06 Janeiro 2016
"Acordo conseguido em Paris é pródigo em boa vontade e avaro em meios para garantir que a temperatura média do planeta se eleve entre 1,5 e 2 graus centígrados", escrevem Dal Marcondes, jornalista, diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável, e Reinaldo Canto, colunista do site de CartaCapital e enviado especial do Portal Envolverde à COP-21, em Paris, em artigo publicado por Envolverde, 04-01-2016.
Eis o artigo.
Ao contrário da sensação de fracasso que emanou da gelada Copenhague, no inverno de 2009, quando as decisões da COP15 frustraram governos, cientistas e organizações sociais, Paris exala otimismo. Os 195 países que assumiram os compromissos no que agora é chamado de “Acordo de Paris” não estão obrigados a cumprir metas impostas, mas sim a trabalhar para manter os compromissos que eles próprios desenharam ao divulgar suas metas nacionais em um documento conhecido como INDC (Intended Nationally Determined Contributions), que em tradução livre pode ser a Contribuição Nacional Pretendida. O Acordo de Paris inova também ao apontar como meta 1,5ºC de elevação máxima da temperatura média do planeta até 2100. Para isso as metas nacionais e as ações adotadas por cada país serão revisadas a cada 5 anos.
O Brasil, por exemplo, estabeleceu como objetivo uma redução de 37% de suas emissões de gases estufa até 2020 tendo como base o ano de 2005. Essa meta é considerada avançada por organizações sociais como o Observatório do Clima, que reúne especialistas e militantes. No entanto, Carlos Rittl secretário executivo da ONG alerta que há o risco de se chegar em 2030 com uma tendência global de elevação de 3ºC se os países não forem rigorosos no cumprimento de suas INDCs. “É preciso que os países ricos assumam os compromissos de financiamento e que todos cumpram o prometido”, explica. Esses compromissos voluntários que foram a marca da COP de Paris, são uma inovação, mas precisam ser transformados por cada nação em “Políticas de Estado”, explica a ministra brasileira Izabella Teixeira. Para ela, o documento de 29 artigos que será entregue para a guarda da Secretaria Geral da ONU, precisa ser entendido como uma guinada em direção a uma nova ciência, esforço de inovação e, principalmente, de compartilhamento de tecnologias e conhecimentos que apontem para uma economia de baixo carbono.
O dinheiro prometido soma US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para que os países pobres e em desenvolvimento possam adequar suas economias ao novo cenário de baixo carbono. Para atingir os objetivos propostos será necessária uma profunda transformação da matriz energética global, ainda com extrema dependência de derivados de petróleo e carvão. Apenas 10% da energia que move o mundo é renovável. Nesse quesito o Brasil entra com alguma vantagem comparativa, uma vez que, mesmo com a crise hídrica que atinge os principais parques hidrelétricos, cerca de 50% do consumo brasileiro de energia vem de fontes renováveis, principalmente hidroeletricidade e biomassa, sem esquecer o fortalecimento recente das fontes eólicas. No entanto, essa transição é vista com cautela, uma vez o que mundo vive um momento de petróleo farto e barato.
Apenas como comparação de valores, um estudo de 2013 publicado na revista científica Nature alertou que, sem a adoção de maiores reduções nas emissões de carbono, o custo mundial das inundações nas cidades poderia aumentar para US$ 1 trilhão por ano até 2050, e os prejuízos poderiam se propagar por todos os cantos do planeta. Portanto, os investimentos para controle de emissões não devem ser vistos como despesa, mas sim como investimentos em gestão de risco e mitigação de eventos globais com impacto financeiro muito maior. Esse mesmo estudo aponta que quase 830 milhões de pessoas vivem em periferias urbanas com graves deficiências em infraestrutura e serviços. Isso torna as cidades as áreas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos.
Outro estudo, desta vez do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) aponta que as concentrações urbanas são responsáveis por até 80% das emissões mundiais de gases estufa e calcula-se que até 2050 devem abrigar 70% da população mundial, que também deve crescer dos atuais 7,4 bilhões de pessoas, para perto de 9 bilhões de seres humanos.
Dentro dessa linha de raciocínio, onde as cidades são verdadeiros sorvedouros de recursos, uma das teses que ganha força entre organizações sociais e do empresariado, é a necessidade de maior eficiência no uso de energia. Segundo dados do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma entidade brasileira que reúne empresas, há um potencial para a implantação de programas de eficiência no uso de energias que possibilitaria um superávit de 20% de toda a energia gerada, apenas na América Latina. Esse número, segundo Marina Grossi, presidente da entidade, permitiria uma economia de emissões de CO² da ordem de 2 bilhões de toneladas e uma economia de US$ 2,8 trilhões até 2032.“Esse valor é duas vezes o investimento necessário, de acordo com o Banco Mundial, para prover acesso à energia a 1,1 bilhão de pessoas que vivem na escuridão no mundo”, explica Grossi.
Entre os principais pontos explicitados nos 29 artigos do Acordo de Paris estão algumas inovações, a primeira é que ele não seguiu a lógica do “Protocolo”, como foi feito em Quioto em 1997, o status legal desse acordo é híbrido e será abrigado sob o manto da Convenção da ONU Sobre Mudanças do Clima, de 1992. Isso significa que algumas partes são obrigatórias e outras são compromissos voluntários que os próprios países assumiram em suas INDCs. Ficaram de fora do acordo os termos “descarbonização” e “combustíveis fósseis”, no entanto foram assumidos compromissos de longo prazo em relação às temperatura pretendidas para o planeta até o final desse século. Outra inovação é que o acordo passará por revisões periódicas a cada cinco anos, de forma a dimensionar se as medidas adotadas estão alinhadas com a meta final de 1,5ºC de elevação até 2100. Essas revisões também poderão servir para recalibrar a necessidade de dinheiro.
Nas duas semanas de COP21 estiveram em Paris 150 Chefes de Estado de 195 delegações de negociadores. Nas ruas da cidade estima-se algo entre 30 mil e 40 mil pessoas de organizações sociais e empresariais de todo o mundo, que participaram de manifestações e de centenas de eventos paralelos sobre todos os temas correlatos às mudanças climáticas. As negociações não foram fáceis, como relatou a ministra Izabella Teixeira, ao apontar que em alguns momentos os principais países em emissões tiveram de conversar duro para encontrar um denominador comum. Há registros de telefonemas do presidente Barack Obama a seu colega chinês Xi Jinping em um esforço de convencimento sobre os benefícios de um acordo. Desse diálogo saiu uma inédita parceria para a implementação do Acordo de Paris. A China, um dos maiores poluidores do mundo, se comprometeu a chegar a um pico de suas emissões em 2030 e depois reverter sua curva drasticamente para ajudar a cumprir a meta global de 1,5ºC.
Nem tudo, no entanto, foram flores em Paris, houve muito trabalho entre os negociadores para lidar com países que tentaram bloquear um acordo mais ambicioso. A coalizão Climate Action Network com mais de 900 organizações ambientais, entregou todos os dias o prêmio “Fóssil do Dia”, para os países que mais levantaram obstáculos. Um dos grandes vencedores foi Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, mas houve surpresas, como a Nova Zelândia, que ainda subsidia petróleo e carvão, a Bélgica, que não tem cumprido com seus compromissos assumidos diante da União Europeia, além das organizações internacionais de Aviação Civil e de Navegação Marítima, que apesar de representarem 6% das emissões globais conseguiram ficar fora de qualquer meta.
Para o Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon o mais importante é que os países abandonem a visão egocêntrica do mundo e colaborem para uma perspectiva global de longo prazo. “Estamos em um momento definitivo, uma nova economia deve emergir do Acordo de Paris”, disse, espelhando o otimismo de diversos líderes que se manifestaram.
A voz destoante ficou por conta da Nicarágua, que através de seu negociador-chefe, Paul Oquist, exigiu a retirada de um artigo no texto final que exime as nações ricas de responsabilidades sobre perdas e danos das nações mais frágeis frente às mudanças climáticas, e alertou que as soma das metas nacionais apresentadas em Paris não garante o limite de 1,5ºC, mas aponta, segundo ele, um horizonte de alta de 3ºC para 2100.
Mesmo não estabelecendo limites ou metas de corte de emissões de carbono, o Acordo de Paris tem como referência os relatórios do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, criado no âmbito da ONU, e que reúne mais de 1500 cientistas e pesquisadores em torno do tema. Estudos apresentados pelo IPCC apontam que para se conseguir manter a temperatura com elevação média de 1,5ºC será necessário um corte de 70% a 80% das emissões de carbono no mundo até 2050. Portanto, o otimismo em relação ao acordo é justificado pela vitória política e pela abrangência alcançada, mas ainda haverá muito a se fazer nas avaliações que serão realizadas a cada cinco anos.
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2016, o primeiro ano da Economia do Acordo de Paris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU