Por: Cesar Sanson | 20 Abril 2015
"Mais um Acampamento Terra Livre termina. Um momento importante da luta dos povos indígenas. Certamente o maior movimento depois da Marcha e Conferência Indígena do ano 2000, quando o Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular protagonizou a grande marcha e Conferência Indígena. Mas com certeza jamais se reuniram em torno de 200 povos indígenas em Brasilia. Podemos imaginar a complexidade de lidar com tantas e tamanhas diferenças num único encontro. A sabedoria e acúmulo de luta e resistência, envolta em muitos rituais, rezas e
espiritualidade dá a certeza de que os direitos e a esperança da justiça avançaram. Apesar de uma certa frustração de expectativas por parte dos povos indígenas que entendem que o tempo das conversações, dos documentos já se esgotou. O momento é de forçar, de fazer o enfrentamento contra todos os que lhes negam direitos e os oprimem e condenam à morte, lhes roubam e invadem as terras, sem que nada se faça para impedir essa barbárie", escreve Egon Heck, do secretariado nacional do CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Nesta semana Brasília foi a capital do Brasil indígena. A luta e a esperança acamparam na Esplanada dos Ministérios. Talvez, pela primeira vez na história desse país, quase 200 povos indígenas deram a cor, o tom e a voz dos primeiros habitantes dessa terra, mostrando quão injusto, cruel e bárbaro está sendo o avanço dos poderosos sobre os territórios indígenas, os recursos naturais, as culturas, religiões e vidas desses povos.
No coração do poder se instalou um espaço de luta, de resistência e afirmação da diversidade e dignidade dos povos primeiros. Quando as raízes se agitam, o poder treme, fecha as portas, se torna mudo e cego para os clamores que brotam do fundo da terra, do grito contido, das leis e dos direitos violados. O Estado brasileiro teme o poder simbólico e real das lutas indígenas porque é responsável pela constante violação dos direitos desses povos.
Vigiados e constrangidos
Desde a saída das aldeias e chegada em Brasília, as lideranças indígenas sabiam que estavam sendo vigiadas e controladas pelo serviço de inteligência e repressão do Estado. Um cenário que não lhes é estranho, pois têm sido controlados e reprimidos na luta pelos seus direitos, desde o período do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), quando tinham seus direitos de ir e vir totalmente cerceados, proibidos de participar dos encontros e das lutas de seus povos, sob o manto repressor da tutela, até as formas atuais de aliciamento e cooptação. São as formas neocoloniais de fazer prevalecer os interesses dos poderosos (latifundiários, mineradores, madeireiros, agronegócio e agroindústrias, militares, políticos...) em detrimento dos direitos indígenas assegurados na Constituição brasileira e legislação internacional.
São tolerados apenas em espaços e momentos predeterminados, controlados por forte aparato policial e mesmo assim passando por constrangimentos, como ocorreu na Câmara dos Deputados, no último dia do Acampamento Terra Livre. Foi a confirmação do que o movimento indígena já vinha alertando: de falas e papeis sobre nossa realidade, exigências e direitos, os Três Poderes estão abarrotados. Se nada acontece, ou pior, retrocedem e buscam suprimir nossos direitos é porque existe um sistema perverso de negação de nossas vidas e nossa existência enquanto povos e culturas diferenciadas.
Do diálogo da enganação às lutas pela terra e pelos direitos conquistados
Lideranças de todas as regiões do país foram se movimentando para Brasília. Os governantes armaram as barricadas dos seus interesses, blindados pela força das armas, sem argumentos convincentes, faziam do “diálogo de enganação” seu cavalo de Tróia. Não é de hoje que as classes dominantes fazem de conta que dizem a verdade, quando essa nada mais é do que o encobrimento de interesses e uma história falaciosa para garantir privilégios e acumular capital.
Os povos indígenas estão fartos de serem ludibriados por discursos enfeitados, mancomunados com o cinismo mordaz das elites dominantes. Tudo vil enganação. Se deixassem cair as roupas da mentira, estaríamos frente a um exército desnudo, desavergonhado.
Cientes dessa realidade os povos indígenas presentes na Mobilização Nacional e nas regiões deixaram claro sua decisão de lutar por seus direitos, a qualquer custo, nessa guerra que lhes é imposta diariamente. “Vamos defender nossas terras nem que seja com nossas vidas. Não podemos nos acovardar”, externou uma das lideranças.
Restam os duros caminhos do retorno às suas terras tradicionais e a autodemarcação, como forma de pressionar o governo brasileiro, diante de sua omissão e alegação de não ter recursos para resolver a situação.
No documento protocolado no Palácio do Planalto deixaram claro à presidente Dilma que, caso não resolva com urgência a demarcação das terras indígenas, “o seu governo continuará com uma visível incoerência: defender no âmbito internacional o Estado democrático e os direitos humanos, enquanto internamente se permite a perpetuação de políticas e práticas etnocidas e genocidas que há 515 anos vitimam os povos indígenas”.
Os gritos de “demarcação já”, contra a PEC 215 e todas as iniciativas anti-indígenas continuarão a ecoar nos corações de multidões pelo país e mundo afora. As flechas, bordunas e maracás continuarão soando no espírito dos jovens guerreiros e aguerridos anciões. A espiritualidade, rituais e rezas haverão de vencer todos os muros, armas e barreiras!
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O poder treme - o Brasil plural e originário avança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU