18 Fevereiro 2016
"Decisões erradas, ilusões sobre a capacidade de controle da situação, falta de autocrítica e insistência no erro aumentaram dramaticamente as proporções da tragédia. Em um artigo publicado no Journal of Management Studies, em 2012, Mats Alvesson e André Spicer desenvolvem um pequeno tratado sobre a palermice e a estupidez nas organizações", escreve Thomaz Wood Jr., em artigo publicado por CartaCapital, 17-02-2016.
Eis o artigo.
Palermice pode ser definida como falta de sensibilidade, discernimento ou senso, a recusa ou incapacidade de utilizar a inteligência e os próprios recursos cognitivos.
O cotidiano está cheio de manifestações de palermice e estupidez, algumas delas agressivas, outras apenas inconvenientes. Em muitas situações, o efeito pode ser catastrófico.
Na noite de 13 de janeiro de 2012, um transatlântico ao largo da costa italiana realizou uma manobra exuberante, aproximando-se perigosamente de uma ilha, em um movimento conhecido e considerado por regras de navegação marítimas e pelos códigos da empresa proprietária do navio como prática insegura.
Seguiu-se uma colisão. O choque não foi prontamente seguido de um pedido de socorro, de alarme e de procedimentos para o abandono do navio. A embarcação naufragou. O desastre ceifou três dezenas de vidas. Um dos que se salvaram foi o capitão. Ele abandonou o posto assim que teve a chance e deixou os passageiros à própria sorte.
O caso do navio Costa Concordia e do capitão Francesco Schettino foi analisado pelos pesquisadores Luca Giustiniano, Miguel Pina e Cunha e Stewart Clegg. O trio lembra que o promotor do caso caracterizou o comportamento de Schettino como o de um idiota irresponsável.
Decisões erradas, ilusões sobre a capacidade de controle da situação, falta de autocrítica e insistência no erro aumentaram dramaticamente as proporções da tragédia.
Em um artigo publicado no Journal of Management Studies, em 2012, Mats Alvesson e André Spicer desenvolvem um pequeno tratado sobre a palermice e a estupidez nas organizações. Recordam notáveis contribuições ao estudo do tema.
Herbert Simon, no início dos anos 1970, cunhou o termo “racionalidade limitada” para captar o fato de que nas organizações, e fora delas, tomamos decisões não totalmente racionais. Isso ocorre por causa da falta de tempo, de informações ou de capacidade para processá-las.
James March e colaboradores, também na década de 1970, constataram que as organizações com frequência operam em ambientes ambíguos, dinâmicos e imprevisíveis. E as organizações são elas mesmas anárquicas e inconsistentes. Seus processos são pouco compreendidos pelos gestores e os tomadores de decisão são caprichosos e volúveis.
Elas operam com base em tentativa e erro, produzem muitas soluções depois descartadas pela ausência de problemas a eles correspondentes. O modelo de decisão proposto pelos autores ficou então conhecido como “modelo da lata de lixo”. Significativo!
Chris Argyris, na década de 1980, chamou a atenção para a “incompetência qualificada” presente em grandes organizações. Muitos gerentes e profissionais são qualificados por saberem agir com rapidez diante das situações. Ganham tempo, mas podem chegar com frequência a resultados negativos, porque evitam situações novas e perguntas difíceis.
Alguns pesquisadores passaram a se debruçar sobre o papel da ignorância nas organizações, definida como a simples falta de conhecimento sobre os assuntos tratados. Em um paradoxo, enquanto o acesso à informação aumenta, a capacidade para lidar com o conhecimento diminui e o descompasso leva gerentes e profissionais a tomar decisões e adotar práticas que conhecem apenas superficialmente. Resultado: ficam sujeitos a pequenos, e a grandes, desastres.
Alvesson e Spicer definem a estupidez funcional como a aversão ou incapacidade de mobilizar três recursos cognitivos específicos: primeiro, a capacidade para refletir ou questionar conhecimentos, procedimentos e normas; segundo, a inclinação para solicitar justificativas e prover razões e explicações; e, terceiro, o raciocínio substantivo, em lugar da tendência de tomar a parte pelo todo, de agir com miopia sobre as questões e os problemas.
Os autores argumentam que a estupidez funcional não é uma aberração a ser ingenuamente combatida, pois é impossível de ser debelada. De fato, muitas de suas características facilitam a vida organizacional, pois aceleram processos e evitam paralisias.
Por outro lado, a palermice organizacional pode também afundar navios, na costa italiana como em outras plagas. Cabe aos capitães e às suas tripulações gerenciar com consciência, humildade e autocrítica. Mas isso talvez seja pedir demais.
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Estupidez organizacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU