18 Fevereiro 2015
A terceira geração da jihad nasce na Síria, país que, nos últimos anos, forneceu as condições materiais ideais para que as teorias dos seus ideólogos fossem postas em prática. Isso também foi possível graças ao desenvolvimento cada vez mais invasivo da rede, com a qual foram mobilizados dezenas de milhares de jovens em todo o planeta, especialmente na Europa, mediante um bombardeio incessante de imagens das atrocidades cometidas contra a população síria pelo regime de Damasco.
A análise é do cientista político francês Gilles Kepel, especialista em Islã e no mundo árabe contemporâneo, professor do Instituto de Estudos Políticos (IEP) de Paris. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 17-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Por que os jihadistas da terceira geração tem tanto problema com os judeus? Por que, em janeiro passado, Amédy Coulibaly massacrou os clientes de um supermercado kosher e por que, antes dele, em março de 2012, Mohamed Merah descarregou a sua kalashnikov contra o professor e os alunos de uma escola judaica, e Mehdi Nemmouche, em maio 2014, semeou o terror no Museu Judaico de Bruxelas?
Porque os judeus são o alvo ideal da sua estratégia, que consiste em desencadear uma guerra civil interconfessional na Europa. Para trazer para o seu lado os "indecisos", os muçulmanos da França ou da Inglaterra revoltados com a integração ocidental, mas ainda não devotados à causa jihadista, o modo mais fácil e menos custoso é o de matar um judeu, bode expiatório por excelência.
Ora, o ponto fraco da Europa tornou-se, para os islamistas, o melhor teatro para representar as suas truculentas dramatizações. Por isso, depois de Paris e de Copenhague, podemos nos perguntar qual será a próxima capital que eles ensanguentarão no Velho Continente.
Dez anos atrás, no dia 14 de fevereiro de 2005, foi criado o YouTube, instrumento indispensável para a terceira geração de jihadistas, porque, além de permitir um alistamento rápido de novos "soldados", sem passar pelas mesquitas mais radicais, as redes sociais fornecem as imagens e a linguagem para uma juventude mundializada híbrida, nascida na Europa, mas alimentada pelas mais antiquadas teorias do islamismo militante.
Para essa terceira geração, o alvo não são mais os Estados Unidos, poderosos demais e distantes demais das terras do Islã, mas a tolerante Europa, seguramente mais fraca e mais dividida do que a América, a poucos passos do mundo muçulmano e com dezenas de milhões de maometanos mal integrados, que formam um gigantesco viveiro de possíveis recrutas locais.
Depois dos protagonistas da primeira jihad no Afeganistão nos anos 1980 e depois dos seus imitadores inconclusivos na Argélia, Egito e Tchetchênia, com o nascimento da Al-Qaeda apareceu a segunda geração dos soldados da guerra santa.
O erro de Bin Laden e do seu ideólogo Zawahiri foi acreditar que, atingindo as Torres Gêmeas e o Pentágono, eles derrubariam o gigante de pés de barro e galvanizariam as massas muçulmanas a ponto de fazê-las se levantar por trás da bandeira da jihad contra os regimes pró-ocidentais.
Na realidade, o 11 de setembro permitiu que George W. Bush encontrasse os bilhões de dólares necessários para derrotar a Al-Qaeda, sem nenhuma reação, senão de alívio, por parte das massas muçulmanas.
Os jihadistas da terceira geração são muitas vezes jovens vagabundos ou delinquentes, sem arte nem parte, facilmente doutrináveis e dificilmente identificáveis pelos serviços secretos. São pessoas que podem escolher os seus alvos e alcançá-los de modo extremamente barato. A terceira geração da jihad nasce na Síria, país que, nos últimos anos, forneceu as condições materiais ideais para que as teorias dos seus ideólogos fossem postas em prática.
Isso também foi possível graças ao desenvolvimento cada vez mais invasivo da rede, com a qual foram mobilizados dezenas de milhares de jovens em todo o planeta, especialmente na Europa, mediante um bombardeio incessante de imagens das atrocidades cometidas contra a população síria pelo regime de Damasco. Também desta vez bastaram o Facebook e o Twitter para atrair novas forças à causa, sem a necessidade de recorrer aos histéricos sermões de alguns imanes agitados dos subúrbios, muito vigiados pela polícia.
O outro componente que permitiu o surgimento da terceira geração na França, Inglaterra, Bélgica e agora na Dinamarca é o apelo lançado pelo Estado Islâmico para combater no califado, isto é, a poucas horas de avião de Paris, Londres ou Bruxelas. Uma vez treinados no campo e, melhor, doutrinados, os jovens jihadistas são enviados novamente para as suas sociedades europeias de origem para cometer os seus crimes.
Mas, vendo bem, a força aparente dessa jihad desestruturada e moderna é também a sua fraqueza mais profunda. Acima de tudo, porque os seus adeptos não conseguem se distanciar do mundo virtual da comunicação, e as milhares de mensagens e de vídeos "edificantes" que publicam continuamente permitiram que as forças de segurança descobrissem na sua conta muito mais do que se sabia das milícias da Al-Qaeda um ano depois do 11 de setembro.
Não só: a relativa liberdade de ação do seu modus operandi, desprovido de qualquer doutrina estratégica controlada pela cúpula do movimento, fez com que fossem cometidos atos monstruosos, que fez o califado perder aqueles potenciais simpatizantes muçulmanos que está buscando.
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Jihadistas "sociais" que visam ao coração judaico da Europa. Artigo de Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU