28 Outubro 2015
Sobre o bispo belga Johan Bonny, à frente da diocese de Antuérpia, circulam caricaturas e textos escritos por penas mergulhadas em veneno. No entanto, a sua avaliação do Sínodo não parece marcada por um relativismo teológico. Mas pelo simples reconhecimento de como a Igreja caminha na história. Do Concílio de Niceia até o Sínodo de 2015.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 26-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que aconteceu no Sínodo?
Para medir o caminho feito pelo Sínodo, basta medir a distância entre o relatório final e o relatório de abertura, lido no primeiro dia pelo relator-geral, em que muitos pontos figuravam em uma formulação muito rígida. Talvez, havia quem visasse colocar novamente aquelas coisas no documento final.
Eles tentaram afundar o parágrafo sobre o discernimento dos divorciados recasados, embora não houvesse nem mesmo uma referência explícita à readmissão aos sacramentos. A que eles visavam?
Aqueles que não queriam deixar a mínima abertura sobre esse ponto estavam convencidos de que iriam "vencer". Eles disseram entre si: sobre essa formulação, não façamos objeções preliminares e, depois, no momento da votação, votaremos contra. Queriam dar o sinal: sobre isso, não queremos mais falar, nem mesmo remotamente. Mas fizeram mal os cálculos. No início, eles certamente eram mais de oitenta. Isso significa que, no fim, alguns disseram: agora chega, sigamos em frente, para a posição pastoral compartilhada. E essa mudança amadureceu durante o Sínodo.
Qual é o valor desses capítulos?
Os capítulos sobre o discernimento não mencionam as várias categorias, porque esse discernimento não se aplica apenas aos divorciados recasados. Eles também se encarregam de outras situações, como a coabitação de jovens ainda não casados, ou aqueles que são casados civilmente mas não sacramentalmente. Ninguém jamais havia pedido para dar a todos os divorciados recasados, sem discernimento, a comunhão. Se olharmos realmente para o que o cardeal Kasper tinha dito no consistório há mais de dois anos, ou mesmo para a proposta dos bispos alemães de mais de 15 anos atrás, vê-se que o documento retomou os mesmos critérios propostos por eles. Isso nos é pedido pela situação histórica em que vivemos.
Um sacerdote do Leste Europeu, que desempenhava há alguns anos o seu trabalho pastoral na Suíça, me contava: "Eu celebro a missa no domingo, e a maioria dos que me pedem a comunhão são protestantes ou divorciados recasados. Os católicos 'normais' – ele me dizia – raramente vêm à missa. Enquanto aqueles que buscam a Eucaristia, aqueles que sentem a sua necessidade vital, como alimento de cura ou de vida espiritual, pertencem a categorias que canonicamente não podem receber o sacramento, exceto em situações graves e excepcionais". Até agora, encontramo-nos em uma situação de "tudo ou nada", que não assume situações concretas, e cujos princípios às vezes são aplicados sem prudência pastoral suficiente, de modo que, por exemplo, não se faz distinção entre quem foi abandonado e quem abandonou, entre quem coabita há dois meses e quem, estando em uma segunda união, se tornou avô e avó, com netos que crescem na Igreja Católica.
Em nível prático, a quem é confiada a tarefa de aplicar esses critérios concretamente?
Naquele parágrafo 85, aparece a pessoa do bispo. Não se trata de elaborar novas teologias. Como todos repetiram, a doutrina não muda. Mas há uma nova abertura para anunciar o Evangelho em situações existenciais, sem ter que deixar de fora desses caminhos pastorais a possibilidade de acesso aos sacramentos. Depois de escutar o discurso final do papa, é claro que, já com o Ano da Misericórdia, ele vai continuar nessa estrada. O Papa Francisco tem a porta aberta para seguir em frente. E implodiu o esquema daqueles que queriam contrapor doutrina e pastoral. Não existe uma doutrina separada da pastoral, ou uma pastoral que se afirma em detrimento da doutrina.
O que mais lhe impressionou no discurso final do Papa Francisco?
O reconhecimento dos contextos diferentes em que a Igreja opera, quando ele disse que há coisas impensáveis em certos contextos que, em outros, são absolutamente óbvios, são a normalidade. E devemos viver na realidade em que estamos, sem dizer que uns estão no pecado e outros estão sem pecado. E também quando ele disse que quem defende a doutrina não é quem defende a letra, mas quem defende o seu espírito.
Como alguns insinuavam, foi um Sínodo "pré-confeccionado"?
Eu participei de outros sínodos, como assistente dos delegados fraternos, e este foi o primeiro sínodo em que ouvi cardeais dizerem de modo tão aberto coisas contrastantes com aquilo que o papa dizia. Além disso, o papa tinha convidado todos à franqueza total. E aqueles que mais se aproveitaram dela foram justamente aqueles que espalhavam insinuações sobre o Sínodo "manipulado"... Felizmente, o método de trabalho foi claro e aberto.
Mas realmente o jogo foi entre "defensores" e "liquidatários" da doutrina?
Ainda no Concílio de Jerusalém, e depois também nos outros, o problema nunca foi o conflito entre o verdadeiro e o falso. Se esse fosse o caso, tudo seria fácil: é preciso escolher o verdadeiro e rejeitar o falso. A questão complicada sempre foi como combinar os elementos de verdade defendidos por uns com os elementos de verdade defendidos por outros.
Dê alguns exemplos.
No Concílio de Niceia, por exemplo, uns diziam: "Somos monoteístas, Deus é um só!". E os outros respondiam: "Mas devemos distinguir bem e respeitar a distinção e a relação entre estas três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo". Um e três, não verdadeiro e falso. E, enquanto cada um se considerava partidário da verdade e considerava os outros como representantes do falso, o clero no Oriente se matava, e não em sentido figurado. O Concílio teve que unir os elementos de verdade de uns com os dos outros.
E no Concílio de Calcedônia?
Mais ou menos a mesma coisa. Uns diziam: "Jesus é Filho de Deus. Se não é Deus, não é o Messias Salvador, para aquele que é menos do que Deus não pode ser salvador de todos os homens". Os outros respondiam: "Sim, mas Jesus é homem. Se Deus não se fez homem como nós e não viveu a nossa mesma humanidade, exceto o pecado, não houve realmente a encarnação, a paixão e a morte". Eles lutaram por um século, contrapondo "verdadeiro e falso", até que, em Calcedônia, decidiram conjugar a verdade de uns com a dos outros, encontrando uma fórmula que talvez continue sendo complexa e um pouco difícil, mas que levou a Igreja para a frente.
Outros exemplos?
O Concílio Vaticano I tinha dito: "O primado do papa implica a jurisdição universal e a infalibilidade, porque Pedro, no colégio dos 12, é único, e Jesus lhe deu um poder que não deu aos outros apóstolos. Portanto, a unicidade de Pedro no concerto dos 12 deve ser respeitada". Ficamos quase um século com esse "primado do primado". Depois, o Vaticano II não disse que os pronunciamentos do Concílio anterior eram falsos, mas reconheceu e reafirmou também a colegialidade, o aspecto sinodal, restabelecendo, assim, o saudável equilíbrio entre primado e colegialidade na Igreja Católica, unindo a verdade de uma perspectiva com a verdade da outra.
E, neste Sínodo, seguindo essa linha de leitura, como foi?
Sobre os temas debatidos nesse Sínodo, a tarefa a que éramos chamados era semelhante. Mas o clima ainda registrou turbulências. Sempre é necessário um processo, que leva tempo, não para buscar compromissos "táticos", mas para fazer amadurecer o clima e poder chegar a uma combinação daquilo que é verdade por parte daqueles que defendem a continuidade da doutrina e aqueles que dizem que, nas situações concretas, a lei deve ser aplicada com prudência e sabedoria, levando em conta que a lei suprema é a salvação das almas, segundo a misericórdia de Deus. Agora, há quem ainda coloque rótulos e continue a dizer: "Vocês são liberais, nós somos ortodoxos...". Um esqueminha que faz rir. Eu também quero ser e permanecer ortodoxo. E quem se proclama ortodoxo, às vezes, pode ser muito liberal na aplicação da doutrina ou das regras.
Há quem dê toda a culpa dessas esquematizações à mídia.
A mídia tem as suas culpas, é claro. Mas muitos jornalistas realmente entenderam os nossos problemas. Muitos estão bem informados. No máximo, o problema é o dos blogs militantes que infestam a rede e assumem as vestes de pequenos tribunais da Inquisição. Eles atacam todos aqueles que não pensam da sua maneira, com a intenção de intimidá-los, tratando-os como hereges. Não formulam perguntas, mas atos de acusação doutrinal.
Muitos bispos africanos insistiram na "colonização ideológica" sofrida sobre os temas da família, do sexo, do gênero... Que percepção vocês têm sobre isso na Bélgica?
Há uma pressão, mesmo entre nós, em matéria de gender. Mas isso não nos chegou como fenômeno importado do exterior, como dos EUA ou de qualquer outra parte. Surgiu da nossa gente e da nossa cultura. Na África, no Oriente Médio e no Leste Europeu, cresce um sentimento antiamericano e antiocidental. Em alguns casos, há quem tenha vinculado a concessão de ajudas humanitárias ao fato de assumir determinadas políticas sobre temas que dizem respeito à sexualidade. Dito tudo isso, é evidente que a homossexualidade não pode ser apresentada simplesmente como um produto exportado do Ocidente. É um fenômeno que existe também naquelas sociedades, mas muitas vezes ainda é coberto e negado. No máximo, essas realidades mantidas às escondidas buscam apoio nas redes globais da internet e das redes sociais para emergir. Contudo, no Sínodo, sobre a homossexualidade, falou-se pouco. Era como uma questão não conectada diretamente com o matrimônio sacramental e com a família. Eu acho que foi melhor manter as coisas separadas, e evitar dizer coisas genéricas demais, polêmicas e não argumentadas.
O que lhe convenceu menos no tratamento do tema dos matrimônios fracassados?
Alguns têm um modo mecânico de interpretar a diminuição dos matrimônios e os fracassos matrimoniais apenas como efeito automático da perda de fé e da secularização, esquecendo-se de que muitos bons católicos também se divorciam, até aqueles envolvidos nas paróquias e nos movimentos.
O que pensam na Bélgica sobre o papa? E como vocês avaliam a hostilidade que comentaristas e grupos dentro da Igreja reservam a ele?
O Papa Francisco é o papa mais amado na Bélgica desde os tempos de João XXIII. Sobre aqueles que estão contra ele, eu não buscaria motivações muito altas e espirituais para justificar a sua atitude. Também tem a ver com questões de ciúme ou de poder. Há episcopados ou movimentos que, em tempos recentes, tinham uma grande influência e agora a veem diminuir. Em suma, eu também levaria em conta a dimensão humana em tudo isso.
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"Depois do Sínodo, Francisco tem as portas abertas para avançar", diz bispo belga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU