12 Abril 2016
"A UDN, União Democrática Nacional, foi o partido da classe média conservadora fundado nos anos 1940. Seu líder maior era o jornalista Carlos Lacerda, um estridente crítico de Getúlio Vargas, então a maior liderança popular do país. Bom de voto, Getúlio era o grande mal a ser combatido, o homem que fazia o país afundar no “mar de lama da corrupção”. Anticomunista, com discurso liberal e simpática ao capital estrangeiro, a UDN tentou derrubar Getúlio em 1954. O contragolpe veio com o tiro no peito dado pelo presidente, que enterrou por ora as pretensões udenistas. Nos anos seguintes, a UDN conspirou contra Juscelino Kubitschek. Nos anos 1960, o alvo era Jango. A UDN então convocou uma “marcha da família” contra a “ameaça vermelha” e apoiou com entusiasmo o golpe militar para “limpar o país da corrupção”", escreve Maurício Moraes, jornalista e mestrando em Administração Pública no King's College (Londres) de ativista de Direitos Humanos e LGBT, em artigo publicado por CartaCapital, 12-04-2016.
Eis o artigo.
Nasci nos anos 1980 e cresci em tempos democráticos. Para minha geração, nunca houve dúvidas de que o Brasil era uma democracia plena, estável, ainda que adolescente. Golpes e outras rupturas institucionais eram temas de aulas de história.
Talvez os mais velhos não estejam surpresos, mas para minha geração é espantoso ver tamanha polarização política. Gente que acreditávamos ser democrata hoje dispostos a todas as inconsequências para apear do poder um governo democraticamente eleito.
Dilma Rousseff fez um governo ruim. Não faltam argumentos para criticá-la. Por isso quero aqui falar do papel da oposição, em especial do PSDB. O atual caos político começou a ser gestado no dia da reeleição, em 2014, quando no apartamento da irmã de Aécio Neves, em Belo Horizonte, já se comemorava a derrota do PT à medida que o candidato tucano se mantinha à frente nas apurações. A virada nos instantes finais e a vitória de Dilma por margem estreita fez o PSDB assumir o indigno papel que hoje lhe cabe: ser a UDN do século 21.
A UDN, União Democrática Nacional, foi o partido da classe média conservadora fundado nos anos 1940. Seu líder maior era o jornalista Carlos Lacerda, um estridente crítico de Getúlio Vargas, então a maior liderança popular do país. Bom de voto, Getúlio era o grande mal a ser combatido, o homem que fazia o país afundar no “mar de lama da corrupção”.
Anticomunista, com discurso liberal e simpática ao capital estrangeiro, a UDN tentou derrubar Getúlio em 1954. O contragolpe veio com o tiro no peito dado pelo presidente, que enterrou por ora as pretensões udenistas.
Nos anos seguintes, a UDN conspirou contra Juscelino Kubitschek. Nos anos 1960, o alvo era Jango. A UDN então convocou uma “marcha da família” contra a “ameaça vermelha” e apoiou com entusiasmo o golpe militar para “limpar o país da corrupção”.
Voltando aos tempos atuais, cinco dias depois da derrota no segundo turno, o deputado tucano José Aníbal tuitava uma declaração de Carlos Lacerda que resumia a UDN de outrora e o PSDB de hoje em dia: “Lacerda dizia de Getúlio: ‘Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar’”, escreveu Aníbal.
Soa familiar e atual?
Em meio a delações da Lava-Jato, golpes de Eduardo Cunha e todos os capítulos da trama do impeachment, foi o PSDB que, no dia seguinte ao segundo turno, já falava em recontar os votos.
Dois meses após a posse de Dilma, os tucanos já estavam na rua pedindo o impeachment da presidente, antes mesmo de ter um fato que motivasse o processo.
Na normalidade, primeiro vem um crime de responsabilidade e depois um processo de cassação. No caso de Dilma, primeiro veio o impeachment e, por mais de um ano, buscou-se um suposto crime para derrubá-la.
Aécio e tucanos como o deputado Carlos Sampaio já não se envergonham de incorporar o velho espírito udenista. O PSDB chegou a entrar no TSE para pedir a extinção do PT. Mais decepcionante é a velha guarda - como Fernando Henrique, que um dia se acreditou ser estadista - embarcar na onda.
Pagaria muito para saber o que integrantes da antiga ala do PSDB, como Franco Montoro ou Mário Covas, falariam do atual momento se estivessem vivos. Luiz Carlos Bresser-Pereira, que um dia foi uma das estrelas tucanas, está hoje ao lado de Dilma e é uma voz potente contra o impeachment.
Fala-se em declínio do PT, mas mais flagrante é a decadência do PSDB. Assim como a velha UDN, os tucanos partiram para o vale-tudo, sem pensar no que vem por aí. Se o golpe contra Dilma se concretizar, o país viverá uma cisão política que levará décadas para ser superada. A imagem do país será seriamente abalada. O Brasil-país-do-futuro será a sombra de um passado vergonhoso.
E um impeachment de Dilma poderá causar uma perigosa onda de instabilidade, que será interna (agora pode derrubar governador que fez pedaladas?), para os próximos governos (Temer acha que conseguirá governar?) e que poderá afetar toda a América do Sul (afinal, se no Brasil pode derrubar governo, pode em qualquer lugar).
Se fosse menos imediatista, menos ressentido e pensasse realmente no país, o PSDB deveria observar a história, até para salvar a si próprio. Em 1964, a UDN apoiou o golpe militar. Não demorou muito tempo para os generais colocarem os antigos aliados na ilegalidade, junto com os comunistas e todos os outros partidos. Foi o fim.
O PSDB hoje acha que irá faturar se derrubar Dilma. A realidade é que os tucanos correm o risco de serem engolidos pelo PMDB e ganharem as vaias dos verde-amarelos raivosos que alimentaram nos últimos tempos.
A julgar pelas pesquisas, podem ficar até de fora do segundo turno nas próximas eleições. Mas o pior ainda está por vir. O partido que um dia quis representar a modernidade no Brasil poderá fatalmente passar ao ostracismo da história. E o pior: sob o rótulo de golpista.
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E o PSDB virou a nova UDN - Instituto Humanitas Unisinos - IHU