27 Novembro 2015
Em um quarto de século, isso nunca tinha acontecido com Pietro Valsecchi. Quando preparava um filme sempre conseguia fontes diretas. “Fazia um filme sobre a máfia, e falava com criminosos e vítimas; sobre um juiz assassinado, e me reunia com seus filhos. Mas neste caso estava assustado porque não tinha um interlocutor”, relata o produtor italiano. Era impossível chegar ao protagonista de seu novo filme ou a seu entorno mais próximo. Isso porque o papa já tem bastante trabalho para agora se ocupar também de Me Chame de Francisco (tradução literal), um novo filme sobre a vida de Jorge Bergoglio, dirigido pelo italiano Daniele Luchetti e produzido por Valsecchi, com Rodrigo de la Serna no papel do pontífice. A película será apresentada hoje à imprensa da Itália, antes da estreia oficial na prestigiada Sala Nervi, do Vaticano, em 1 de dezembro.
A reportagem é de Tommaso Koch, publicada por El País, 26-11-2015.
Depois de dois anos de trabalho, entre Itália, Argentina e Alemanha, o filme chegará às salas de cinema na quinta-feira, dia 3, com muita expectativa e uma polêmica. “Eu me pergunto se uma produtora que se valeu de um método que considero fraudulento pode conseguir estampar em seu filme a essência da mensagem de Francisco. Pessoalmente, acho que não”, afirma em um comunicado Evangelina Himitian, escritora e jornalista argentina, autora do livro A Vida de Francisco: O Papa do Povo. Porque, na busca de seu interlocutor, Valsecchi adquiriu em março de 2014 uma opção para o uso dos direitos da obra para seu roteiro. Por fim, não a exerceu. No entanto, segundo Himitian, ele se valeu de sua colaboração, seus conhecimentos e suas fontes para pôr seu filme em prática e reforça-lo. Quando já podia caminhar por conta própria, de acordo com a acusação da escritora, se desfizeram dela. Tanto que agora afirma estar preparando ações legais para defender-se. E aponta, entre outros dados, o subtítulo do filme: O Papa do Povo.
Valsecchi responde que o longa do jeito que ficou “nada tem a ver” com o livro. E esgrime, entre outros argumentos, um econômico: “O projeto custou 12 milhões (47,6 milhões de reais). Teria dado na mesma para mim 40.000 euros (158.000 reais) a mais para os direitos, mas para falar de um personagem tão importante não poderíamos limitar-nos a adaptar um livro”. O produtor reconheceu em várias ocasiões que a obra lhe serviu, sim, “de porta de acesso” ao mundo de Francisco. No entanto, ao pesquisar mais a história, afirma ter se dado conta de que “o livro não continha nenhum material original sobre Bergoglio, a não ser informação de domínio público”. Tanto que agora considera até mesmo “fundamental” a decisão de deixar o texto de Himitian para trás: “Era preciso criar uma obra original, recorrendo a múltiplas fontes e relendo-as através de um ponto de vista autoral inédito”.
Um Papa de cinema
O filme de Daniele Luchetti conta a história de Francisco da juventude até a atualidade. A obra reproduz a já célebre primeira saudação de Bergoglio aos fiéis na sacada da Basílica de São Pedro e, por meio de uma série de flashbacks, se traslada a esse “fim do mundo” de onde o pontífice disse que chegava. Assim, mostra os primeiros passos de Bergoglio rumo à religião, sua luta em defesa dos pobres e a trágica Argentina dos desaparecidos. O ator argentino Rodrigo de la Serna interpreta esse jovem padre que acabaria surpreendendo o mundo.
Me Chame de Francisco aspira a ser um “filme importante”, como define Pietro Valsecchi. A estreia no Vaticano já endossa sua trajetória. A partir daí o filme chegará às salas de cinema na quinta-feira 3 de dezembro, poucos dias antes do início do Jubileu em Roma, dia 8. O longa já foi vendido a 40 países –por ora, a Espanha não está entre eles.
O filme chega a dois meses de Francisco, o Padre Jorge, outra película sobe Bergoglio protagonizada também por um ator argentino: Darío Grandinetti. Enquanto isso, o cineasta italiano, ganhador de um Oscar, Paolo Sorrentino está rodando a série The Young Pope, na qual Jude Law interpreta um fictício primeiro papa ítalo-norte-americano, com a participação ainda de Javier Cámara. Um outro filme sobre Bergoglio, com base no livro do jornalista italiano Nello Scavo e que iria ser dirigido por Liliana Cavani, foi cancelado.
O roteiro, que conta a vida de Francisco da juventude até a chegada ao trono papal, leva as assinaturas de Luchetti e do escritor argentino Martín Salinas. “Em maio [de 2014] Luchetti viajou para Buenos Aires para uma reunião comigo. Tivemos um encontro pessoal de várias horas, no qual ele e Salinas tomavam notas e um assistente gravava a conversa. Abordamos diferentes temas e detalhes cinematográficos, que hoje aparecem refletidos no trailer”, afirma a escritora, que garante que depois dessa reunião continuaram em contato, sobretudo via correio eletrônico. Valsecchi diz, porém, que o texto contém “um grande trabalho de reconstrução histórico-bibliográfico e um roteiro original que parte do conclave de 2013 para recompilar a vida de Bergoglio por meio de uma série de flashbacks”. Salinas, acrescenta o produtor, jamais leu o livro O Papa do Povo.
“Não tive participação direta na redação do roteiro, mas colaborei, sim, ao fornecer-lhes tudo o que eles me pediam para elaborá-lo. Ficou claro para mim que a produção se valeu do livro e de meus conhecimentos e contatos para desenvolver a linha do argumento do filme”, acrescenta Himitian. A escritora, cujo pai é pastor evangélico e amigo de Bergoglio, diz que organizou encontros entre a equipe do filme e membros do entorno do Papa, e voltou a se reunir com algumas de suas fontes atendendo a pedido da produtora. Valsecchi não faz uma avaliação específica dessas reuniões e se limita a assinalar que só esteve com Himitian pessoalmente uma vez, e durante “meia hora”. “Seu livro não tem nenhum papel. Depois desse encontro, o filme seguiu em frente por um ano. Fomos à Argentina buscar a verdade. Gente que nos contasse histórias relacionadas com Francisco, sua juventude, os desaparecidos, a pobreza e toda sua missão até chegar a ser Papa”, diz o produtor.
Seja como for, os últimos contatos entre ambos ocorreram em agosto de 2014. A autora afirma que prometeram em um e-mail enviar-lhe “logo” o roteiro, algo que nunca aconteceu. Um mês depois, soube por seu agente editorial que a produtora não iria adquirir os direitos. A partir daí relata que em fevereiro e abril desse ano foram realizadas tentativas de mediação. Diante do que foi exposto, resta dizer que foi em vão.
“Enquanto não vir o filme não posso dizer se houve plágio. Mas não me resta dúvidas de que usaram meu livro para promover e vender seu projeto. Que se valeram de meu trabalho para nutrir o roteiro”, alega Himitian. Ao que Valsecchi responde: “Não tem fundamento, fala do nada. É um projeto que durou dois anos. Talvez quando vir o filme ela mesma se dê conta de que não tem nada a ver”. A resposta, nos cinemas.
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Um novo filme sobre o Papa estreia com polêmica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU