13 Mai 2015
A reflexão de Rémi Brague sobre a história e sobre as ideias dominantes da pós-modernidade é clara e límpida, crítica sem ser polêmica. Ele tem a coragem de ter um ponto de vista diferente, expressado sem agressividade, sem prosopopeia inútil.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade La Sapienza de Roma. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 12-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Nós queremos nos afastar da história na medida em que reencontrarmos nela 'tradições' que seremos obrigados a respeitar e das quais, ao contrário, quereremos nos livrar": a reflexão de Rémi Brague sobre a história e sobre as ideias dominantes da pós-modernidade é clara e límpida, crítica sem ser polêmica. Ele tem a coragem de ter um ponto de vista diferente, expressado sem agressividade, sem prosopopeia inútil.
Reflexões aparentemente simples, mas na realidade anticonformistas: por exemplo – escreve ele em Dove va la storia? Dilemmi e speranze (organizado por Giulio Brotti. Brescia: La Scuola, 2015, 160 páginas) –, vendo que práticas sexuais e as regras relacionadas com o casamento variam de acordo com as épocas e as populações, não devemos ter a ideia de que são todas válidas. Porque, assim, esquecemo-nos "de nos perguntarmos por que os povos que praticam – digamos – a poligamia ou a poliandria não puderam ter acesso à modernidade, no plano tecnológico e político".
Assim, Brague se pergunta, com razão, se não há um vínculo "entre a concepção da pessoa (da mulher, principalmente) subentendida a certas condutas em matéria de sexualidade e uma tendência à estagnação cultural?".
Justamente com base nessas evidências e em resposta a todo relativismo cultural, Brague defende que "a cultura europeia, de fato, não é 'normal': ela aceita assumir em si elementos que, mesmo assim, permanecem-lhe estranhos" e explica em rápidas mas significativas pinceladas a especificidade em relação ao Islã e ao judaísmo.
A esse respeito, ele se opõe àqueles que, simplificando, falam de religiões reveladas, salientando como é importante esclarecer o que é revelado: para o Islã, Deus não revela a Si mesmo, mas manifesta a Sua vontade. Se judaísmo e cristianismo, portanto, são religiões da revelação, só para o Islã pode-se falar de religião revelada.
Mas essas diferenças muitas vezes são postas superficialmente de lado, e os diálogos entre as religiões nada mais são do que "monólogos paralelos cobertos de açúcar".
A trilogia escrita pelo erudito – La Sagesse du monde (1999) e La Loi de Dieu (2015) foram completados agora por Le règne de l’homme. Genèse et échec du projet moderne (Paris: Gallimard, 2015, 403 páginas) – aborda o tema da modernidade, ao qual o reporta, com uma série de perguntas profundas, o entrevistador Brotti. Também sobre esse tema, Brague revela um pensamento complexo, nuançado: no que se refere ao início da modernidade, "eu tento distinguir – escreve – mais limiares, situados em diversas regiões e em diversas épocas", e depois ele passa a analisar o nascimento da ciência moderna, modificando alguns dogmas historiográficos e sobretudo criticando "a tendência à autocomplacência", para a qual "a Modernidade conta a sua história como a de um irresistível progresso rumo... a si mesma".
Na emergência das neurociências e na sua tentativa de explicar, com a reação biológica, o comportamento humano, o estudioso vê um retorno de uma antiga tentativa, a de fazer de uma ciência particular uma ciência universal, tentação que se repetiu ao longo do tempo todas as vezes em que apareceu uma nova ciência. Bem consciente do perigo que se esconde por trás desse novo modelo de explicação, que corre o risco de matar humanismo. Porque "a ideia de humanismo se esvazia, se não se fundamenta no pressuposto de que o homem possa ter acesso à verdade e que é um sujeito livre e responsável, criador da história".
Um posicionamento original está na sua oposição ao uso do termo "valores", termo abusado na nossa linguagem cotidiana: "O modo mais seguro para ser derrotado é o de se deixar arrastar para o campo do adversário. Justamente isso é feito por aqueles que aceitam em falar de 'valores' e da necessidade de 'defendê-los'. A palavra não é neutra, esconde uma armadilha. Com efeito, insinua a representação de um subjetivismo radical, para o qual nós conferiríamos um valor, atribuiríamos um preço para as coisas".
Portanto, ele se opõe àqueles que consideram o cristianismo uma espécie de "caixa de valores" a serem defendidos, porque – diz o pensador francês – "a sociedade cristã não foi fundada por pessoas que acreditavam no cristianismo, mas por pessoas que acreditavam em Cristo".
Reflexões originais e profundas também são feitas sobre temas de grande atualidade hoje, como a relação com as leis naturais: Brague considera as leis da natureza apenas como uma expressão metafórica, mas útil para orientar as escolhas humanas, porque "a analogia entre as leis morais e as leis naturais, em todos os casos, tem a vantagem de sugerir que a moral também consiste em respeitar as condições que permitem a vida".
Assim, sobre a indissolubilidade do matrimônio, ele escreve: "'Para sempre' não é uma fórmula enfática devida à exaltação de um momento, mas responde à própria estrutura do amor (...) em certo sentido, o cristianismo não acrescenta nada ao humano, mas o leva a sério, nas suas dimensões mais profundas. Também no campo das relações matrimoniais, portanto, a tentação sempre é uma falta de ambição: ela consiste em se acreditar incapaz de receber a ajuda (graça) de Deus que nos permitiria realizar a plenitude de nossa humanidade".
E conclui com um olhar para o futuro das nossas sociedades ocidentais com crescimento demográfico zero. Nós precisamos – diz Brague – que a vida tenha valor não tanto para vivê-la, mas para que seja legítimo transmiti-la aos outros. Hoje, de fato, "a verdadeira questão é se a vida vale a pena ser dada".
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Dilemas sobre o curso da história. A armadilha dos valores, segundo Rémi Brague - Instituto Humanitas Unisinos - IHU