21 Março 2016
"Gostaria que, por alguns dias, vocês mudassem a foto do seu perfil por uma bandeira turca, como fizeram e fizemos quando Paris, Madri, Londres eram atingidas." O Pe. Antuan Ilgit dirigiu-se aos amigos do Facebook depois do ataque em Ancara, no dia 13 de março, para pedir que os jovens europeus e ocidentais expressassem solidariedade às vítimas e aos seus coetâneos turcos que vivem um tempo de grandes contradições.
A reportagem é de Chiara Santomiero, publicada no sítio Aleteia, 17-03-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Pe. Ilgit é o primeiro sacerdote jesuíta de nacionalidade turca, em um país onde o clero é quase exclusivamente estrangeiro. Hoje, ele está nos EUA para o doutorado em teologia moral no Boston College, mas o pensamento não pode deixar de ir para a Turquia e Ancara, em particular, onde ele completou os estudos universitários e amadureceu a conversão ao cristianismo e à vocação sacerdotal.
Eis a entrevista.
É o terceiro atentado que atinge a cidade em cinco meses: o que você sente?
É difícil ler os jornais ou assistir os telejornais que atualizam a contagem das vítimas e dos muitos feridos: estudantes universitários, o pai do jogador do Galatasaray Umut Bulut, operários, policiais... Eu sou de Mersin, a 25 km de Tarso, mas Ancara é a amada cidade em que eu vivi anos significativos da minha vida. Quatro anos de universidade em Ciências Econômicas e Administrativas, durante os quais, de noite, eu vendia fichas para os telefones públicos justamente na rua do atentado e, depois, dois anos de serviço militar, durante o qual eu pegava os ônibus do Exército no mesmo lugar atingido pelo atentado anterior. Fui batizado em Ancara, celebrei a minha primeira missa também lá. Comecei o meu doutorado que agora eu continuo aqui em Boston também lá em Ancara, vivendo cerca de um ano na comunidade dos jesuítas.
A sua família é muçulmana, e você cresceu nessa fé. Como começou o seu caminho para o cristianismo?
Se os meus pais são de fé muçulmana, o seu pertencimento nunca foi profundamente religioso, mas sociocultural. Dentro de mim, havia uma inclinação para aspectos espirituais e profundos, que eu não conseguia encontrar correspondência. A reviravolta que me levou a encontrar Jesus como Filho de Deus foi a doença da minha mãe, que perdeu aos 51 anos, para um tumor. O meu pai era pescador, e a minha família não tinha os meios para pagar os custos de saúde. Eu tinha 20 anos e comecei a me perguntar sobre a injustiça, o sofrimento, a vida. Busquei respostas no sufismo, no judaísmo, no protestantismo. Cada encontro me remetia a outro.
E, depois, o que aconteceu?
Eu entrei na igreja católica de Santo Antônio, em Istambul. Na missa celebrada em turco, encontrei um Deus que se fizera homem, um Deus onipotente e humilde, um Deus que colocava a sua tenda no meio da humanidade, ao contrário de um Deus que mantinha distâncias intransponíveis e tendia substancialmente a julgar e a punir, como eu havia sido instruído nos cursos corânicos que, desde criança, eu frequentava na mesquita do meu bairro. A adesão ao cristianismo não foi uma mudança de religião, mas um verdadeiro encontro pessoal com Cristo. Ele, usando-se da minha fé em um Deus único e da minha inquietação interior, veio me encontrar no meu lago da Galileia e me chamou para segui-Lo. Depois desse encontro, conseguindo dar sentido um sentido novo e profundo à situação da minha mãe, consegui também enterrá-la em paz e segui-Lo com os meus inevitáveis altos e baixos. O encontro com Ele foi um aperfeiçoamento da minha fé e reconciliação e recolocação de muitas partes da minha vida.
Não foi um caminho fácil. Como você vive hoje o encontro entre as suas origems e a fé cristã?
Quando você se converte, a maior dificuldade é que você é rejeitado pela sua comunidade de pertença e não é acolhido de braços abertos pela comunidade cristã que, ao menos inicialmente, tem resistências, dúvidas sobre a autenticidade da sua fé e das suas motivações. Especialmente na Turquia, onde as comunidades cristãs são compostas por fiéis armênios, sírios, maronitas e assim por diante, com um pertencimento também de tipo étnico, há uma resistência enraizada em relação aos convertidos. Para muitos deles, ao contrário da mensagem evangélica, "cristãos se nasce!". No entanto, a graça da conversão que eu recebi como dom me dá a grande responsabilidade de ser uma ponte entre as culturas, que encontra concretude na missão que me foi pedida como jesuíta. Neste momento, estou envolvido no doutorado em teologia moral com a perspectiva de uma contribuição para o diálogo inter-religioso através da bioética. A minha tese examina as perspectivas muçulmanas e católicas sobre a deficiência no contexto atual da Turquia e propõe uma pista de diálogo baseada nessa temática. A bioética é um campo fértil para um diálogo frutífero, porque todas as religiões, especialmente o cristianismo e o Islã, fazem reflexões éticas.
O Papa Francisco também repete que hoje são necessárias pontes, e não muros...
É isso. Eu tenho dupla cidadania, turca e italiana. Depois da minha maravilhosa experiência de vida, que eu considero um dom, eu não poderia ser inteiramente turco ou inteiramente italiano. Eu sinto que pertenço a ambas as culturas e trago no meu coração ambos os países, amando-os profundamente e criticando-os construtivamente quando necessário. Nesse sentido, eu acho que posso ter uma missão no acompanhamento dos imigrantes que estão na Europa e daqueles que batem na sua porta no seu processo de adaptação aos valores fundamentais dos países que os acolhem.
Você escreveu que os jovens turcos precisam ver que alguém os leva em consideração: por quê?
Porque eles não veem um futuro para eles. O governo tinha dado passos corajosos e admiráveis para resolver a chamada "questão curda", que custou tantas vítimas, recursos e energias. O processo de paz começou, encontrou uma correspondência sincera na parte contraposta e aumentou a esperança de uma paz duradoura. Mas, depois, quem tinha começado esse processo também o parou, e, assim, foi dado espaço para uma escalada das violências. Aos atentados, a classe política reage com operações militares no leste do país contra os terroristas do PKK. Há meses, muitas localidades do sul estão intransitáveis, e, enquanto os terroristas são eliminados, as pessoas normais, crianças, mulheres, idosos, deixam as suas casas e se deslocam. Há uma migração interna que dá medo e que, no momento, permanece na sombra da imigração síria.
O que você acha que vai acontecer?
Tudo isso – mas é a minha opinião exclusivamente pessoal, como cidadão turco, que não representa ninguém, senão a si mesmo – cria novos traumas que acabarão gerando um novo ódio e novas violências. Como cidadãos turcos, sabemos muito bem, por experiência, que a ação militar não é uma solução justa, não traz frutos duradouros, e que devemos voltar à mesa para restabelecer a paz, a unidade e a reconciliação. O país está se afastando também do processo de democratização pedida pela Europa. Jornalistas, escritores, acadêmicos que expressam também de modo construtivo as suas dúvidas, as suas incertezas sobre o andamento da situação são processados, presos e perdem o emprego. Em tal contexto, é muito difícil que, para um jovem, se levante a perspectiva de um futuro, apesar de a Turquia ter muitos recursos naturais, culturais, econômicos. A população turca é jovem, enérgica, aberta aos valores ocidentais, ao progresso, à democracia. Espero de todo o coração e rezo continuamente para que o Senhor toque os corações daqueles que têm a possibilidade e o poder de governar melhor.
No Facebook, você pediu que se expressasse visualmente a solidariedade com Ancara, como aconteceu com Paris...
Como explica bem o meu coirmão Pe. Antonio Spadaro, a rede não é um segundo ambiente em que se vive, mas um tecido conectivo da nossa experiência do mundo. Vimos a força do Facebook e do Twitter para transmitir o grito por mais democracia e por mais direitos em vários países. Através do meu post, eu tentei sensibilizar as pessoas, os amigos, sobre o fato de que, diante da violência e da injustiça, é preciso se unir, porque o que acontece para mim hoje pode acontecer com você amanhã. As mídias sociais têm os seus próprios modos, e, por isso, propus que se compartilhasse não apenas e necessariamente as bandeiras turcas, mas talvez também uma poesia do nosso Nazim Hikmet, acompanhada por um pensamento pelas vítimas. No entanto, respeito também o silêncio, se não for fruto de uma verdadeira indiferença. A Semana Santa em que estamos prestes a entrar é feita justamente de silêncio. Aqueles que não querem se expressar nas mídias sociais, que adotem o silêncio, diante da Cruz, do rosto de uma vítima, de um jovem universitário, de um vendedor de simit, de um engraxate, de um policial turco morto anteontem, nos últimos meses e o traga consigo diante d'Aquele que sofreu, morreu e ressuscitou.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Eu, jesuíta, convertido do islamismo, ponte entre duas culturas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU