19 Junho 2015
A ameaça que a crise ecológica nos apresenta gira em torno ou transcende as nossas divisões tradicionais entre cristãos. A encíclica do Papa Francisco é um convite à unidade: a unidade na oração pelo ambiente, no mesmo Evangelho da criação e na conversão dos corações e dos estilos de vida para respeitar e amar cada pessoa e cada grão daquilo que existe.
A opinião é de Ioannis Zizioulas, metropolita ortodoxo de Pérgamo, em artigo publicado no jornal L'Osservatore Romano, 19-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O texto foi apresentado, no dia de ontem, por ocasião da apresentação da Encíclica no Vaticano. O Papa Francisco convidara o Patriarca Bartolomeu I, de Constantinopla, para apresentar a Laudato si' que indicou Zizioulas.
Eis o texto.
A encíclica Laudato si' dedica um capítulo inteiro para demonstrar as implicações ecológicas profundas da doutrina cristã da criação. Ela salienta que, segundo a Bíblia, "a existência humana se baseia em três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra" (n. 66).
Essa terceira relação, ou seja, com a terra, foi muitas vezes ignorada pela teologia cristã, a tal ponto que o historiador norte-americano Lynn White, em um artigo já famoso que apareceu na revista Scientist (1967), acusava a teologia cristã de ser responsável pela crise ecológica moderna.
Como surge claramente na encíclica, a crise ecológica é, essencialmente, um problema espiritual. A justa relação entre o homem e a terra, ou o seu ambiente natural, com o pecado original, se rompeu tanto externamente quanto dentro de nós, e essa ruptura é pecado.
A Igreja deve agora introduzir no seu ensinamento sobre o pecado também o pecado contra o ambiente, o pecado ecológico. O arrependimento deve ser estendido para cobrir o dano que infligimos contra a natureza, seja como indivíduos, seja como sociedade. Isso deve ser levado à consciência de cada cristão que se preocupa com a própria segurança.
O pecado ecológico se deve à avidez humana, que cega os homens e as mulheres, a ponto de fazer com que ignorem e desprezam a verdade fundamental de que a felicidade da pessoa depende da sua relação com todos os outros seres humanos. A ecologia contém uma dimensão social que a encíclica faz vir à tona com clareza. A crise ecológica vai de mãos dadas com a disseminação da injustiça social.
Não podemos enfrentar com sucesso uma sem abordar também a outra. O pecado ecológico não é apenas um pecado contra Deus, mas também contra o próximo. E não é só um pecado contra o outro do tempo presente, mas também – e este é o aspecto grave – contra as gerações futuras.
Tudo isso exige aquilo que poderíamos definir como ascetismo ecológico. Vale a pena notar que todas as grandes figuras da tradição ascética cristã eram sensíveis ao sofrimento de todas as criaturas. Não se trata de romantismo. Ao contrário, brota de um coração amoroso e da convicção de que entre nós e o mundo natural há unidade orgânica e interdependência.
O espírito e o ethos do ascetismo podem e devem ser adotados se quisermos que o nosso planeta sobreviva. A redução do consumo dos recursos naturais é uma atitude realista e é preciso encontrar modos para pôr um limite ao imenso desperdício de bens naturais. A tecnologia e a ciência devem dedicar os próprios esforços a essa tarefa.
Por fim, a espiritualidade deve permear o nosso ethos ecológico através da oração. A encíclica nos propõe alguns exemplos extraordinários de como rezar pela proteção da criação de Deus. O Patriarcado Ecumênico, ainda em 1989, decidiu dedicar o dia 1º de setembro de cada ano para a oração pelo ambiente. Essa data, segundo o calendário litúrgico ortodoxo que remonta aos tempos bizantinos, é o início do ano eclesiástico. O dia 1º de setembro é agora dedicado pelos ortodoxos ao ambiente. Não poderia se tornar, para todos os cristãos, um compromisso para esse tipo de oração? Seria um passo no sentido de uma maior proximidade entre eles.
E isso me leva ao meu último comentário sobre a encíclica do papa, isto é, à sua importância ecumênica. Creio que existem três dimensões do ecumenismo. Poderíamos definir o primeiro como o ecumenismo no tempo. Com isso, entendemos o esforço de cristãos divididos de se unirem com base na sua tradição comum, no ensinamento da Bíblia e dos Padres da Igreja.
Ao mesmo tempo, também é praticado um ecumenismo no espaço, através de diversas instituições internacionais.
A essas duas dimensões, que dominaram a cena ecumênica nos últimos 100 anos, a meu ver, devemos acrescentar uma terceira que normalmente é ignorada, e é mais especificamente aquela que eu chamaria de ecumenismo existencial. Entendo com isso o esforço para enfrentar juntos os problemas existenciais mais profundos que preocupam a humanidade inteira, e não apenas lugares ou grupos de pessoas particulares. A ecologia, além disso, certamente é o candidato mais óbvio a esse respeito.
Considero que a relevância da encíclica Laudato si' não está limitada ao tema da ecologia como tal. Nela, eu vejo uma importante dimensão ecumênica, pois coloca os cristãos divididos diante de um compromisso comum que eles devem enfrentar juntos.
Vivemos em um tempo em que os problemas existenciais fundamentais esmagam as nossas divisões tradicionais e as relativizam quase até extingui-las. Por exemplo, basta olhar para o que está acontecendo hoje no Oriente Médio: quem persegue os cristãos lhes pergunta a qual Igreja ou confissão pertencem? A unidade dos cristãos nesses casos se realiza, de fato, com a perseguição e o sangue, ou seja, um ecumenismo do martírio.
A ameaça que a crise ecológica nos apresenta gira em torno ou transcende de modo semelhante as nossas divisões tradicionais. A encíclica do Papa Francisco é um convite à unidade: a unidade na oração pelo ambiente, no mesmo Evangelho da criação e na conversão dos corações e dos estilos de vida para respeitar e amar cada pessoa e cada grão daquilo que existe.
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Em oração pelo ambiente. Artigo de Ioannis Zizioulas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU