14 Abril 2016
Mais do que de contraste entre um príncipe cristão e um príncipe acima ou fora da moral cristã, é mais correto falar de duas interpretações diferentes da Escritura: Erasmo olha para o Evangelho de Cristo; Maquiavel, para o Deus do Antigo Testamento, o Deus amigo dos fundadores de Estados e dos redentores, como Moisés, que, para conduzir o povo de Israel da escravidão no Egito para a terra prometida, fez matar.
A opinião é do filósofo político italiano Maurizio Viroli, professor emérito da Universidade de Princeton e professor da Universidade do Texas e da Universidade da Suíça Italiana. O artigo foi publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 11-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muitas vezes contraposto ao contemporâneo O Príncipe, de Maquiavel (1513), O Príncipe cristão, de Erasmo de Rotterdam (1516) é um alerta sempre útil dirigido àqueles que têm a honra e a responsabilidade de governar.
Uma das pérolas que o tratado oferece é o princípio, que Erasmo anuncia desde a carta dedicatória ao futuro imperador Carlos V, de que governar súditos com o seu consenso e pelo bem público é obra que eleva e enobrece aqueles que a exercem.
O governo despótico, ao contrário, degrada moral e intelectualmente tanto aqueles que o exercem, quanto aqueles que sofrem. Governar, esclarece Erasmo, significa, em primeiro lugar, servir, carregar sobre os ombros o peso da responsabilidade pública.
Para cumprir uma tarefa tão árdua e delicada, não adiantam as riquezas, nem as origens nobres, nem a beleza do corpo, nem as amizades influentes, mas apenas a sabedoria, o senso de justiça, a moderação, o amor do bem público.
Realmente envelheceram tanto assim essas simples ideias cristãs, ou deveremos, ao contrário, ensinados pela experiência de como é bonito ser governado por políticos que as ridicularizam, redescobri-las e exigir que sejam respeitadas?
Dos mais variados púlpitos, ouvimos repetido há anos que a bondade não pode ser virtude de quem governa. Erasmo defende o princípio oposto: se você pode ser, ao mesmo tempo, um homem bom e um príncipe, a sua obra será magnífica, mas, se você não pode, renuncie a ser príncipe, em vez de se tornar um homem mau.
Certamente, é possível encontrar um homem bom que não é capaz de ser um bom príncipe, mas não se pode ser um bom príncipe sem ser, ao mesmo tempo, um homem bom. Erasmo sabia muito bem que, mesmo nos seus tempos, essa máxima era considerada ingênua. Mas, à opinião popular, ele opunha o argumento de que certamente não pode governar bem aqueles que não sabem governar a si mesmos, aqueles que, por causa da excessiva ambição e da cobiça desenfreada por poder e riquezas, não têm nem bom juízo, nem bom senso. Quem acredita que a sua vontade, pelo simples fato de ser a sua vontade, deve ser lei não pode ser bom príncipe e deveria ser mantido o mais longe possível do poder político.
A diferença com Maquiavel é clara, mesmo que eu não acredite que Erasmo tenha tido entre as mãos uma cópia do manuscrito do Príncipe (a primeira edição impressa é de 1532). O humanista holandês adverte o príncipe a nunca se esquecer de ser, primeiro, cristão e, depois, príncipe e de estar pronto a renunciar ao principado antes de violar os preceitos da moral cristã.
O secretário florentino ensina que um príncipe, especialmente um príncipe novo, "não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados como bons, estando muitas vezes necessitado, para manter o estado, agir contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém, é preciso que ele tenha um ânimo disposto a se virar segundo os ventos do destino e as variações das coisas que os comandam e [...] não se afastar do bem, podendo, mas saber entrar no mal, necessitado".
Mais do que de contraste entre um príncipe cristão e um príncipe acima ou fora da moral cristã, é mais correto falar de duas interpretações diferentes da Escritura: Erasmo olha para o Evangelho de Cristo; Maquiavel, para o Deus do Antigo Testamento, o Deus amigo dos fundadores de Estados e dos redentores, como Moisés, que, para conduzir o povo de Israel da escravidão no Egito para a terra prometida, fez matar.
"Quem elogia a guerra nunca a viu face a face" ("Dulce bellum inexpertis"), recita um dos adágios de Erasmo, justamente famoso. Em A educação de um príncipe cristão, Erasmo elabora o adagio em uma crítica severa à ideia da guerra justa. Como a história demonstra, não faltam aos princípios pretextos para invocar o direito de fazer a guerra. Dever do bom príncipe, ao contrário, é buscar todos os caminhos para evitar a guerra, mesmo que às custas de renunciar a um direito ou a parte do território, e em nenhum caso iniciar uma guerra. Embora alguns Padres da Igreja e alguns papas tenham defendido que a guerra é legítima, segundo Erasmo, Cristo e os apóstolos nos ensinam o contrário.
Se tivesse vivido a tragédia das guerras hitlerianas e fascistas, Erasmo provavelmente teria reconsiderado as suas ideias sobre a guerra. Mas nós, que vimos e vemos guerras combatidas em nome de príncipes do direito que produziram apenas novas guerras e massacres de inocentes, faríamos bem em levar muito a sério o ensinamento do velho humanista.
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Política não é apenas cinismo: Erasmo contra Maquiavel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU