07 Abril 2016
"O seu olhar está pronto para ver Jesus morto, aquele Jesus que têm visto, contemplado, escutado e amado. Para quem ama, não encontrar o amado/amante é uma situação na qual a gente não se encontra mais, uma incerteza desesperadora...", escreve Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado na revista italiana Jesus, abril 2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
Estamos vivendo os dias da Páscoa de Jesus e cantamos a nossa fé no amor que venceu a morte. O amor, precisamente, isto é “Deus” que “é amor” (l Jo 4, 8-16), mas também o amor dos humanos, homens e mulheres, que o vivem talvez com contradições, mas procuram vivê-lo como a única coisa que pode dar sentido à sua vida.
Nos evangelhos, textos tão sóbrios sobre os sentimentos, sobre as relações de afeto entre Jesus e os seus discípulos e as suas discípulas, algo de tal amor transparece, todavia nos contos referentes à ressurreição do próprio Jesus, quando os discípulos e as discípulas encontraram aquele que haviam seguido na vida, mas que haviam abandonado ou seguido de longe na sua paixão e na sua morte ignominiosa sobre a cruz. Desde sempre os leitores dos evangelhos notaram paralelos e apelos entre os contos pascoais e o Cântico dos cânticos, o canto do amor entre um amante e uma amada, canto que é fogo, uma chama de amor (cf. Ct 8,6). Pondo-me nesta linha quereria, pois, se sou capaz, escrever com liberdade sobre o amor entre Jesus e os seus na alvorada de Páscoa.
Todos os evangelhos dão testemunho que no anoitecer da sexta-feira o corpo morto de Jesus é retirado da cruz e que as mulheres discípulas participam do seu sepultamento chorando, manifestando toda a sua dor pela perda daquele que tanto haviam amado. Depois se detêm, observam aquela tumba fechada para sempre com uma grande pedra e custam afastar-se do corpo de Jesus; somente o mandamento do sábado, dia que iniciava com o anoitecer, as impele a voltar para a casa que as hospedava em Jerusalém. Sim, “cessou a voz alegre e a voz feliz, a voz do esposo e da esposa” (cf. Jeremias. 25, 10)... Mas estas mulheres vigiam e, retornadas da tumba, preparam óleos misturados a perfumes (cf. Lc 23, 56) e permanecem na espera: aquele sábado tão vazio, tão mudo, deve passar rapidamente! Naquele dia de solidão, no qual não há nada a fazer, as mulheres “recordam”, sobretudo recordam os dias transcorridos junto a Jesus, naquela vida comum vivida na Galileia e depois na Judeia, de modo itinerante. São horas de pranto e de recordação.
Logo que chega a manhã do primeiro dia da semana, quando ainda está escuro, elas foram à tumba de Jesus. Por quê? “Para ver o túmulo” (Mt 28, 1)? “Para ir ungir” (Mc 16,1; cf. Lc 24,1) o corpo de Jesus, para que se conserve o mais possível? De fato ainda são atraídas por Jesus, e nada as detém: devem estar próximo a ele... Mas eis a surpresa indizível: a tumba está vazia! As mulheres veem o impensável, o que não esperavam, olham com atenção, caem na aporia, experimentam temor... Trêmulas, desconcertadas, desiludidas pela sua ausência, procuram Jesus: aonde foi o amado do seu coração (cf. Cântico dos Cânticos 3, 102)? O seu olhar está pronto para ver Jesus morto, aquele Jesus que têm visto, contemplado, escutado e amado. Para quem ama, não encontrar o amado/amante é uma situação na qual a gente não se encontra mais, uma incerteza desesperadora...
Algumas daquelas mulheres olham a terra (cf. Lc 24,5), alguma outra fixa aquele antro vazio (cf Mc 16,4). Maria de Mágdala pensa estar no santo dos santos, onde dois anjos vigiam o lugar da presença de Deus (cf Jo 20, 11-12); as outras mulheres veem um mensageiro que interpreta aquele vazio: “Vós procurais Jesus Nazareno, o crucificado. Ressurgiu, não está aqui” (Mc 16, 6; cf, Mt 28m 5-6). Mas, ao amor não bastam nem mensageiros nem anjos, como protestava são Bernardo: “Não aceito mais os sonhos e as visões,... não aprecio sequer as aparições dos anjos...
Quero que seja ele a ‘beijar-me com o beijo de sua boca’ (Cf 1,1)!” (Discursos sobre o Cântico dos cânticos 2,2). Mas o amante tarda, enquanto cresce a impaciência e, junto à impaciência, o amor de quem é amado.
Até que chega a hora do encontro. “Maria!”, diz Jesus à Madalena, e ela responde: “Meu mestre!” (Jo 20,16). Maria ouve o seu amado que a chama (cf Ct 5,2), as outras mulheres veem Jesus que vem ao seu encontro dizendo: “Shalom!”, lhe pegam os pés e ficam ajoelhadas a beijá-los (cf Mt 28,9).
Maria Madalena, que naquela manhã se tinha dito: “Procurarei o amado do meu coração até que o tenha encontrado” (cf. Cântico dos cânticos 3, 1-2), apertando-o a si (cf. Ct 3,4) ouve a sua voz dizer-lhe: “Não me toques, não me detenhas “ (Jo 20,17), mas também tu, junto com as outras, corre e vai dizer aos meus irmãos que ‘eu sou’ (Egó eimi)”.
Então Maria canta no próprio coração: “Encontrei o amado do meu coração e o abracei fortemente’ (Cântico dos cânticos 3,4), mas ele de repente me foi dizendo: ‘Não me toque’.” Talvez também a Jesus ocorreu dizer: “Não me toque”...
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Encontrei o amado Jesus. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU