01 Fevereiro 2016
"O nascimento de Rasschaert no exílio, em Kampen na Holanda, ocorrido em 13 de setembro de 1922, presumivelmente deixou nele um sinal perpétuo da guerra injusta. Crescido segundo a tradição flamenca, já muito cedo adquiriu fortes convicções", escreve Louis Francken, em artigo publicado por L’Osservatore Romano, 10-01-2016. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis o artigo.
Antecipamos o próximo número da revista La Civiltà Cattolica, com trechos de um artigo que relembra a figura heroica do padre Herman Rasschaert, missionário jesuíta que doou a vida pela harmonia entre as religiões na Índia. Era 24 de março de 2014, mais de 15.000 pessoas se reuniram em Kutungia, nas dependências da igreja nos limites de Jharkhand Orissa, a 240 quilômetros ao sul de Ranchi (Índia), para celebrar o 50º aniversário do martírio do padre Herman Rasschaert. Aqui, esse jesuíta belga, de 42 anos, foi pároco. Uma multidão enfurecida composta predominantemente por fundamentalistas hindus o matou em 24 de março de 1964 no vilarejo de Gerda, cerca de oito quilômetros de distância.
De acordo com testemunhas oculares, eles procuraram dissuadí-los a matarem os muçulmanos reunidos em uma mesquita e na madrassa vizinha. Um catequista do padre Rasschaert, Bernard Jojo, de 90 anos, disse que o mártir suplicava com as mãos unidas: “Por favor, deixe-os. Não faça mal a eles”. A celebração fez ressurgir o empenho pastoral do padre Rasschaert, a mensagem de paz, a busca de uma harmonia comum e a justiça. Enquanto as forças desagregadoras buscavam injetar o veneno do credo e do ódio da casta, fundado sobre a cor e sobre a raça, o seu sacrifício pouco percebido continuava a manter acesa a esperança e a amizade. Em vistas do 50º aniversário, o Instituto Social Indiano de Nova Delhi e Sadbhavna Manch (Fórum pela Harmonia) organizaram uma conferência, em 16 de novembro de 2013, na cidade de Ranchi, sobre o tema: “A busca pela harmonia em um contexto variável”. Mais de 300 personalidades de várias crenças participaram do evento.
“Não seria normal se o meu filho não fosse morto como fizeram”. Essa resposta espontânea de Cecilia Rasschaert à notícia da morte violenta do seu filho Herman é um testemunho do seu sacrifício extremo para que chegasse à Índia uma paz harmoniosa entre as várias comunidades, com respeito recíproco.
O nascimento de Rasschaert no exílio, em Kampen na Holanda, ocorrido em 13 de setembro de 1922, presumivelmente deixou nele um sinal perpétuo da guerra injusta. Crescido segundo a tradição flamenca, já muito cedo adquiriu fortes convicções. Dotado de um físico robusto, Herman amava atividades difíceis e trabalhosas. Educado pela mãe em um ambiente católico, cultivou também o perdão religioso. No último ano em que frequentou a escola dirigida pelos jesuítas em Aalst, na Bélgica, decidiu se tornar jesuíta, contrastando fortemente a vontade do pai. A sua decisão de se tornar missionário na Índia surpreendeu muitos dos seus colegas de seminário.
Chegou à Calcutá em 28 de novembro de 1947, três meses depois da declaração de independência da Índia, e em 2 de janeiro de 1962 lhe foi confiada a paróquia de Kutungia. Quando morreu, a paróquia possuía 17 igrejas nos vilarejos e 1500 católicos. Como pastor dedicado a executar com empenho e entusiasmo o seu trabalho, padre Herman fazia as suas visitas pastorais de bicicleta, andando em todas as capelas dos vilarejos três ou quatro vezes ao ano.
No início de março de 1964, notícias de conflitos violentos entre muçulmanos, hindus e adivasis (população de origem tribal) destruiu e conturbou todas as cidades vizinhas do então Paquistão oriental. E na incansável perseguição por parte dos fundamentalistas hindus, soube-se que também cristãos adivasis haviam sofrido com a hostilidade dos muçulmanos. Das milhares de pessoas que buscaram um refúgio na Índia, muitos em trens especiais, foram enviados de Calcutá para centros de pesquisa do Estado de Madhya Pradesh, na região central da Índia. A visão de tantos refugiados aterrorizados , alguns supostamente mutilados , despertou a indignação dos hindus na Índia .
Grupos de fanáticos aproveitaram a ocasião para exaltar ainda mais os ânimos. Em 18 de março de 1964 ocorreram tumultos nos importantes centros industriais de Jamshedpur e Rourkela. Todas as instituições educativas e as siderúrgicas foram fechadas por tempo indeterminado. A violência foi crescendo em ambos os lados do limite entre os Estados de Bihar e de Odisha. Grupos armados fizeram incursões nos campos espalhando o terror e falsas notícias: “O Paquistão declarou guerra! Os muçulmanos mataram os hindus”. Muitos agricultores, incluindo-se os adivasis, foram obrigados a se unir aos grupos de saqueadores que, furiosamente, atacaram os muçulmanos, os mataram e queimaram suas casas.
Vestido com a batina, padre Herman corre a Gerda de bicicleta e, em 20 minutos, alcança a mesquita. Aqui, enquanto se movia a pé em meio as pessoas, alguns o reconheceram e lhe disseram: “Este não é um lugar para você”. No entanto, sem nenhum medo, seguiu em direção à parte baixa do muro que circunda a mesquita. E mesmo quando os invasores lançavam pedras e tijolos nas centenas de pessoas reprimidas em um pequeno recinto, este disse aos muçulmanos para não terem medo. Então ele se virou para a multidão de agressores dizendo que “matar o povo é um grave pecado. Chega dessa loucura”. Nesse momento, uma enorme pedra o golpeou na cabeça e ele caiu de joelhos. Enquanto tentava, em vão, se colocar novamente em pé, golpes de faca o mataram. Jawaharlal Nehru, agora Primeiro Ministro da Índia, durante uma reunião do Partido do Congresso (o partido no governo), anunciou: “O padre deve ser homenageado”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Padre Herman Rasschaert, missionário na Índia. O jesuíta que deu a vida pelos muçulmanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU