25 Janeiro 2016
Neste ano, talvez já em março, o Papa Francisco irá publicar o seu muito esperado documento sobre a família, que vai dar uma resposta ao debate sobre o mesmo tema travado nos Sínodos dos Bispos nos meses de outubro de 2014 e 2015.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por National Catholic Reporter, 21-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Sempre, desde 1975, os papas consideram as recomendações sinodais e, em seguida, emitem um documento chamado constituição apostólica.
Os Sínodos são encontros dos bispos, geralmente em Roma, que fazem recomendações ao papa sobre um tema em particular. Eles não têm autoridade para tomar decisões por si próprios. Somente podem fazer recomendações.
Durante o papado de João Paulo II, estas constituições apostólicas foram, em geral, elaboradas por um conselho pós-sinodal cujos membros episcopais eram eleitos pelo Sínodo e nomeados pelo papa.
Via de regra, os papas pegam as recomendações dos Padres Sinodais e a proposta textual do conselho formado e, em seguida, adaptam a proposta (ou a reescrevem) conforme julgarem necessário. Às vezes, os papas apenas fazem referência às recomendações e apresentam a sua própria visão no documento pós-sinodal.
O que o Papa Francisco irá fazer?
A julgar pelo que tem afirmado sobre a sinodalidade, podemos pensar que ele vai se manter próximo das recomendações do Sínodo. Ele considera o processo sinodal como sendo um aspecto muito importante da colegialidade. É, portanto, pouco provável que ele venha a ignorar o que os Padres Sinodais disseram.
Por outro lado, ele já deixou claro que está disposto a tomar decisões depois de ouvir os bispos e estas decisões podem nem sempre refletir a opinião da maioria.
Na verdade, o seu principal documento enquanto papa foi a constituição apostólica de 2013, Evangelii Gaudium, que ignorou, e muito, as discussões do Sínodo de 2012 sobre a evangelização. Aqui ele claramente falou por si mesmo.
Se eu tivesse de apostar, diria que a próxima constituição apostólica vai refletir de perto as preocupações sobre a família trazidas pelos bispos do sul global, especialmente os da América Latina e da África.
Estes bispos veem suas famílias sofrendo com a pobreza, o que frequentemente associam à globalização e ao capitalismo. As famílias nestes lugares muitas vezes acabam se dividindo em decorrência da violência civil e das guerras, o que eles associam à corrupção política e ao extremismo religioso.
É impossível manter as famílias unidas na pobreza e no caos político. Francisco entende isso e irá se expressar incisivamente a esse respeito.
Nós também iremos ouvir Francisco denunciar o que os bispos do terceiro mundo chamam de imperialismo cultural, onde os governos ocidentais [Europa e América do Norte] e agências de cooperação internacional tentam impor os seus valores sobre os países recipientes, por exemplo, ao insistir na legalização do aborto e do casamento gay. Francisco não apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, embora se oponha a qualquer criminalização ou discriminação contra as pessoas gays.
No concernente aos gays na Igreja Católica, ele provavelmente irá continuar dizendo o que já disse no passado. No Sínodo, um documento intermédio contava com uma linguagem mais conciliatória, mas esta foi deixada de lado por causa da forte oposição por parte de alguns bispos.
A questão que causou mais divisão no Sínodo foi a do tratamento aos fiéis divorciados e recasados. O cardeal Walter Kasper sugeriu que a Igreja Católica Apostólica Romana pudesse aprender com as igrejas ortodoxas, as quais, sob certas circunstâncias, permitem um segundo casamento civil depois do fracasso de um casamento sacramental válido. Os cônjuges no segundo casamento seriam admitidos à Comunhão.
Para muitos bispos, esta ideia ia longe demais. No Sínodo de 2015, sugeriram a simplificação do processo de anulação como uma alternativa. O Papa Francisco rapidamente deu sequência à essa recomendação com procedimentos simplificados que entraram em vigor em dezembro passado.
Inúmeros bispos, inclusive o cardeal Kasper, quiseram ir mais longe e o Sínodo de 2015 parecia estar fadado a um impasse até que os bispos falantes do idioma alemão propuseram uma alternativa: o foro interno. Os demais bispos seguiram nesse caminho, e o documento final afirmou:
“Por isso, não obstante seja necessário promover uma norma geral, é preciso reconhecer que a responsabilidade em relação a certas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos. Embora tenha em consideração a consciência retamente formada pelas pessoas, o discernimento pastoral deve assumir a responsabilidade por tais situações. Também as consequências dos gestos realizados não são necessariamente as mesmas em todos os casos. O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação de um juízo reto sobre aquilo que impede a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que podem favorecê-la a crescer.”
Observemos que nada é dito nestes parágrafos sobre a possibilidade da Comunhão, seja a favor ou contra. Será que esta ambiguidade proposital foi feita no intuito de alcançar os dois terços dos votos necessários no Sínodo? Eu acho que sim. Será que Francisco vai dar continuidade a esta ambiguidade? Ou será que vai esclarecê-la?
Da mesma forma, existem pelo menos dois modos diferentes de olhar a questão de foro interno.
Em termos reducionistas, o foro interno é um método particular de discernimento feito por um indivíduo junto a um sacerdote para decidir se o seu primeiro casamento foi, ou não, válido. Ele pode ser usado quando, por um motivo ou outro, o processo jurídico normal não pode ser empregado. Em outras palavras, esse método diz respeito à validade do primeiro casamento. Não pode haver reconhecimento algum desta solução no foro externo (público).
Uma outra visão do processo chamado “foro interno” assumiria uma visão mais ampla e se perguntaria se, apesar do fracasso do primeiro casamento (inválido ou não), uma pessoa está reconciliada e perdoada ao ponto de poder retornar à Comunhão mesmo se o primeiro casamento tenha sido válido em termos sacramentais. Aqui o divorciado se pergunta se ele está, ou não, agindo em boa consciência ao entrar num segundo casamento. Esta visão ampliada poderia ser considerada como sendo a abordagem ortodoxa, porém com um nome diferente.
Em nenhum dos casos a pessoa se casaria na Igreja. Visto que o sacramento do matrimônio acontece no foro externo (público), o divorciado iria precisar de uma anulação nesse foro, o que envolve o processo jurídico normal.
Tenho certeza de que diferentes bispos tinham em mente diferentes opiniões sobre o foro interno quando aprovaram o relatório final do Sínodo.
De novo, será que Papa Francisco vai esclarecer este ponto? Será que ele vai endossar a solução ortodoxa conforme proposta pelo cardeal Kasper, pessoa a quem ele abertamente admira, ou será que a oposição generalizada à abordagem ortodoxa vai significar que ele, o papa, pelo menos neste momento, irá ficar ao lado da visão estreita do foro interno? Francisco tem falado sobre supremacia da misericórdia contra o legalismo, o que é um indicativo para uma abertura à readmissão à Comunhão.
Ou quem sabe o papa vai fazer algo extraordinário e admitir que a hierarquia está dividida nesse assunto, dizendo que a situação requer estudos e um diálogo posterior na Igreja antes que seja dada uma resposta definitiva. Isso seria algo inédito.
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Papa Francisco prepara o documento sobre a família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU