01 Dezembro 2015
Ricardo Vescovi diz não saber ainda por que ocorreu a maior tragédia ambiental da história do País e prevê que as lições do acidente vão servir para o mundo inteiro.
Ricardo Vescovi estava em casa, em Belo Horizonte, no dia 5 de novembro, quando interromperam uma reunião para dizer que a barragem de Fundão tinha se rompido. “Ela desceu de repente, avisaram. Eu gelei”. O presidente da Samarco nem quis esperar pelo helicóptero: pegou o carro e correu para a unidade próxima do acidente, a de Germano – onde há três semanas enfrenta, em tempo integral, o maior desastre ambiental da história do País, que custou, até agora, doze vidas.
Engenheiro metalúrgico de profissão, 45 anos de idade, 23 deles na Samarco – que comanda desde 2012 – Vescovi tem vivido horas difíceis. A empresa é criticada por má gestão no controle dos rejeitos, por demora na reação à tragédia, por comunicação falha com os moradores. Paralisada, com depósitos bloqueados, ela informou na sexta-feira que não terá como pagar funcionários nesta segunda – a não ser que a Justiça suspenda o bloqueio.
“Estamos trabalhando para melhorar isso”, diz ele nesta entrevista, por telefone, à coluna. Na sexta-feira, Vescovi passou duas horas depondo na delegacia de crimes ambientais, em Belo Horizonte. Ao mesmo tempo a Vale, sócia proprietária da empresa ao lado da BHP-Billington, anunciava a criação de um fundo voluntário para a recuperação do Rio Doce. O presidente da Samarco admite que “não se sabem ainda as causas do acidente” e avisa que as equipes “estão trabalhando 24 horas por dia” para normalizar a situação. E garante, em tom convicto: “Não houve omissão!” A seguir, trechos da conversa.
A entrevista é de Sonia Racy, publicada por O Estado de S. Paulo, 30-11-2015.
Eis a entrevista.
O rompimento das barragens em Minas é considerado a maior tragédia ambiental do País. Poderia ter sido evitado? Como impedir que se repita?
Em primeiro lugar, as causas do acidente ainda não foram levantadas. É surpreendente que a barragem de Fundão tenha descido de uma só vez – isso foge aos modelos matemáticos habituais. Temos gente do mundo inteiro aqui estudando o que aconteceu, mas vamos precisar de tempo para uma conclusão. A investigação exige uma interação de disciplinas – geotecnia, geologia, mecânica de solo, mecânica de fluidos, sismologia…
Mas não há nem uma hipótese mais provável, ainda?
Não. Isso não faz parte do processo de investigação. Tem de deixar o pessoal trabalhar livre para levantar hipóteses, e aprender com isso para evitar que aconteça de novo. Sabendo que as lições daqui vão valer para o mundo inteiro.
Quem está fazendo esses levantamento?
Tem tantos órgãos oficiais estudando – por exemplo, o Departamento Nacional de Produção Mineral, e profissionais de barragens, que vêm aqui olhar, estudar. Quanto a lições, já há algumas a aprender. A primeira é ter humildade para entender o tamanho disso tudo, numa empresa construída em cima de valores – respeito às pessoas, integridade e mobilização. Temos em campo uma equipe enorme da empresa e mais uns 800 voluntários dando ajuda humanitária, ambiental, providenciando tudo o que é solicitado.
Quem são esses 800 voluntários? Técnicos, gente da região?
Gente de todo tipo. Gente da empresa que estava em casa, de licença remunerada, e foi a campo, pedindo uma enxada, uma pá, um pedaço de pano. Há um senso de mobilização e solidariedade muito forte.
Foi noticiado que teriam ocorrido abalos sísmicos na área. Eles aconteceram mesmo?
Sim. Órgãos competentes, como Defesa Civil, Bombeiros, UnB e USP confirmaram. Informações mais detalhadas devem ser buscadas com eles.
Fala-se em novos riscos em Germano e Santarém. Como garantir que não vai acontecer de novo?
Nossas estruturas em Germano estão sendo monitoradas 24 horas por dia. Estamos fazendo as melhorias necessárias para ampliar o grau de segurança. Criamos um plano com a Defesa Civil, responsável por fazer a evacuação da área. A gente tem trabalhado no reforço de tudo.
A condição da água estará normalizada logo? Vão indenizar as comunidades atingidas?
O esforço pela água não é só da Samarco, é das prefeituras também. Uma boa parte disso já foi restabelecida. Quanto a indenizações, vamos continuar fazendo o que é certo. Até agora ninguém colocou isso em dúvida.
A Samarco vem sendo cobrada por não ter avisado rápido aos moradores, por não ter feito a manutenção como se devia. Houve omissão?
Não, não houve omissão! Havia sim um Plano de Contingência, aprovado pelos órgãos competentes, e que foi cumprido integralmente.
Esse plano funcionou?
A discussão sobre o funcionamento dele, ou não, é outra discussão. O que posso lhe dizer é que existia. Mas nós perdemos vidas. E, para a gente, perder vidas não é admissível. A Samarco sempre foi uma referência na segurança do trabalhador. Se o plano pode ser melhorado, se vai ser melhorado para outras empresas, é uma discussão que tem de acontecer mesmo. Mas foi um acidente sem precedentes, não?
As avaliações do desastre falam em seis a oito meses para a recuperação ambiental. É isso?
Não temos como precisar uma data. Contratamos a Golder Associates, empresa de classe mundial em recuperação de desastres dessa natureza. É preciso que eles nos auxiliem no diagnóstico e no plano de ação, que é expertise deles. Estamos nessa luta desde o primeiro dia…
Mas, para muita gente, não é o que parece. A sensação que as pessoas tiveram foi de que a Samarco se escondeu nos primeiros momentos.
É uma crítica que a gente aceita. Estamos trabalhando para melhorar isso. Tenho falado com muita gente, com prefeitos da faixa do Rio Doce. Isso inclui desde auxílio imediato até coisas de mais longo prazo, como tratamento de água.
Tem como avaliar o dano ambiental? Quantas espécies se perderam, de que modo o rio pode ser repovoado?
Esse é justamente o trabalho que a gente está fazendo com a Golder. Ainda não temos como responder a isso.
O Ibama aplicou uma multa inicial de R$ 250 milhões, já se projetou um custo final em torno de R$ 20 bilhões. Tem havido negociações sobre valores?
Não dá para quantificar, do que foi colocado até agora, se as parcelas iniciais pagas cobrem tudo. O importante, acho, é mostrar para todo mundo a disposição da empresa que é a de fazer o que é certo. Mas o que a lei manda é a nossa baseline. Agente tem ido além do que a lei manda.
Esse desastre tem relação com o aumento da produção de minério? Aumentaram os rejeitos e deu problema?
A gente não tem ainda as causas do acidente. Mas posso dizer que passamos por um processo de expansão que demorou três anos de planejamento e outros três de execução, aumentamos em 30% a capacidade da Samarco. O processo licenciado, tudo foi estruturado. Não aumentou de repente.
E pelos seus cálculos a barragem suportaria tudo, certo?
Sim, sim.
Mesmo somando junto os rejeitos da Vale?
Sim. A Vale estava dentro de nossas contas e projeções. O deles era em torno de 5%. O contrato é desde 1989, mas esse é um valor constante.
Há alternativa para os rejeitos de minério que não seja represá-los em reservatórios?
A própria Samarco lidera muitos estudos nessa área, sobre como utilizar os rejeitos para fazer outros produtos. Como tijolo para casas, bloquinhos para pavimentação, pigmentação de vidro. Mas está tudo, ainda, em desenvolvimento, não temos escala. Tenho certeza de que é possível fazer, no longo prazo, o que denominamos mineração circular.
A tecnologia para extração do minério, no Brasil, é a mesma de outros países?
No minério de ferro, a tecnologia do Brasil é referência mundial. Muito do que se faz aqui é copiado lá fora.
Que tipo de política ambiental a Samarco adotava, e que vigorava antes do acidente?
A gente tem uma quantidade enorme de iniciativas, no nível ambiental e no social. Algumas delas, reconhecidas até com premiações.
A imagem da empresa no mercado sempre foi exemplar. Como pretendem recuperá-la?
A imagem é resultado de um trabalho de longo tempo. Tenho certeza de que vamos voltar a ser a Samarco que as pessoas admiram.
Os acionistas donos da empresa, a Vale e a BHP, têm ajudado? A Samarco vai se endividar para pagar a multa?
Os acionistas têm dado todo suporte pedido. Fornecedores, credores e clientes têm tido preocupação conosco. A gente agradece muito por isso. A Samarco tem solidez financeira e seu caixa encontra-se em linha com as demonstrações financeiras. A empresa está, operacionalmente, paralisada, mas vamos superar isso. Quando, não dá para precisar. Trabalhamos para que seja o mais breve possível.
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Presidente da Samarco diz empresa ‘atua 24 horas por dia’ para normalizar área do Rio Doce - Instituto Humanitas Unisinos - IHU