o stalking entrou em vigor em setembro de 2015. Até então, comportamentos de perseguição tinham de ser enquadrados noutro tipo de crimes, como a devassa da vida privada ou ofensas físicas. A criação de uma lei veio facilitar a denúncia de um crime que poucos conheciam. Era mais visto como um fenómeno que acontecia aos atores e pessoas conhecidas. “Quando comecei a falar sobre o tema diziam-me que não existia cá, só em Hollywood. Era uma coisa de pessoas famosas. Com o tempo, as pessoas foram começando a identificar comportamentos”, frisa Helena Grangeia.
As atitudes de um stalker (perseguidor) podem facilmente ser confundidas com atos sem maldade, até mesmo gestos românticos ou de amor. Um ramo de flores enviado insistentemente, depois de se ouvir um “não”; sms diários; provocar encontros são comportamentos que se enquadram no crime de stalking.
Para as associações e técnicos que trabalham com as vítimas, o próximo passo é aproximar os agentes e instituições oficiais –como a polícia – desta realidade. E evitar que comportamentos de perseguição sejam confundidos com atos de paixão, por exemplo. “É preciso enviar a mensagem de que estes comportamentos não podem ser tolerados. Passar do plano formal para o informal. Evitar que se desvalorizem denúncias”, sublinha Helena Grangeia.
O que diz a Lei
“Quem de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber, por força de outra disposição legal”
Perfil da vítima de stalking
* Sexo feminino (90,2%) | adultos (93,9%)
* Idade média (39,6 anos)
* Solteiros (33,1%), divorciados (22,6%), casados (22%), separados (12,4%)
* Família nuclear com filhas (29,6%) | monoparental (28,7%)
* Ensino superior (45%), ensino secundário (19,1%)
* Com emprego (64%)
* Tem ou teve relacionamento romântico com a vítima (74,7%): ex-companheiras (21,6%), ex-namorad@ (18,4%), cônjuges (16%), ex-cônjuges (11,7%)
Dados da APAV
* nome fictício
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“O stalking é um crime de gênero” (IHU/Adital) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU