Por: Cesar Sanson | 16 Fevereiro 2016
Extrativistas e indígenas unem forças e criam rede de “cantinas”, que promete dinamizar a economia em Reservas Extrativistas e Terras Indígenas na Terra do Meio (PA).
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 15-02-2016.
Em quatro anos, os ribeirinhos da Terra do Meio, no centro-sul do Pará, implantaram 16 pontos de troca e comercialização de borracha, castanha, farinhas e outra dezena de produtos da floresta. Batizada de “cantina”, a iniciativa começou nas comunidades extrativistas, mas não demorou para os índios embarcarem no projeto. Ele já foi adotado nas três Terras Indígenas da região, onde existem ainda sete Unidades de Conservação (UCs).
Ao todo, 10 comunidades em três Reservas Extrativistas (Resex) já têm a sua cantina. Outras seis estão funcionando nas TIs do povo Arara, Xipaya e Curuaya. Em janeiro, as populações dessas áreas reuniram-se na cidade de Altamira (PA) e criaram a Rede de Cantinas da Terra do Meio.
“A cantina não é do cantineiro, é da comunidade”, diz Raimundo Freires da Silva, 47, morador da Resex Riozinho do Anfrísio, primeira UC a adotar o modelo na Terra do Meio. Silva foi escolhido cantineiro pelos ribeirinhos e trabalha em frente de casa. Diariamente, recebe a produção dos vizinhos, que levam castanha, óleo de copaíba e seringa já processada em blocos de borracha e trocam por alimentos e produtos industrializados, que vão desde arroz, sal, açúcar até lanternas, combustível, linhas e barbantes, entre e outros itens que normalmente os extrativistas teriam de viajar dias de barco até a cidade para comprar, ou encarar o alto preço dos regatões, comerciantes que passam de barco pelas comunidades ribeirinhas.
Se preferir, o ribeirinho pode trocar a produção por dinheiro. A garantia da venda dos produtos da floresta na Terra do Meio veio a partir de termos de cooperação firmados com compradores externos e pactuados com a comunidade. Todos os produtos são tabelados, o lucro e a prestação das contas de cada produto comercializado são definidos e compartilhados em assembleias envolvendo todas as famílias. O modelo recebe apoio técnico do ISA, que auxiliou a implantação das cantinas em 2011.
A Rede de Cantinas da Terra do Meio foi o pontapé para novas formas de comunicação, cooperação e trocas permanentes entre as cantinas da região. Na reunião de janeiro, definiram-se estratégias comuns de ribeirinhos e indígenas para transporte da produção e sua comercialização nos centros urbanos. A rede é também fundamental para a discussão de problemas e soluções comuns do dia a dia das cantinas.
O cantineiro é responsável por administrar um pequeno capital de giro formado com apoio de parceiros técnicos e comerciais, como a empresa suíça Firmenich, que utiliza o óleo de copaíba como fixador de seus cosméticos e as brasileiras Mercur, principal compradora da borracha, e Wickbold, que usa a castanha da região na produção de pães.
Ano passado, os contratos em vigor foram renovados e um novo contrato foi estabelecido em relação à castanha, durante a Semana do Extrativismo, promovida pelo ISA e associações de moradores das três Resex da Terra do Meio.
Raimundo da Silva esta animado com os resultados da criação da rede. Na reunião em janeiro, foram firmadas parcerias para gerenciar estoque, frete e logística entre extrativistas e indígenas. Serão divididos custos de armazenamento e combustível para o transporte em barcos dos produtos.“Antes, os índios não se davam muito bem com os extrativistas”, explica Silva. “Agora estamos nos unindo cada vez mais e nos unindo a gente vai ficar cada vez mais forte para brigar por nossos direitos”, acrescenta.
As cantinas não são apenas um incentivo para a retomada das atividades produtivas na Terra do Meio. Para empreender no ofício, Silva participa de cursos de formação, aprendeu a ler e fazer contas. Hoje, já começa a passar a limpo as contas e anotações do caderno para o computador. Diferente de tempos recentes, hoje ele vive com a esposa Maria José e oito filhos na Resex Riozinho do Anfrísio. A família toda frequenta a escola. O filho mais novo é o que tem mais tempo de estudo já que a escola é novidade na Terra do Meio. Já são 15 escolas, todas em funcionamento há menos de três anos.
As cantinas da Amazônia
Inspirada nos barracões que pertenciam aos chamados patrões da seringa, as cantinas eram lugares em que os seringueiros do século passado deixavam a produção de borracha em troca de alimentos de primeira necessidade. Sobrava pouco dinheiro e muitas vezes dívidas no saldo de meses nos seringais.
Hoje, os extrativistas da Terra do Meio estão reescrevendo essa história. Um deles é escolhido pela comunidade e administra a cantina e o capital de giro. “As cantinas têm sido o modelo de organização dos produtores, espaço de comercialização de mercadorias, compra dos produtos da floresta, gestão coletiva de capital de giro e coração do arranjo produtivo regional e, em seu desenvolvimento, está sendo pensado pela rede como um espaço público, também de educação”, explica o antropólogo Augusto Portigo, que há 15 anos apoia o fortalecimento da organização social e econômica de populações extrativistas.
Ao envolver diferentes produtos florestais não madeireiros trabalhados por ribeirinhos e indígenas, as cantinas são um frequente aprendizado. “O modelo já é uma referência em transparência das cadeias produtivas para as comunidades e aldeias envolvidas”, completa.
Sobre a Terra do Meio
A Terra do Meio é formada pelas Reserva Extrativista (Resex) do Rio Iriri, Resex Riozinho do Anfrísio, Resex Rio Xingu e Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio, Parque Nacional (Parna) da Serra do Pardo e as Terras Indígenas Cachoeira Seca, Xipaya, Curuaya, cobrindo assim uma área protegida de 8,48 milhões de hectares, conectados por uma malha de rios.
O extrativismo na região é um instrumento para que a floresta sobreviva à pressão de madeireiros e da pecuária ilegal. Os produtos da Terra do Meio são extraídos de regiões isoladas. Cerca de 300 famílias estão espalhadas em três Resex, com 1,5 milhões de hectares de floresta protegidos no Pará, distantes até 400 km de rio do centro urbano de Altamira.
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Ribeirinhos e indígenas formam aliança para fortalecer a economia da floresta amazônica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU