19 Fevereiro 2016
O que acontece ao ser humano quando os olhos se fecham à existência terrena é uma questão que não foi respondida na experiência por nenhum ser vivo. Trata-se de uma afirmação tão óbvia, somente dizível se sustentada por algum apoio cultural que evoque "o país não descoberto de cujas fronteiras nenhum viajante retorna"; talvez, para ser mais hamlético de Hamlet, porque esse país simplesmente não existe.
O artigo é de Piero Stefani, publicado por "La Lettura", Corriere della Sera, 07-02-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
No entanto, quando livres de estruturas psicológicas e convenções e sociais, se é interpelado internamente por “este problema", colocado a partir de si mesmo ou daqueles que amamos, e não por Shakespeare. Para alguns a pergunta encontra resposta certa; para outros, porém, a vida depois da morte permanece, para citar Rabelais, o "grande talvez".
Trata-se de um pensamento não estranho, nem mesmo para a Bíblia. No próprio livro sagrado, por vezes, as perguntas prevalecem sobre as respostas. Para o Eclesiastes (3,21), é certo que todos nos movemos em direção ao pó, deixando problemático se a ruah (como traduzir? "espírito", "sopro de vida", "respiro"?) do homem vai para o alto, enquanto a dos animais vai para baixo.
"Talvez", "quem sabe". A perspectiva, para alguns, pode parecer anômala e somente explicável num livro estranho como Eclesiastes. Exceção, ou talvez concessão que diz ao cético: olha que na Bíblia há um cantinho também para você. Na verdade encontramos respostas na Escritura, mas elas também não são unívocas. Uma perspectiva , porém, é certa: a pergunta sobre o "depois" conecta-se com aquela sobre a ''origem".
Numa das primeiras páginas da Bíblia lemos que "o Senhor Deus, tendo formado homem do pó da terra, soprou em suas narinas um hálito de vida (nishmat hayyim) e o homem tornou-se vivente (nefesh hayiah) "(Gn 2,7). No Ocidente, há uma longa memória do fato de que o "biológico" não encontra em si mesmo a explicação da própria origem e deve, por isso, apelar a um sopro de vida primordial de fora. Traços de convicções semelhantes são encontrados até mesmo nas longas linhas de "A Origem das Espécies”, de Charles Darwin.
A antropologia bíblica não conhece o dualismo corpo-alma. Nela não há espaço para a visão do neoplatônico Celso, segundo a qual a alma é obra de Deus, enquanto, em base à natureza, não há distinção entre a nossa corporeidade e a de um morcego, de um verme ou de uma rã. Normalmente, na Bíblia, há uma concepção tripartite e relacional do humano articulada em três dimensões: carne (hebraico, basár; grego sarx), alma (hebraico, nefesh; grego psyche), espírito (hebraico ruah; grego pneuma).
Assim como é costume dizer-se que o ser humano é (não, tem) carne, alma e espírito. Visto sob a perspectiva de sua transitoriedade é "carne", em afirmar-se como ser vital é "alma", e em sua dimensão relacional com o outro – começando por Deus - é ruah (neste caso entendido como espírito, e não como respiro). É, portanto, apenas o espírito que distingue os humanos dos outros animais?
Na cultura ocidental a comunalidade genética entre humanos e animais, há quase dois séculos, é lida eminentemente em termos evolutivos: derivamos deles. Esta procedência é hoje, por vezes, interpretada como índice de um caminho ainda a percorrer para uns e para os outros. Esta última é a opinião do teólogo e analista junguiano Eugen Drewermann que, no seu pequeno ensaio “Sobre a imortalidade dos animais” (Castelvecchi, 2013), argumenta, com base em resultados obtidos pela psicanálise e pela etologia, que não é possível rejeitar a ideia de um único fluxo vital, que possibilitou primeiro tornarmo-nos homens a partir do mundo animal, e que agora continuamos a desenvolvermo-nos como seres humanos.
Esta pertença comum, em outras culturas expressa na participação interminável no ciclo das reencarnações, expressa-se aqui como força evolutiva espiritual destinada a dar origem a uma universal e imediata imortalidade. Há muito tempo a fé nascida da Bíblia, porém, era vivida de acordo com parâmetros diferentes dos prospectados por Drewermann. A morte individual entendida como um evento único e irrepetível é uma herança bíblica que passou para a civilização Ocidental; isso não significa afirmar que este sulco seja indelével; hoje em dia há, de fato, muitos sinais que vão na direção oposta.
De qualquer maneira, enquanto se mantém firme a unicidade da morte, a reaquisição vital da plenitude humana é obrigada a apresentar-se como uma reapropriação de “si mesmo” realizada em virtude da força externa do espírito. Isso, porém, deve encontrar uma correspondência interna capaz de recebê-lo. A solução está toda aqui. Necessita uma força de fora capaz de relacionar-se conosco e nós com ela. A tudo isso o léxico bíblico deu o nome de ruah ou pneuma.
Vito Mancuso, no livro intitulado “Questa vita” (Garzanti, 2015), afirma que, como todos os outros corpos físicos, o nosso organismo é energia + informação. Diferentemente de todos os outros seres, os humanos, no entanto, articulam-se em três níveis: corpo, psique e espírito. Somos corpos como as pedras, somos alma como os animais (aqui a etimologia não é enganosa); no entanto, a vida humana, enquanto energia e informação, produz um ulterior crescimento, atingindo um terceiro nível tradicionalmente chamado de "espírito".
O grande divisor de águas entre o conceito bíblico e o evolutivo é que para a Escritura ruah não é um potenciamento interno, mas uma força vinda ao ser vivo de fora. Esta, longe de ser um produto potenciado de energia + informação, é antes comparável ao sopro de vida insuflado no início. O espírito é uma realidade colocada no início e no fim da existência terrena. Quando a Bíblia ele fala do ''homem vivo”, fala de uma criação direta, não mediata por qualquer evolução (afirmação, esta última, que somente os fundamentalistas acreditam resolutiva do tema teológico centrado na relação entre fé e ciência).
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Corpo como as pedras, psique como animal, o homem é também espírito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU