03 Março 2016
Embora possa chocar alguns, nós, os seres humanos, não somos nem centrais tampouco supremos na grande escala da criação. Temos um lugar entre outras criaturas amadas pelo mesmo Deus vivo, e há mais um parentesco do que um domínio.
A reportagem é de Beth Griffin, publicada por National Catholic Reporter, 29-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na semana passada, a Irmã Elizabeth Johnson, destacada professora de Teologia na Fordham University e membro da Congregação de São José, compartilhou os seus pensamentos a respeito da ideia de parentesco com a natureza e descreveu novos modos de compreender a forma como os humanos se enquadram dentro da obra de criação divina durante um evento na Mary House, casa do Movimento do Trabalhador Católico (em inglês, “Catholic Worker Movement”), em Nova York.
A palestra, intitulada “Criação: Onde as pessoas se encaixam?”, fez parte de uma série de encontros que ocorrem às sexta-feira na Mary House.
O mundo natural e as suas criaturas estão em crise como consequência do consumismo e da ganância, bem como do espaço diminuto deles no imaginário religioso contemporâneo, disse ela. O remédio é uma conversão a 180 graus em direção à terra, focando-se no Deus que a ama.
Johnson disse que a encíclica “Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum’” oferece uma visão religiosa da coexistência ambiental que difere da imagem tradicional que se tem. Ela convida a um novo jeito de ser que fortalece, e não diminui, aqueles com quem compartilhamos o planeta.
Como uma extensão teológica da opção pelos pobres, Johnson disse que a natureza se transforma aí nos novos pobres e que “o nosso amor pelo próximo precisa se estender para incluir o pobre mundo natural diminuído por um grupo elitista de humanos”.
Johnson falou que a compreensão católica sobre a criação era a de uma pirâmide com os humanos no topo e todas as demais criaturas como um pano de fundo neutro. “Há uma hierarquia e nós estamos no topo, e os outros estão aí para o nosso deleite”, explicou.
“É assustador ver a profundidade como que esse pensamento de os seres humanos serem os chefes da natureza acabou modelando a crença e a prática cristãs e o quanto ele apagou a criação da experiência religiosa”, completou.
Johnson falou ainda que essa teoria se desenvolveu com base na filosofia antiga grega que valorizou o espírito sobre a matéria, deixando as rochas e plantas mais distantes do divino; e os anjos, mais próximos.
Em Laudato Si’, Francisco pontua que Jesus Cristo rejeitava uma tal noção de hierarquia:
“Mas seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objetos submetidos ao domínio arbitrário do ser humano. Quando se propõe uma visão da natureza unicamente como objeto de lucro e interesse, isso comporta graves consequências também para a sociedade.
A visão que consolida o arbítrio do mais forte favoreceu imensas desigualdades, injustiças e violências para a maior parte da humanidade, porque os recursos tornam-se propriedade do primeiro que chega ou de quem tem mais poder: o vencedor leva tudo.
O ideal de harmonia, justiça, fraternidade e paz que Jesus propõe situa-se nos antípodas de tal modelo, como Ele mesmo Se expressou ao compará-lo com os poderes do seu tempo: ‘Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo’” (Mt 20, 25-26).
Uma alternativa à pirâmide da metáfora dos privilégios é o círculo da vida que abraça a evolução e a história biológica compartilhada entre todas as criaturas do planeta, segundo Johnson.
“Temos de concluir, de forma muito radical, que o sopro de vida em nós tem a mesma fonte enquanto sopro de vida nos animais. Porque somos todos criados por Deus, temos mais em comum do que aquilo que nos separa enquanto criaturas”, disse ela.
Francisco contribui com algo novo para este longo debate, ao acentuar a comunidade da criação. Não há justificativa para a dominação sobre as demais criaturas, pois elas também possuem um valor intrínseco e compartilham do amor de Deus.
Além disso, os maus tratos à natureza e à criação é algo profundamente pecador e contradiz a vontade do criador de que o mundo deve florir, disse a palestrante.
A conversão à terra inclui componentes intelectuais, emocionais, éticos e espirituais. Intelectualmente, o distanciamento de uma visão da vida centrada no ser humano irá honrar a presença de Deus “na, com e sob a comunidade ecológica de todas as espécies”, afirmou Johnson.
Emocionalmente, há uma necessidade de nos afastarmos da ilusão do ser “ser humano em separado” e das “demais espécies isoladas” em direção a um parentesco e uma afiliação sentida com todas as criaturas. Se este esforço for bem-sucedido, imagens tais como a do “irmão sol, irmã lua” – personagens centrais no Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis – tornar-se-ão verdades sentidas e não poesia.
Eticamente, a conversão requer que a sociedade “se relacione com a terra com respeito, não com rapacidade”, disse ela.
“Um universo moral limitado à pessoa humana não é mais apropriado. Devemos centrar novamente a atenção em toda a comunhão de vida”.
“Uma tal conversão nos leva a trazer de volta o mundo natural para dentro do nosso imaginário religioso com oração, arte, música, justiça e caridade. O desafio é desenvolver uma espiritualidade que faz do amor à terra e às suas criaturas ser parte intrínseca da fé em Deus, em vez de um elemento opcional”, declarou, acrescentando:
“Uma conversão ecológica significa apaixonar-se pela terra como uma comunidade viva inerentemente valiosa na qual participamos, e esforçar-se para ser fiel ao seu bem-estar criativo, porque amamos Deus, que ama a terra incondicionalmente”.
“Não estamos falando simplesmente de uma obrigação moral. Temos aqui um chamado para uma relação mais profunda com o Deus que nos transforma para uma maior generosidade em ressonância com o amor que nos criou e que nos fortalece”, disse Johnson.
“Como Deus poderia criar o mundo todo e deixar apenas uma espécie reinar?”, concluiu.
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Irmã Elizabeth Johnson explora o parentesco humano com a criação divina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU